23 de dezembro de 2010

Passado

Faz tempo, eu sei.
Sei que já nem se quer o número do telefone dela tenho mais, esqueci do endereço e da cor favorita.
Sei que acabei perdendo muita coisa importante pra ela, momentos importantes, histórias engraçadas, coisas que havíamos dito que faríamos juntos. Coisas importantes pra mim também, porque não dizer? Importante pra nós dois.
Sei que hoje tudo parece meio idiota e não faz muito sentido as coisas como estão. Sei que podíamos ter feito diferente, e preservado muita coisa do bom sentimento que havia entre a gente. Mas quem disse que não preservamos? Pelo menos eu preservei. Por mais que esforços tenham sido feitos na tentativa de anular o que se sentiu, nada foi apagado, não é verdade? Já não se sente como antes, mas se sente. Não se retira a importância de uma pessoa na sua vida. Só você sabe o que ela representa, e nem mesmo os amores de hoje anulam o devido lugar que os amores verdadeiros de ontem ocupam.
Sei que por mais que digam que sabem o que você não representa mais pra mim, sei o que você ainda representa. E vai representar sempre. Ficam as reticências muito bem colocadas aqui. E os agradecimentos.
Até o próximo telefonema então.

Verdades

Hoje me deu tristeza
tristeza porque o mundo é triste, e mau,
e impiedoso.
Riu da minha cara e da minha esperança
voitou como um bêbado ressacado
sobre mim a insólita verdade:
que amanhã ainda vou ser triste
porque já não sei mais ser feliz.

Isso pode não fazer muito sentido
mas enquanto ele de mim ri,
eu choro, e acredito
e choro de novo,
e tenho medo de ficar só aqui.

Sim, sou muito louco,
vago pelos caminhos como sôfrego
desesperado
ansiando pela paz
que eu não consigo encontrar
e o não encontrar apenas
acentua meu já terrível desespero.

Quero apenas me deitar,
ouvir canções que se cantavam em Lisboa
enquanto felicidade ainda havia,
e então me permitir dormir
enquanto suplico uma prece para não mais acordar.
Para não mais acordar.

15 de dezembro de 2010

Aguardo

Os professores falam sobre revoluções, mudanças e dissertam longas horas acerca da coragem que devemos de ter. Os políticos, por sua vez, insuflam o peito sobre as reformas sociais, jurídicas e de moral de extrema necessidade. Os comunistas defendem a ausência dos males da dominação, e os filósofos decorrem sobre as tecnociências que metrificam, dirigem, corrompem e constroem a sociedade, ou aquilo que assim chamamos.
Os comerciantes defendem a usura, ainda mais a  praticada de maneira a sonegá-la. Os pesquisadores buscam a cura de todos os males. Os historiadores tentam nos retratar a origem do mal, e os filósofos querem entender a razão de todas as coisas.
Os biólogos querem salvar as baleias, a camada de ozônio e o mico-leão-dourado.Os pacifistas querem o caminho para a paz mundial. Os astronautas querem ir a marte e os alquimistas querem a pedra filosofal.




Eu? Por hora largo todas as causas urgentes da humanidade, me sento na cadeira de balanço da varanda, olhando o sol se por como se fosse a primeira vez. O que espero?
Espero que corra no meu sangue aquela sensação, tão simples, tão boa, aquela sensação indispensável que me dá a certeza de estar viva.



Espero a poesia voltar pra mim.



Ah, poeta vagabundo... Quanto tempo achas que conseguirás ficar calado?

25 de novembro de 2010

Reforma

Estou em obras. Estado sitiado e interditado, precisando de reparos urgentes. Desculpe-me os transtornos causados, o barulho, a confusão e o entulho jogado pro lado de fora.
Antes que a obra fosse embargada por falta de licença, vim te comunicar que precisava da reforma antes de ser interditada ou desmoronar sem mesmo avisar.
Caos. Fuligem, serragem, barulho, bagunça.
Esta obra está me deixando louca, mas antes a obra que o estrago de não me dar a oportunidade de reformular tudo que vai aqui por dentro.
O martelo dentro do meu ouvido... Martelo pequeno, micrométrico, bigornando meu estribo. Toc, toc, toc.
As pregas do meu intestino precisavam ser melhor fixadas, consequência do último medo com frio na barriga. Nada que prego 7mm não possa resolver. E a furadeira entoando as canções que não sei cantar. Destoamos unissonamente a mesma canção de versos separados. Jogo reboco na parede para pintar sorrisos que não sei mais dar. Reboco na cara para esconder a espinha malfadada que descobri ao acordar.
Ah, não posso esquecer de dar uma mão de cal por cima de tudo. Parecendo nova escondo minha roupa velha, saio pra festa como jogadora de palavras que sou, com medo de ser descoberta. Com medo que caiam os rebocos, a tinta, os pregos, tudo.
Olho as outras pessoas e admiro sua bela construção, passeando languidamente exibindo seus ricos tijolos aparentes lustrados com verniz.. Fico pensando quanto tempo levaram para erguer tão belos prédios. Fico pensando se precisam de obras também. Se estão em obras e ficam escondendo de mim, para me fazer sentir tão só nesse universo de imperfeição.
Silêncio após o desmoronamento de mais uma parede. Doeu um pouco, raspou tinta do coração. Alguns canos de lágrimas estourados. Mais coisa pra consertar.
Sento e começo tudo de novo. Permaneço aqui por hora, o último que sair apague a luz.

O que sei sobre não saber

O cara que veio me dizer que só sabia que nada sabia tentou me enganar descaradamente. Se ele sabe que não sabe de nada, então ele sabe de alguma coisa, mesmo que essa alguma coisa coisa nenhuma seja. Ainda bem que eu estava atenta e não deixei passar essa.

20 de novembro de 2010

Choose hapiness

"Se for fazer, faça. Diga. Pode ser desconfortável, mas pelo menos é honesto. Nnestes casos, o silêncio é quase uma mentira, além de uma covardia sem tamanho. De covardes eu já estou farta. " (Clarah Averbuck)

Não havia mais muito o que dizer.
Enquanto segurava a ponta do lápis, martelava com ele a borda da folha onde colocara tudo que queria dizer há tanto tempo. Por fim, foi vencida pela necessidade de colocar pra fora tudo aquilo que a vinha sufocando.
Aquilo tudo veio crescendo, se modificando e a modificando. No começo era amorfo, nem ela sabia o que era afinal, mas sabia que estava lá, latejando como pedindo pra não ser abortado.
E foi crescendo, e cada vez mais se parecia com ela. O jeito de sorrir, o jeito de falar, de se impor e de querer as coisas do jeito certo. 
Ideias teimosas são impossíveis de serem vencidas depois de ficarem assim grandinhas. 
E essa botou na cabeça que quer ser feliz e pronto.

 

10 de novembro de 2010

O velho da Rua 15

Nunca fez canções ou escreveu poemas, nem fez grandes discursos, ou escreveu linha alguma que pudesse ser posteriormente lida e comentada. Nem um ato último fez que lhe concedesse a dita de ser posteriormente lembrado, um simples comentário, um gesto ou uma dita que lhe fizesse memorável.
Era sujeito quieto, sem muitos amigos, de palavras poucas, de escrita atrapalhada, que entrava e saia sem se dar a notar. Vivia rindo sozinho pelos cantos, como o louco que muitos acreditavam que ele fosse. Estava sempre sozinho, e incrivelmente previsível, sempre sabíamos os lugares de lhe encontrar: na areia da Praça 15, perto de onde as crianças brincavam, com uns galhos riscando o chão, ou no canto mais escuro do bar, tomando seu gole de cachaça dividida consigo mesmo, ou na beira do lago do Passo da Várzea, lendo seu velho livro de capa marrom, ou com o olhar perdido em outra galáxia. Parecia sempre esperar algo, ou buscar algo muito além do que podíamos entender. Quase nunca falava com ninguém, e quando fazia isso, era rápido, instantâneo. Não era bom em contos e pilhérias. Todos sabiam que algum mistério o envolvia, como aquelas pessoas que sabemos que nasceram na época errada, no país errado, no planeta errado. Quase todos tinham pena dele e de suas esquisitices. Das suas roupas enxovalhadas, do seu mal trato consigo mesmo. Vivia sua vida de auto-exclusão, e todos o recriminavam por nunca ter tentado se aproximar, por se tão neurótico e auto-suficiente.
Morreu ontem, e nenhum de nós sabíamos o que dizer sobre ele ou sobre a vida dele. Não havia quem segurasse a alça do caixão pra subir a ladeira do cemitério, então após fazer isso, sentamos eu e cinco amigos no bar onde tantas vezes vimos o dito cujo no canto escuro, sozinho.
Estávamos lamentando uma vida tão malfazeja, quando o garçom se aproximou e disparou. Seu Luis? (enfim pude descobrir o nome dele) Viveu mais do que todos nós. Nunca quis ser grande, não. Não estava preocupado com o que achavam dele ou o que deixavam de achar. Era sozinho, gostava de ser sozinho. Queria ser ele mesmo. Todos os dias levantava e fazia o que ele sabia fazer de melhor. Desenterrava a cada manhã a criança que havia dentro dele e saia com ela pra brincar.

Palavras que ficaram martelando na minha cabeça todo o dia.

3 de outubro de 2010

Aprender

Vai menina. Acorda, levanta dessa cama, veste o teu vestido mais bonito e sai pra ver o mundo.
Encontra o vento no caminho, a brisa que toca teu rsoto, fecha os olhos e presta atenção na leveza do toque, na poesia da vida. Solta os cabelos, deixa a vida te levar, te guiar, te soprar. O mar parece tenebroso, mas é lindo, é lindo. Falo isso por já ter ido e voltado lá, além de onde se pode ver, além de onde o horizonte nos deixa tocar. Vai, levanta tuas velas, aquece teu coração e se joga na vida, como se já não houvesse medo de perder, apenas vontade. Vontade de se render ao inevitável, ao que te chama desde sempre. Vai como quem brinca somente, como quem brinca de viver, sem preocupar-se com vencedores, lutas e guerras. Deixa isto aqui, não precisas de nada disso em teu barco. Vai, levada pelo vento, soprada pela coragem de ser quem se é; no fim das tardes, quando o destino parecer muito longe, quando a vontade de voltar ficar imensa, o medo e a desistência te fizerem companhia, senta na proa e coloca os pés na água gelada do mar imenso só pa ter certeza que continuas viva, que continuas forte, que não é tudo sonho, mas realidade, vida. Mergulha no oceano das incertezas e busca no fundo do mar aquilo que tanto anseias. Vai sem medo, que você aprende a nadar nadando. Vai que ninguém espera por você, e é você que faz sua hora, sua felicidade. Vai e busca teu sorriso, teu sonho, tua leveza. Busca o resto de você mesma que está perdido em algum lugar. Não sabe onde procurar? Procura em todo canto, pois vais entender que a maravilha vai estar na busca, naquilo que aprendemos, vimos e nos transformamos durante o caminho, e talvez quando você encontrar o que procura, surpreendemente você perceba que não era exatamente aquilo que você precisava, e como que movida por um impulso interno incontrolável, nova busca começa, e aí está a magia da vida, a explicação de que, para quem sonha, aprende e evolui nunca haver tédio em estar vivo.



Há sempre nova magia na próxima esquina.

2 de outubro de 2010

Palavras

A vontade de Amélie naquele momento era pegar todas as palavras cuspidas na hora da raiva, arrancá-las do ouvido que as tinha injustamente engolido tímpano a baixo, e enfiá-las todas, uma a uma, mesmo com o gosto amargo e travoso que elas tinham, em seu estômago, de onde nunca deviam ter saído.
Mas não dava de desdizer o já dito. Ela ficou com muita raiva, muita raiva mesmo, e não teve como controlar o turbilhão de coisas que começaram a jorrar da sua cabeça e cairam todas espalhadas no chão. Foi difícil limpar tudo aquilo, e depois de terminar, ela estava muito, muito cansada.
Então Amélie ficou ali, quetinha, deitada no chão, olhando as estrelas que surgiam pela janela do quarto.
Começou a contar uma a uma. Era o que ela fazia quando não sabia o que fazer ou dizer. Ia fazer algo assim sem sentido, pra tentar achar alguma resposta nos lugares impróvavéis, pois é lá que ela acreditava estarem as respostas realmente boas.
Naquele dia ela estava demasiado triste, porque ela odiava ficar sozinha, e já faziam 5 dias que ela estava mais só do que jamais esteve em toda sua vida.
Era difícil pra ela não ter com quem conversar, ou pra quem rir ou não ter alguém pra almoçar com ela ou sair pra lanchar mesmo sem ter fome, só pra comer a torta de limão que ela gostava tanto só pra apreciar o sabor.
Sobretudo, Amélie estava triste por saber que não passava de uma bonequinha numa prateleira do quarto da menina, e que por mais que ela lhe dissesse todos os dias o quanto ela era sua preferida, e o quanto nenhuma outra bomeca jamais ocupou um lugar tão especial no seu coração, Amélie sentia uma pontada de ciúme ao ver a menina com os outros brinquedos. Um olhar desatento pesa que a pequena bonequinha não passava de uma egoísta mimada, mas é que para Amélie era difícil. A menina tinha todos os outros brinquedos, e a escola, e os passeios que ela fazia sempre depois de jantar pelos lugares legais da cidade, mas Amélie só tinha a menina, e quando a menina não estava, era a prateleira fria e solitária que restava.
Os outros brinquedos não gostavam muito de Amélie, então a solidão só aumentava. Viviam dizendo o quanto ela era chata, mimada e frágil, e ameaçavam o tempo todo jogá-la de cima do armário, e Amélie tinha medo realmente de quebrar a porcelana do seu rosto.
Então, ali sozinha e com medo de um atentado a qualquer minuto, ela começou a viajar no mundo das ideias enquanto contava as estrelas. A saudade da menina doia, doia muito. Ela sabia que a menina não ia voltar tão cedo, o que era pior pois demoraria mais para que ela pudesse remediar tudo que berrou pra ela antes dela sair. Todo aquele ciúme, medo e insegurança estouraram de uma vez e as coisas mais feias, coisas que ela nunca tinha dito, nem sabia que podia dizer, ela gritou desesperadamente (e injustamente). A menina saiu do quarto magoada, e quando Amélie tentou correr para alcançá-la e dizer que nada daquilo ela realmente quisera dizer, que ela a amava muito, e que tudo ia passar e pronto, foi impedida pelas suas penas plásticas de boneca (detestou a limitada tecnologia naquele momento).
Então Amélie, que não sabia o que fazer, foi dormir e esperar que amanhã fosse um dia melhor, que a menina voltasse e tudo voltasse a ser como sempre foi.
Pena que Amélie estava com medo de dormir e sonhar com as antigas bonecas malvadas.

22 de setembro de 2010

Ou isto ou aquilo

Poderia contestar os catedraticos que me categorizam, ficham, estampam, rotulam e esquadrinham. Poderia extorquir a infamia dos que pensam me conhecer alem do que os olhos podem ver. Poderia infringir as regras da decencia e da civilidade, fazendo do decoro necessario  ao convivio uma simples fabula ostentada pela historia.  Poderia render-me a ideia da auto-constituicao complexa e incompreensivel. Poderia assim assumir minha caracteristica de ser humano nao consumivel,  nao tragavel, nao amavel, muito menos apreciavel.
Poderia, por outro lado, render-me ao apelo desenfreado que me persegue desde que ciencia de mim tomei, de maiores socialidades, maiores aproximacoes dos distanciaveis, com uma consideravel redundacia nos dialogos, com toques vociferantes de assuntos desinteressantes *mas que fazem a sociedade continuar os seus monologos internos dialogados externamente*.
Poderia entao expor minha carne ao fogo e ao calor das brasas de uma conversa climatologica em falta de qualquer outro tanto para se expor. Como diria em letras claras, eu poderia ser menos chata.
Entao todos os poderes a mim concecidos *poder ser isso ou aquilo*, faco-me quebradica. Sujeita a lutas gladiadoras ou a conversas de varanda. Mostrada em ferida viva para quem souber olhar, e mais que isto, sentir e tocar. Sou fragmentada, montada, reconstruida. Se incomodo lhe parecer, afaste-se um pouco, ou venha mais pra perto. Tome a imagem certa antes de certeza ter. Se danoso lhe parecer, lhe dou o direito de se abster. Se algum proveito se pode tirar, se algum beneficio se pode conquistar, nao vou recriminar quem quiser ficar.
Recuso-me a ser um bibelo agradavel, adorno de sala para visitantes que nunca mais retornarao. Podem até chamar-te de trouxa ou qualquer outro adjetivo, eu não reivindico codinomes.



Caiam catatonicas
depressivas, ludibriadas
esquecidas e abandonadas.
Caiam por terra essas necessidades imperiosas, 
impostas, falsas e mercantilizadas de ser quem nao se e.

*Peco desculpas pela falta de sinais graficos, mas o teclado desconfigurado de hoje sera conrrigido amanha.*

26 de agosto de 2010

Jogos de Azar

Na beira do lago
de águas profundas [e desconhecidas]
Atiro pedras na água e fico olhando a concêntrica expansão da vida.
Fico detido em jogos nos quais tento ganhar de mim mesmo [já que dos outros não sei ganhar].

Brinco de jogos assim infantis
por saber tão pouco das grandes trapassas, dos grandes truques
das artimanhas dos grandes campeões.

Porque a vida às vezes se parece como um grande jogo de azar:
quem não sabe jogar
aposta alto na esperança de pelo menos contar com a sorte.

25 de agosto de 2010

Dores

Não, não há dores que possam ser divididas.
Nem pelo mais próximo irmão, perante o relato mais fidedigno do que nos aflinge.
O sentimento ao ser transferido é ressentido, reformulado, redesenhado.
Pode até se manifestar como dor, mas nunca a mesma dor.

A nossa dor nada mais é que nosso calvário intransferível, flagelo e açoite pessoalmente identificado.

Procura-se

Procura-se um poema.

Perdeu-se na rua talvez, ou numa praça
ou em um parque qualquer.

Visto pela última vez pela mãe,
enquanto caminhavam com papel e tinta.

A mãe sofria de "descriatividade"
mal crônico de nossos dias.
Mas queria a toda força parir um poema
e emprenhou-se a todo custo,
engoliu as palavras todas,
gestacionou-as todas aglutinadas,
num útero atolado de preposições.

E agora tinha isto:
um muito de nada, obsoleto
agrupado
amontoado
bagunçado.
Palavras juntas sem sentido
empurrando pra sair.


E na hora de despejá-lo fora
de dar luz ao filho-poema
o menino filho de uma insônia
deu com as pernas na rua
e ganhou o mundo.



O poema soltou a mão da mãe
e fugiu desvairado
procurando quem melhor sortilégio lhe desse
quem tivesse rimas mais ricas
ou melhores preces.

O filho-poema tinha fugido
ou se perdido
estava desencontrado de suas mãos.

Então procura-se um poema
um poema pequeno
de olhos vivos e narizinho arrebitado
de cabelos luzentes ao brilho do sol.

Pode ainda conter vestígios de sangue
pelo sofrimento do parto.

O dito cujo é meio tímido
um tanto franzino
um poema de poucas palavras.

Não o procurem em audições
nem em aplausos
nem em saraus.
Este poema não é destes.
É um poema simples,
que nem bebe nem fuma
nem se mete em confusão.


É um poema precoce
que em seus poucos dias de vida
sabe bem mais que eu em meus vinte e poucos anos.


Se alguém se comover
e meu filho encontrar
faça o favor de lhe dizer
que volte nem que seja pra me dar
o consolo de ver que posia eu ainda sei gerar.

10 de agosto de 2010

Da dor de nunca ser

"De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma ideia própia, ser terminantemente "como todo mundo". Dostoyevsky
Olho angustiosamente para os meus pés, contorcidos na tentativa infame de - até eles - se esconderem.
Lamento copiosamente a falta de habilidade de cerrar-me em mim mesma, como num casulo de exílio voluntário.
Quando o que se vê não é o que se deseja.
Quando o que se sonha não passa de utopia.
Quando se descobre a linha grotesca da vergonha e da dignidade.
Quando se esquece o que de nós pode haver, ser ou estar.
Quando não se sabe nem de onde vem a dor.
Quando a dor existe por si só, sem maiores explicações.

2 de agosto de 2010

Não há sossego

---e ai de mim, nem se quer há o desejo de o ter... (Fernando Pessoa)

Não, o tempo não é relativo. É na verdade bem absoluto, contado em exatas 24 horas diárias.
E me andam faltando algumas em cada dia.
Minha intenção inicial era vir aqui com essa desculpa para tentar explicar meu sumiço literário. Mas acabei ficando com vergonha de fazer isso e esperar se entendida por algum leitor que - todo mérito do esforço seja dele - ainda venha visitar essas páginas.
Afinal, depois de tanto tempo de sumiço ainda venho encontrar você por aqui, caro leitor. Simplesmente me atravacou o coração passar esta desculpa em você. Então acabei aproveitando o tema e estendendo a ideia para um sofrível post.

Não tenho esperanças de um tempinho mais folgado nos próximos dias. Desestimulador? Não, não é. Opção minha, meu estilo de vida que vai (?) ser recompensado cedo ou tarde, quando eu chegar lá aonde estou indo.
Bem, nada poético isso aqui. Meio corrido, porque sei que tem coisas me esperando pra serem realizadas e colocadas neste mundo material logo que eu largar esse teclado. Mas enfim, fica a promessa que dia desses, antes de dormir, deixarei a mão livre para que ela travessure o quanto quiser com as teclas do meu pc.

O segundo blog (que na verdade recebe mais posts que esse, já que lá posto uma vez na semana ao menos), esse sim continua recebendo minha devida atenção.

Até mais então. Volto logo, assim espero.

16 de julho de 2010

Meu próprio Manifesto Antropofágico


E o que importa se meus versos são tristes?
Se deixo escapar por eles as dores de um peito confrangido
de espinhos e mágoas?
Que importa se eu carrego esse sentimento do mundo
Que não me deixa dormir ou sonhar
enquantro travo diálogos monologados
com meu eu escondido?

Que importa se sou consumida por essa doença interior
de melancolia andante
devorada lentamente por esses insetos famintos?
Abaporus que crio na fazenda do meu quintal.

Que importa se me devoro pouco a pouco
com a graça e o pudor de quem manja uma sobremesa
um tanto acre, um tanto doce
à qual falta um pouco de sal?

E levo a vida com o peso da mala atada às costas
onde carrego tudo que já pude sentir
tudo aquilo que me trouxe até aqui.

E daí que eu chore?
E daí que eu seja triste?
E daí que meus versos chorem?

Devoro a mim mesma
numa autofagia assassina de mim.
E o que importa se meus versos são tristes?

12 de julho de 2010

Rastro

Você, o ladrão que por anos planejou o crime perfeito. Não penses que estás sozinho, cá estou eu a mirar o teu meticuloso trabalho.
Jogou a frase como quem não quer nada, cuspida assim como que involuntariamente em meio à multidão, de uma forma que jamais se pudesse perceber quem a tivesse lançado ao ar.
O caos implatado - seu objetivo final - foi alcançado. Todos desesperados a procurar o vil causador da bálburdia incoltrolável. Não sei se mais aterrorizante era o dito ou o desespero de não se saber quem disse.
Mas enfim, o fato é que você saiu feliz com sua missão cumprida, acreditando nunca ser descoberto. Venho dizer-te que infelizmente seu plano perfeito não era tão perfeito assim, você saiu aparentemente incólume, impune, mas eu vi o rastro de piche que você deixou com seus sapatos melados. Posso te achar em qualquer lugar.

11 de julho de 2010

Um pouco mais de mim

E vieram me perguntar por que às vezes parece que escrevo tanto de mim, do que sinto ou do que penso.  Escrevo assim com minha forma de ver a vida, ao invés de adotar um pseudônimo qualquer, atribuir-lhe um pseudosentimento e uma pseudovida. Minha esposta foi simples: Por mais incrível que pareça, eu ainda é a matéria sobre a qual entendo mais.
O que faço é então menos arte.... Me acusaram. É mais fácil fazer auto-exposições. Isso não é literatura.
Que seja então, retruquei. Não estou buscando fama ao juntar as letras. Isso tudo é apenas um processo de exaustão. Meu cano de escape para evitar que meu eu exploda. E quem sou eu pra me livrar disso?
Se eu tiver a sorte de juntar dois versos e obter rima, tanto melhor, lucro com minha sobrevivência.

10 de julho de 2010

Medo. Do mar.

Medo. Medo do mar.
É fundo, profundo assim de não se acabar mais.
Tenho medo.
Não sei nadar. E por não saber, fico na beira a olhar as ondas que vão e vêm numa mesmice totalmente renovada a cada repetição.
Molho as pontas do pés na água gelada que só faz meu medo aumentar.
Mas fico ali na beira, hipnotizada, enfeitiçada, não consigo me afastar. Nem mergulhar.

Por vezes acho que vou me atirar dentro dele; ele que me atrai, me consome de angústia, volúpia e desejo.
Mas tenho medo.
Volto, sento na beira do cais e vejo outros que se aproximam, roubando das ondas os beijos que eu queria provar. E fico ressentida a mirá-lo dando-se assim, sem ressensimento por trair minha devoção imaculada.
Tenho medo.
Provo o salgado das suas águas e confundo com o acre das minhas lágrimas. Já não sei mais se choro gotas de mar ou se são respingos de mar a me molhar.
Fico com medo de perguntar.

Eu queria me entregar. E provar o gosto das marés. Queria tudo do mar. E entristeço por não poder, por temer. Queria tudo do mar, o profundo e o indecifrável do mar, cada onda a me cocegar, queria uma ressaca de mar.

Quero te navegar. Me toma, me envolve, me engole, me arremessa, me encobre e me leva pro fundo. Me afoga, me leva pra te desvendar. Num naufrágio premeditado e deliberado. Consentido, inevitável. Sei que não sei nadar.
Mas quero te provar.
Eu sei que tenho medo. Medo d'Amar.


"O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar."
(Carlos Drummond de Andrade)

8 de julho de 2010

Esconderijo

Silêncio.

Neste fim de mundo só escuto o ressoar
dos meus passos contra o chão
de mármore frio.

Fico aqui,
onde até a morte esqueceu como chegar
e permaneço vivo como castigo
por ter lhe fugido
até onde ela não me pode achar.

A morte me procura
quer me estragular
me matar lentamente
como a me punir por lhe enganar.

Mal suspeita ela
que morto já estou, embora vivo
que morri na justa hora
que se foi o que eu tinha sido.

4 de julho de 2010

O que devo a ele.

Porque eu nunca esqueci dele.
Porque ele é aquele tipo de pessoa que simplesmente não se consegue esquecer. Tem gente que tem a sorte de encontrar com uma dessas na vida, e eu tive. Sabendo então que essa impossibilidade existia, nem me esforcei em tentar. Tomei ciência, desde quando o senti, o toquei, vi aquele sorriso que ia me acompanhar pelo tempo da eternidade dos dias.
Era amor. Eu o amava talvez desde o primeiro dia, mesmo sem saber. E era um amor muito maior que apenas um amor de carne. Ia muito além de possuir, consumir e saber o que há por dentro. Tive a verdadeira noção do amor talvez pela primeira vez então, amor quando as diferenças imensas já não são mais capazes de separar. Era um amor diferente, desconhecido até então para ambos, amor como que nascido da segurança de se ter um ao outro, mesmo quando não se tinha ainda da forma desejada.
E hoje, que a forma desejada chegou, sou feliz por ele ter me pedido pra ficar.
Por ele ter acreditado, e me pedido pra ficar.
Porque a sua mão segurando a minha me deu força de continuar. E vê-lo continuar remando quando o barco afundava me fazia querer remar também.
Hoje consigo olhar pra frente e acreditar que a felicidade do mundo inteiro cabe numa tarde de conversa, numa ida ao cinema, num milkshake dividido.


Porque você não me deixou desistir, porque toda a felicidade que hoje me cabe devo a você, integralmente.
Obrigada pelo amor mais sincero e lindo que eu já fui capaz de sentir.
Obrigada por estarmos aqui.


A você, meu agradecimento, meu amor, meu sorriso e minha canção.
Cada um dos meus versos, até o fim.
Que não haja fim.

28 de junho de 2010

Confissões de uma quase torcedora

Em meio a toda euforia vivida em território nacional, onde tudo respira verde e amarelo e em todos os lugares de pode escutar o bom e velho hino nacional como se fosse uma música da bossa nova no calçadão de Copacabana, surgiu em mim o melhor espírito nostálgico de Copas passadas.
Venho dizer isso porque me surpreendi admiravelmente não-envolvida pelo espírito nacionalista que vem dominar todos os brasileiros nessa época.
Com o tempo de folga gerado pelos feriados nacionais semanais cada vez que a camisa canarinho pisa no gramado, sobrou-me um tanto de tempo para pensar nesse movimento de sentimentalismo coletivo que acomete nossa população.
Não é com pouca certeza que me recordo de que copa boa era no tempo que eu era adolescente… E não é apenas nostalgia de "Porque no meu tempo..." Explico isso pelo fato de que nos anos 90 minha geração nunca tinha visto o Brasil ser campeão [até a Copa de 94], que foi um momento histórico pra todos nós e pronto: ingrediente essencial para criar em nossas memórias uma Copa inesquecível.
Lembro dos gritos e esbravejamentos que meus amigos todos, mais minha mãe [que nem gosta de futebol], e meu pai pulando e gritando espremidos, se abraçando como se naquele dia mesmo tivesse sido decretada a anistia para os prisioneiros de guerra [sendo nós os prisioneiros de guerra]. Foi inesquecível.
Desde o auge, em 94, as Copas vem significando cada vez menos na minha vida. Em 98 eu vi todos os jogos em casa, e depois deles todas as mesas redondas da ESPN (minha memória mais marcante daquele campeonato), o que significa que eu não festejei nada. E ainda estabeleci todas as teorias de como a máfia francesa [que eu garanto que estava envolvida naquilo] financiou a venda do campeonato. Se bem que podem ter sido os argentinos também.
Em 2002 foi ainda pior. A Copa da madrugada, o que por si só já desanima.  Assistir o jogo e depois sair de casa pra trabalhar não é lá muito interessante. Ver a seleção se classificando as trancos e barrancos foi a parte mais empolgante. O que mais me lembro daquela Copa foi de Felipão, e da sensação de que nunca mais a seleção vai ter outro milagreiro técnico como aquele.
Em 2006 eu eu me lembro bem de ter sido expulsa da sala durante o jogo das oitavas de finais por estar falando a plenos pulmões que o Brasil não tinha time de campeão, e que não ia ganhar e pronto. Meu pai não gostou das minhas declarações, e a liberdade de expressão não valeu meu lugar no sofá.
E aí chegou 2010. E eu ocupada demais pra prestar muita atenção, pra me empolgar e pendurar bandeirinhas, pra comprar uma corneta, uma camiseta do Brasil ou qualquer uma dessas coisas que todo mundo faz em preparação pro Mundial. É a primeira Copa com Twitter, o que significa que durante os jogos a gente lê tiradas hilárias, mas é só isso. Pra falar a verdade, assisti dois jogos e isso só me fez aumentar o sentimento de nostalgia. Pior: vi o jogo da Argentina, e estou tremendo por dentro ao me ver quase torcendo pra que eles sejam campeões.
Não sei explicar o que se passa. Talvez seja o fato de só ver a cara do meu Brasil em Lúcio e Júlio César. talvez seja saudade de quando os comerciais da TV tinham outros artistas além de Robinho. Talvez seja devido a uma overdose de Galvão Bueno.
E que fique bem claro que não é porque eu não goste de futebol. Bem ao contrário, sou uma fanática que assiste todo tipo de campeonato, acompanha negociação de jogador e entra em roda de discussão. Amo futebol. Mas o que eu vejo no Brasil hoje não me traz a sensação do auge de 94, onde tudo no campo e fora dele exalava o orgulho de vestir verde-amarelo.

Enfim, eu sinto muita saudade do tempo em que dia de jogo do Brasil era aquele dia de excitação, de barulho no ar, de tensão, de preparação. Hoje em dia pra mim é só mais um, com trabalho antes e depois do jogo [e seria durante se eu não corresse o risco de ser internada por isso].
Medo de que em 2014 eu esteja fugindo do trânsito, da confusão, dos turistas e indo me refugiar em Goiânia porque lá não vai ter Copa…

20 de junho de 2010

Metamorfose

Espasmos cerebrais que me jogaram caída na rua, de joelhos, rendida à incompreensão da existência da linha divisível entre sonho e realidade. O gosto de vômito ainda fresco na boca me dava mais ânsia.
Não, ainda não foi agora que perdi a minha plenitude, a minha dignidade, mas a tontura confusa que me acomete me faz manter os olhos fixos no chão, meu corpo gélido parado no lugar onde fui atirada, aparentemente vencida. Medo?
Não, não é medo que tenho.
Estou agora em metamorfose.
Depois que minha larva muito se alimentou das ofensas e agressões desse mundo insólito, e está com o ventre cheio de adagas e espinhos, é hora de metamorfosear.
Começo então, silenciosamente, a tecer um grossa capa, uma nova pele dura o suficiente para me proteger da agressão da realidade.
Injetaram em meus olhos o chorume amargo de toda a sujeira do mundo, e por agora não consigo enxergar. Pareço apática, vencida, utrajada no mais profundo da sacralidade de ser quem eu sou.
Metamorfoseio, então.
E enquanto críticos céticos acreditam na minha destruição perante os tamanhos estragos, ao sangue perdido, aos sonhos estuprados, mortos, vendidos, sorrateiramente preparo minha ressurreição com mais um poema mercúrio-cromo.
Preste atenção se ao seu lado aparecer uma borboleta com asas feitas de poesia.

"...Isso é escrever.
Tirar sangue com as unhas.
E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te.
Você não está com medo dessa entrega?
Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora.
A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. 
Essa expressão é fundamental na minha vida." (CFA)

Saramago

E de repente em todos os cantos, em todos os novos post que leio, uma citação, uma recordação, uma analogia a obra dele.
Não consegui não ficar indignada. Por mais que pareça com uma forma de póstuma homenagem, a mim de cá mais se parece com um sentimento ufanista coletivo de falsa aproximação da literatura.
Citaram-me Saramago na rua! Em plena avenida, às 9 da manhã de um domingo. Pessoas que eu nunca ouvi nem falando sobre Eça de Queiroz ou qualquer outro escritor de além-mar.
Capazes eles seriam de me citar uma única obra dele? Ou mais ainda, de descrever sua vida de crítica, rejeição e exílio?
Sabem o que além daquele dia em que ganhou um prêmio Nobel? O único de Língua Portuguesa, não é? Foi o que disseram no jornal.
Pois bem, vamos lá. Fundem um fã-clube. Sugiro até um nome: Agora eu gosto de Saramago.


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
SARAMAGO, José.

19 de junho de 2010

Epopéia de um prisioneiro facista

Emoldure a sua mente facista e mande-me como foto em um cartão postal da república totalitária dominada pelo partido xenofóbico ao qual te filiaste.
Mussolínico te tornaste. Quem diria? Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato. Desisto de tentar entender o totalitário sentimento regente de tuas insanidades. Digo-te apenas que enxergo além do lúdico coorperativismo que apregoas, e disso tu sabes e por isso me temes, em silêncio.
Aviso-te que os sindicatos que eliminaste ressurgem clandestinos em busca da liberdade que lhes tomastes, e a tua guerrilha opressora de povos menores já não conta com a mesma força de militância.
Diante do caos iminente, faço minhas as tuas palavras: Me ne frego, me ne frego!
Enquanto teus seguidores entoam os cantos de Viva la Morte, publico que as dores que hoje sentimos hão de se acabar, haveremos de sorrir, haveremos de ser livres em nosso corpo além de nossas mentes. E se quando esse dia chegar, meu cabelo estiver ainda mais prateado e minha pele enrugada esconder os sulcos de anos vividos calados, será apenas mais um motivo para, no dia da libertação, meu canto ser ainda mais alto.


'(...)E se não estou mais na idade de sofrer
é porque estou morto, e morto é a idade
de não sentir as coisas, essas coisas?' 
Drummmond

Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato - tudo no Estado, Nada fora do Estado, Nada contra o Estado.
**Me ne frego - não me importo
*** Viva la Morte - Viva a Morte. 

Parto

Preparo um poema
como quem arruma um quarto
olho em cada canto
aprumo cada quadro
num trabalho interminável
recomeçado a cada dia
em cada canto,
em cada quadro.

E espero seu fim
como quem espera o parto
com dor, com ânsia
desejo vê-lo pronto,
nascido, perfeito
sorrindo
recém-saído meu nanquim procriador.

Escrevo um poema 
como quem prepara um perfume
escolhendo essências doces
e aromas acres.
Um processo de alquimia.

Escrevo um poema
como quem planta flores
sujando as mãos no barro
esperando botões em flor.

Não preparo um poema perfeito
não calculo meus versos,
não metrifico
não me limito
[não sei comedir].

Não vou me render à objetividade.
Não há literatura denotativa
somos subjetivos todos:
eu ao fazer
você ao ler
ele [o poema] ao se declamar.

Quem de nós o mesmo irá dizer?

O som do poema ao se dizer
não é o meu ao lhe conceber
no vãos sombrios do meu útero progenitor.
E o que você vai decifrar, por vezes
vai te perder nos alcances
das mensagens que criador e criatura não trazem
[ou trazem?]

E assim preparo um poema
indecifrável
antes mesmo de nascer 
condenado
a nunca ser entendido
a nunca ser visitado
na sala de parto.
Um filho rejeitado.

Ainda assim, preparo um poema.
Meu poema-órfão.

14 de junho de 2010

A Ela

Mandem-lhe este recado de tamanha urgência.
Digam-lhe que não irei, que hoje não irei
Que já não me é possível ir
Apesar de muito querer.
Que é grande meu penar,
mas hoje não posso ir.
Que hoje não a verei.
Que me é impossível lá chegar.
Digam a ela que hoje eu não posso ir.

Digam-lhe que há crianças morrendo de fome no caminho até ela.
E mulheres que choram os maridos que foram para a guerra.
E certos jovens apaixonados que foram abandonados
acometidos de amores impossíveis,
desencantados.

Digam a ela que existem milhares a consolar
e que com tanta tristeza eu não posso ir lá
Hoje não posso ir lá.
Hoje não posso ir lá.

Digam a ela que existem milhões de cadáveres a enterrar
e certas estrelas que insistem em se apagar
que existem muros pixados a limpar
e balas que foram perdidas que tenho que encontrar
antes que encontrem um outro antes de mim.

Digam que choro amargamente
por este dia único em que sentei aqui
e lamentei ser impossível ir encontrá-la.
Pois o céu está cinza da poeira das fornalhas
das vidas que se queimam em holocaustos suicídicos.

Digam a ela que tenho que ficar a postos
pronto para amar e socorrer e abrir os cárceres de mentes
voltado para todos os caminhos
onde quer que se precise
onde quer que se suspire
onde quer que haja dor,
onde quer que se morra
seja de ódio ou de amor.

Digam a ela que estou enxugando a poça de sangue da praça
com a roupa que eu acabara de alvejar
que já não tenho mais vestes limpas
mesmo que hoje eu pudesse ir com ela me encontrar.

Falem a ela, não a deixem me esperando
digam que o herói está preso,
e os acordes da canção foram roubados,
e os sinos de alegria foram desmontados
que já não há quem possa tocá-los.

Digam-lhe que meu dever é grande
que há fome e mentira
e desgraça e genocídio
espalhados em todos os lugares
e eu não posso cruzar os braços,
não posso ficar parado.
Sei que ela entederá que não posso ficar.

Por isso peçam-lhe paciência
peçam-lhe que não me esqueça
digam-lhe que volto logo que possível
aos seus braços
onde me sinto em paz.

Mas que agora não posso
mas que agora não devo
que hoje não a encontrarei
nos becos e ruas e vielas de costume
nas horas de lua alta
sob o canto de violões sem corda
e vozes embargadas.

Digam que sinto saudades,
que meu coração é só dela
que nunca a traí
nem jamais tive outra em meus pensamentos
ou em meu leito.
Que almejo por revê-la
tão logo quanto seja possível.
Digam a ela que carrego o peso do mundo nas costas
e honro o nome que ela me deu
e os ensinamentos que me prestou.

Digam a poesia que volto logo.
Mas que hoje é impossível.
Hoje não posso.
Que é grande meu penar,
mas hoje não posso ir.
Que hoje não a verei.
Que me é impossível lá chegar.
Digam a ela que hoje eu não posso ir.


*Uma homenagem a Drummond, num dia que temo possuir aquele mesmo sentimento do mundo.

13 de junho de 2010

Dia de caça

Soprei as areias do tempo que eu segurava na minha mão. Havia por fim desistido de te segurar e entreguei os pontos vagarosamente, soprando as areais da ampulheta que quebrei há pouco.
Destino, sem tino, sem remorso, sem culpa... Para onde me levas? O que me sobra? Se és tu que tudo governas, se és tu que já sabes o que vem depois do próximo suspiro, se és tu que vês o que acontece enquanto pisco os olhos, te peço melhor sorte, ou me entrego a tua soturna vontade?
Adiantaria aqui implorar para que o que quero esteja ao meu lado amanhã ao acordar?
Se eu hoje suplicar para que me dês o mais impossível dos favores, haveria a mínima possibilidade de você me escutar?
Estamos todos por fim fadados a assistir as voltas que a vida dá, enquanto você se ri das nossas desilusões, dos nossos destemperos, das nossas febres e preocupações vãs?
Destino, não é solitária essa vida de apenas nos ordenar? Vou tornar mais divertido para você.
Soprei os últimos grãos que levava na mão. Vou deixar você jogar como sabe, caçador, entreguei suas armas. No entanto, um recado final: Não é nem um pouco verdade que vou deixar você jogar sozinho. A vida precisa de dois jogadores. Dê as suas cartas então. A sorte pode virar cedo ou tarde. E não sou eu quem vai desistir agora. Amanhã pode ser dia da caça.

Certos dias

Um dia no ano para que tudo me pode ser dado. Os melhores desejos, os maiores sorrisos, como se tudo e todos hoje se dignassem a gastar alguns minutos do seu dia em me fazer um pouco mais feliz.
E aqui onde tenho e posso tudo, onde tudo que avisto é SIM, apenas um NÃO é suficiente para arrancar dos meus olhos tristes lágrimas e do coração uma triste dor.
Porque é bem verdade que não se pode ter tudo. E posso parecer mal agradecida para muitos de vocês, mas é exatamente essa única falta dentro de um dia de imensidões mais me incomoda.
Me falta, e por me faltar, nem os versos e as rimas consigo fazer fluir. Faz tempo que não me fluem as ondas de poesia, nem me embriago em tardes torpes de boemia.
Me falta, e por me faltar, brisas e flores não costumam mais ter os mesmos tons.
Me falta, e nessa falta me afogo na ausência de não ter.
Porque a falta é como sentir a dor fantasma em um membro que não existe mais.
Dói, mas é uma dor sem localização material, uma dor além das dores curáveis e amenizáveis.
Não é ingratidão. Não é soberba ou falta de graça. É apenas saudade.
E dessa dor se vai morrendo enquanto se vive. Mas não se vive enquanto se morre, ou estou enganada?
Vivo ou morto estou então?

Morros e montanhas

Passo meus dias a contar as areias do tempo
Somando dias em forma de grãos, meus 23 outonos que hoje formam um pequeno monte
De onde posso avistar os caminhos de sorrisos e lágrimas que me trouxeram até cá.
Sento no meu monte e perco algumas horas a comparar meu pequeno morro aos grandes cumes a perder de vista dos arredores
Montanhas tão altas a ponto de tocar o céu.
Vejo quanto ainda falta crescer.
Quanto mais meu morro irá subir?
Ia triste assim a pensar em como pequeno ainda sou em comparação ao resto do mundo que viveu mais, cresceu mais, aprendeu mais. Fiquei olhando esses morros imensamente altos, quando algo me chamou atenção: Vi os morros tão altos, mas com cumes tão secos, sem árvores, sem flores, sem sombras para amparar o caminho.
Foi então que me orgulhei de me dar conta que em meu pequeno morro os viajantes podem achar abrigo e bonitos caminhos a percorrer.
Foram 23 outonos bem investidos afinal. São poucos os peregrinos que levam tristes recordações do meu morro. São muitos que voltam para reencontrar minhas pairagens. Foi quando aprendi de fato que o importante não está em quanto, mais em como você gasta sua vida.
“Quero a vida sempre assim, com você perto de mim, até o apagar da velha chama.”

10 de junho de 2010

Fome

Sentia frio,
aquele frio de tardes de solidão
passadas na varanda de casa
esperando o telefone tocar.

Para não morrer,
devorou o sol
com cobetura de creme e bolachas de sal
para ver se o coração ficava mais quente.

Não adiantou,
faltava um pouco de pimenta
e um chá de canela pra adoçar.

Sobre a difícil arte da comunicação

Não, não somos seres humanos comunicantes. Podemos, no máximo, nos deter em tentar a transmissão de informação mínima necessária para uma vida em sociedade, mas comunicação mesmo, essa nos é impossível. Por um simples fato: o que eu falo aqui não vai ser nunca entendido por você aí da maneira como aqui eu imaginei. Você entendeu?
As palavras nunca soam as mesmas, e o pior, os ouvidos nunca são os mesmos. Bocas e ouvidos não obtiveram ainda uma sincronia evolutiva, apesar de todos os anos de darwinismo.
Chego até a ficar abismada de como, por vezes, olhares se entendem mais que verbalizações. Cansei de ser inúmeras vezes mal compreendida por coisas ditas, ao meu ver, da forma mais clara e lógica possível. Concluo, portanto, que seres humanos não conseguem estabelecer uma comunicação verbal, e atribuo esta dita a existência de várias unidades cerebrais, não adequadamente formatadas, uma em cada cabeça, cada uma formada em uma codificação própria de interpretação.
Seria isto consequencia de nossa história de vida? De nossa aprendizagem?
Acrescento ainda que, no âmbito de descrições, é que o "circo está realmente montado".
O que eu vejo é o que você vê? As descrições têm o poder de iludir, de disfarçar o que é mais concreto. 
Vejo o exemplo claro do amor. O amor inúmeras vezes cantado, das mais diversas formas, escrito, poetizado, romantizado. O amor é puramente o amor, na forma mais simples de definição, não importa poetas, alquimistas ou filósofos comuns andem às voltas tentando minimamente defini-lo e esquadrinha-lo. Amor é amor. Puramente. Não precisa de explicação, nem revisão, nem quadros explicativos. Por que então não podemos concordar com isso então?

23 de maio de 2010

Vida alheia

Não há fim, tampouco princípio, 
Não há certezas nem dúvidas
Nem ambiguidades numa existência em plano cartesiano.
Somos apenas integrados e derivados, 
tendendo todos os dias
aos limites de nossa paciência.

Não existe igualdade,
não existe sofrimento,
não existe dor.

Tudo é relativo, inclusive a relatividade.
Não me arrependo de quase nada, e ainda assim,
quando perdão eu peço, dizem lá:

"Lá vai o homem se seis moedas e duas tristezas"! 

Imploro então humildemente,
Deixem em paz minha existência.
De que vos importam minhas moedas???
Deixem quietas minhas supostas tristezas.

Carta ao meu amor

Meu amor,

Vim te chamar hoje para ires embora comigo. Para apenas mais uma vez, só por mais um dia, podermos ser só você e eu, no lugar de sonhos e cores que criei para te levar no dia em que você voltar.
Se tivessemos mais um dia, se mais uma chance nos fosse concedida,  um dia para você e eu somente, eu iria gastar todo ele com as pequenas coisas. Nossas pequenas coisas, as monotonias nossas de todos os dias, as coisas que mais me fazem falta. Eu iria te levar para o parque de cerejeiras floridas de outono, iria sentir o perfume da flor branca presa no seu cabelo despenteado pelo vento, enquanto remávamos no lago de águas plácidas lendo a poesia que você mais gosta.
Iria te dar um sorvete com calda de morango, como os morangos do seu nariz, e ficaríamos deitados na grama vendo o sol se pôr, enquanto você cantava desafinando as nossas velhas canções. Iria passar o dia todo assim, olhando você, tocando você, em cada pequena coisa.
Se me fosse concedido mais um dia só com você, tocaria de novo teu rosto como em tempos antigos, até cada um dos teus traços ficarem eternizados na minha memória, até eu poder te ver ao fechar os olhos. Iria prestar meticulosa atenção a cada um dos teus sorrisos, das tuas palavras, os seus olhos e seu corpo. Ficaria ali contigo cada segundo do dia, e quando visse você adormecer, continuaria ali, para poder eu também adormecer em teus braços pela última vez.

Ah, meu amor... Quanta falta pode caber num coração? Quanto mais de saudade ainda se pode sentir? Meu coração que bate unicamente por você agora já tem um compasso mais desacelerado, mais doído, mas solitário.

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já... "

Lembro com carinho da tua mão quente repousando na minha, e da tua cabeça cansada reclinada em meu peito. Lembro do teu riso sem motivo, da tua respiração morna, do teu cheiro bom de menta com alecrim.
Lembro de como eu me sentia inseguro, de como eu tinha medo de nós, de como a simples ideia de me separar de ti me causava uma dor lancinante na alma.
Lembro da primeira vez que te vi, e lembro da primeira vez que te beijei. Foi como me jogar da mais alta montanha num abismo que eu não podia ver onde ia acabar. Foi como mergulhar num mar sem fim. Foi como me sentir enfim vivo pela primeira vez. Do que você se lembra, meu amor? Lembro do teu silêncio que sempre me torturava, e de como eu nunca sabia o que dizer quando via você chorar. Para onde elas vão, todas as coisas que nós pensamos e sentimos mas não dizemos?
Meu mais doce amor, como eu queria ter mais uma chance de poder te contar todas estas coisas que eu nunca disse a você, estas coisas que eu preciso que você saiba... Que eu sempre amei você, com um amor tão grande que vive mesmo após você ter ido.

Eu gostaria de poder dizer a você que eu faria diferente, que se eu tivesse mais um dia eu faria tudo certo. Mas eu sei que isto não é verdade. Eu cometeria todos os mesmos erros. Porque foi você mesmo que me ensinou que quando erramos é na maior das tentativas de não errar.
Por você e com você eu faria tudo de novo. Cometeria os mesmos erros, exceto um... eu não diria adeus.

"Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche."

8 de maio de 2010

As mulheres de Chico

Caro Francisco,

Quando haverás de te recordar de mim, e com a tua graça hás de me fazer cantada enfim, entre sons, tons, acordes e refrões, uma das tuas meninas, presa às notas da tua canção?
Por que não geraste a mim também, junto com as outras? Por que não me concedes existir em uma canção? Imagino que seja assim a vida tão mais leve, tão mais doce, tão mais buarque...
Viver cantada como uma moça, ainda que triste, mas capaz de dançar no sétimo céu. Ser de louça, ser de éter, ser loucura, ser cenário... Poder assim não andar mais com os pés no chão, esse chão tão duro quanto as cordas do teu bandolim.
Queria eu ser a moça do teu sonho, mas a outra deste o privilégio de morar no lugar onde depositaste o bazar de sonhos extraviados. Queria eu ser Iolanda, Januária, Iracema ou Joana Francesa... Qualquer uma delas, que me importa o nome, se és tu que me vais dar a vida entre sustenidos e bemóis?
Ah, meu amado Francisco, por que nunca olhas para mim? Nem um destino menos dignofoste capaz me dar, como ser a mulher de cada porto, de quem as pedras do cais vivem a rir, a deboxar; ou ainda aquela outra que leva a vida entre bofetões e cusparadas, a quem todos na cidade já puderam namorar; ou ainda atravessar o oceano e morar em Amsterdan, viver de compra, de venda e de trocas de pernas. A qualquer uma destas dedicastes mais acordes que a mim... Para mim não olhas, em mim não pensas, mas por que?
Por que não me fizeste uma mulher inesquecível, para a qual não haverá outro dia depois de amanhã? Eu podia ser a noiva, toda descuidada, que dorme de janela aberta para que todo marmanjo da cidade no meu quarto queira entrar...
Por favor, Francisco, ainda há tempo! Faz de mim uma de tuas Ritas, uma assim capaz de calar qualquer violão, de deixar todo homem sentado no chão, chorando planos e enganos, indo embora levando a vida dele na palma da mão.
Por que não me inventas agora? Ainda podes me salvar, Francisco. Fecha os olhos e imagina-me. A ti, muito isso não custará. Qualquer coisa te pode inspirar, qualquer madrugada de vinho, qualquer suspiro de mulher desenganada, qualquer pedra atirada na calçada.
Faz de mim uma mulher diferente, que já não se conheça mais... Uma altamente cotada na bolsa de amores, não uma moça fria ao portador.
Faz de mim uma Carolina de olhos fundos, que guarde nos olhos toda a dor de todo esse mundo...
Ah, Francisco, sei que isso não te custa, que fazes isso entre um gole e outro de café. Faz-me uma das tuas, uma filha de Francisco, ou amante, ou irmã, ou divina dama com quem tu queiras dançar.
Quero apenas ser tua nota e teu tom. Pertencer ao teu mundo, mesmo que nem sempre dês às tuas mulheres um amor ou um tanto de felicidade.

És mau, Franscisco, não tens pena das mulheres que concebes, filhas tuas, todas elas. Mas muito menos pena tens de mim, que não me fazes cantar, que não me dás teus acordes, que não me dás nada.
Quando te inclinares para mim e a inspiração te alcançar, não importa como tu me vás cantar.  Anota meus traços em teu caderninho, inundas a ti de tudo que há em mim, e declama minha vida, cria-me no teu mundo mesmo que eu leve a vida a lavar chão numa casa de chá. Não me importa que eu seja heroína, ou efêmera ou eterna num paradoxo musical.
Eu quero ser somente tua imaginação numa melodia sublime, e vagar para todo sempre entre os versos de um samba-canção, ou numa balada de amor piegas sussurada em algum bar no ouvido de quem se ama.

Vê se não demoras, Chico.

Desesperadamente,


Eu.

Entre vogais e consoantes

O fato era que X não conseguia parar de escrever e Y não conseguia parar de ler o que X escrevia. Era como uma dependência química; subordinações e coordenações, por vezes mistas, de letras e números, sinais gráficos e pontuações. Parecia mesmo uma doença rara, talvez nunca dantes vista ou pesquisada.
Tratava-se de um caso crítico de necessidade absoluta de outrem, ou melhor, dos escritos de outrem. Não tinha o mesmo efeito se o Y fosse exposto a sons, a gestos, nada disso era o mesmo que colocá-lo frente ao que X havia escrito.
E quando, por cansaço ou ausência ou falha de ideias, o X recostava a caneta num canto e parava de escrever, os sintomas de Y ficavam mais aguçados, entre suadeiras, tremores, vertigens e alucinações. Sabendo disto, X sentia-se portanto obrigado a sempre ter a caneta em punho, na busca incessante de manter o equilibrio de Y.
X era bom, não queria ver Y sofrer. Y era bom, precisava de X para viver.
Era um caso clássico de dependência mútua e exclusiva. Eles se entendiam nas entrelinhas. Tudo que era dito, era imediatamente compreendido, tal o grau de cumplicidade existente entre os dois.
Desde que tenho notícia, e já faz muito tempo, X escreve todos os dias, sobre qualquer coisa, o que lhe vem à cabeça, pensando apenas se Y lerá aqueles ditos, o que achará, se gostará.
E Y, postado ao seu lado desde que tenho memória, lendo cada letra à medida em que ela pousa no papel para ali repousar, vai sussurando as palavras nascentes, numa semi-adoração das letras de X, como se tudo que fosse dito valesse a pena apenas pelo fato de ser dito.
Incrível é que a leitura de Y nunca atrapalha o raciocínio de X. Nunca se cansam um do outro. Por vezes Y dorme, cansado após milhares de vogais e consoantes, e X, que se sabe maior e mais forte, aproveita esses momentos para preparar mais um belo soneto para quando Y acordar.
Os vizinhos olham com suspeita para os dois, como que recriminando aquela homogeneidade de seres. Pobres coitados, talvez nunca entendam a necessidade absoluta que se cria quando se ama alguma coisa.

[Y por vezes nem se dá conta de alguns textos de X. Os mais belos, os mais secretos estão escondidos por X, prontos para serem lidos na hora certa, se ela chegar].

4 de maio de 2010

Canções de guerra

E, diga aí, quem diria... Chegamos ao final de mais um dia. Mais um dia que chega ao fim, ou chegamos nós ao fim, ao fim de nós?
Explique de onde vem os gritos, de onde vem o medo, para onde foi a calma, esse choro que te cerca, as cercas ao redor de cada um de nós.
Quem plantou as mudas dos muros de concreto, hoje grandes árvores de Berlim? Eu vejo novas Alemanhas, novas Coréias morando frente a frente, separadas por um corredor.

- Esqueci de dar bom dia, esqueci o bom do dia, não me importa mais quem é bom, o bom é o bom pra mim, e enquanto for assim não vai ser bom para nenhum de nós.


"Nas grandes cidades de um país tão violento
Os muros e as grades nos protegem de quase tudo
Mas o quase tudo quase sempre é quase nada
E nada nos protege de uma vida sem sentido
Um dia super, uma noite super, uma vida superficial
Entre as sombras, entre as sobras da nossa escassez"

2 de maio de 2010

O vomitador de homens

Agora que estás aqui, não tens mais como fugir. Não há onde se esconder, não há o que fazer, porque mesmo que tudo que venha de ti se esconda entre tenebrosas brumas para toda a gente, para mim não passas de uma lagoa de águas transparentes. Vejo por teus olhos o que mais queres me esconder.  E já que estamos aqui, sentados em frente à planície onde deságuam os sonhos esquecidos e as realidades ora mortas, aproveitemos a areia que nos resta na ampulheta da vida para que possas enfim decidir por aceitar ou negar a verdade que te apresento. Afinal não sabes se amanhã o sol vai nascer pra ti ou para qualquer um. Somos vítimas de vítimas de vítimas e vítimas. És apenas um homem que vomita homens após engolir sonhos. Sonhos que colhes naquele jardim de flores que plantei para ti, e que digeres um a um, com cada pétala criando um braço, uma perna, um olho ou um coração.
Agora que estás aqui, não tens como te esquivar. A engrenagem da vida está a girar, e é do teu sangue que ela se alimenta. Sempre que se ganha uma verdade, se perde outra. Sempre que alguém sobe na vida, alguém desce, em contrapartida. É o equilíbrio do Universo, a homeostasia do sistema que flui em direção a justaposição de todas as coisas.
Estou bem aqui, espreitando todas as tuas decisões, esperando para ver qual lado haverás de escolher. Prestas atenção que hoje, ao pisar o chão, podes estar colocando teus pés no céu, uma vez que tudo é variável, nada é imutável, e todas as coisas são uma coisa só, filhas da mesma mãe, da mesma substância única formadora de tudo que há e pode haver.
Não te assustes, tua missão não é maior que a de qualquer outro. Apenas senta, respira e espera pacientemente pela hora em que deves dar a resposta. E só então quebras esse silêncio que nos cerca, e pronuncies a sentença que te condena ou te redime.
E depois esquece tudo, como se eu, esse lugar ou essas palavras nunca tivessem sequer existido. E vais para o outro lado, na outra ponta da corda, onde os contornos da vida são mais complacentes, e onde vais passar teus dias fazendo coisas impossíveis se tornarem reais.

Estrela-cadente

Ah...
Deve ser
tristeza o que deu na estrela
ao te ver sofrer.

E então
foi que eu vi a estrela brilhar lá no céu
pra chamar tua atenção.
[e você nem viu]

Ah...
Deve ser
por você não sorrir
que a estrela se jogou do céu
ao te ver partir.

E então
foi que eu vi a estrela tristonha,
cadente do céu
implorando por você aqui.
[mas você não quis]

- Hoje fiz um pedido para acender uma estrela no céu cada vez que você sorrir -

1 de maio de 2010

...Do silêncio dos dedos

E eu teria mil coisas a dizer hoje, uma por uma, vomitadas todas após esse longo período de abstinência de mim mesma, no qual me polpei de topar comigo nas vielas desertas da imensa galáxia de dentro de cada um de nós..
Mas desaprendi a escrever noite passada, e quando me dei conta disso, vi o desespero entrando ela porta da frente, sentando na minha mesa e pedindo um gole do meu café já frio.
E sem conseguir juntar a letras de uma forma compreensível no papel colocado à minha frente, fui enchendo a lixeira com toda uma resma de frustrações literárias.
Queria contar o que vi ao andar pelo mundo, contar tudo para as linhas pautadas, meticulosamente arrumadas à espera da minha prosa. Tanto a dizer...
Na minha loucura pulei uma linha, a maior de todas, um Equador de linha.
Do lado de lá, era tudo mais ou menos como cá, mas o oposto do que éramos e fomos e seremos nós.
Do lado de lá era tudo ao contrário.
E do lado de lá eu não sabia quem eu era.
Mas isso eu tinha esquecido do lado de cá, quando esqueci como se faziamagia ao juntar as letras.

24 de abril de 2010

Mãe-poesia

A mãe-poesia que nos alimenta
com o leite das letras, das rimas,
da métrica e dos versos
de sonhos que um dia plantamos
para hoje ver nascer,
é a mesma mãe-poesia
que acolhe os poetas que nascem
e os homens que morrem
nos braços de uma palavra.

Que se há de fazer?

Que fique o dito pelo não dito, e tenho dito!
Hoje morro sem saber o que querias dizer.

Procura-se um escudeiro

Para os mais novos desocupados leitores, que se dignam gastar seu tempo a ler e reler as venturas e desventuras desse humilde cavaleiro errante de triste figura, bem menos nobre que seu antecessor Quixote, porém não menos altruísta e sonhador, e por isso tão digno quanto aquele da alcunha de cavaleiro e do auxílio de um fiel escudeiro, dedico estas parcas linhas.
Eu, cavaleiro errante por vocação, que me destino a consertar o mundo e dar justiça aos injustiçados... Eu, cavaleiro por amor às causas perdidas, seguindo o molde dos grandes cavaleiros andantes que conheço dos romances de cavalaria, sinto a necessidade da companhia de um escudeiro para colocar-se ao meu serviço oferecendo-me seus préstimos nessa valorosa jornada. 
Nessa dita, meu fiel escudeiro deve estar disposto a chuvas e ventos enfrentar,
encarar fantásticas empreitadas, 
curar feridas, 
destruir gigantes,
combater exércitos de guerreiros,
ajudar-me a conquistar o amor de Dulcinéia. 

Para mim não importa no entanto, se fores mouro, cristão velho ou cristão novo, judeu, escravo ou livre, a pureza do teu sangue pouco me importa. Importa que sigas Rocinante, de arma em punho, coração aberto, seja aonde for, e que cega e apaixonadamente defendas a justiça e amor.

Temos uma valorosa jornada a cumprir. Te ofereço em recompensa incríveis histórias para contares a teus netos, se os tiveres, porque não posso prometer-te longa vida pelos duros caminhos que havereis de enfrentar. 

Quais os medos do caminho? Quais as tempestades que já se fazem anunciar?
Vejo tão perto, tão próximo, terríveis dragões para dizimar. Sem escudeiro, como hei de fazer?
Como poderei a batalha vencer?
E vens dizer que alucino! Ouço loucos a me gritar que alucino! Loucos a me gritar que estou louco!
O mundo está louco! Quem enfrentará os moinhos? Mas não são moinhos! Vejo gigantes, por isso gigantes eles são!
Ateiem fogo, queimem os dragões! Não se vendam por tão pouco! Lutem, bravamente lutem! Enquanto houver esperança, lutem! A noite há de acabar! Quando o sol nascer, e nos deixar cegos, como enfretaremos o que hoje tememos? Ou virá a luz do sol clarear as nossas ideias hoje turvas e esmaecidas? Das tardes de escuridão, entre moinhos e fantasmas, entre loucos e dragões, me vejo só, e só não posso sair vencedor.
Preciso de um escudeiro, que nobremente venha se juntar a mim, por amor às causas perdidas.

B. ¿Es necedad amar?
R. No es gran prudencia.
B. Metafísico estáis.
R. Es que no como.
B. Quejaos al escudero.
R. No es bastante.
¿Cómo me he de quejar en mi dolencia,
Si el amo y escudero o mayordomo
Son tan rocines como Rocinante? (Lathrop19)

17 de abril de 2010

Nostalgias de sexta à noite

Os cabelos desleixadamente presos no topo da cabeça deixavam algumas mechas caírem distraídas sob o rosto casmurro. Os olhos fundos revelavam noites mal dormidas durante uma semana exaustiva de trabalho. Os dedos nervosos sincronizavam uma melodia ritmada na madeira da mesa, esperando pelo vinho que pedia para tomar sozinha, antes de voltar para casa onde o silêncio de um apartamento a esperava.
Foi quando olhou para o lado, e o viu, também sentado, numa mesa próxima.
Aparentemente era ele, apesar da barba bem feita e da camisa social, tão diferente de há tantos anos. Olhou e achou que o reconhecia, mas não tinha certeza. Alguma coisa a deixava em dúvida.
Talvez fosse a parca iluminação do restaurante. Talvez a distância... Talvez a falta de palavra, a falta de contato. Porque ficava difícil reconhecê-lo de olhos abertos. Perto dele eram sempre os olhos fechados, as mãos juntas, a cabeça placidamente recostada no ombro, as palavras se sucedendo. Nunca precisou de olhos para saber que era ele. E agora ficava estranhamente difícil realizar um reconhecimento baseado em sentidos tão pouco usados antes.
Não conseguia ver, dali de onde estava, se ele estava sozinho ou acompanhado. Engraçado, pensou agora, nunca ter tido notícias dele e de seus relacionamentos dos últimos tempos. Resolveu então acreditar que ele estava sozinho, porque também seria estranho imaginar alguém ouvindo suas velhas histórias, bebendo os mesmos drinks que ele pedia para ela. Era ruim imaginar alguém no lugar dela.
Começou a relembrar dos bons momentos, de risos felizes, de presentes trocados numa noite de Natal, sob as estrelas. Recortes de tudo que eles foram. Começou a se perguntar porque se separaram. Não conseguia lembrar. Aquela nostalgia a estava sufocando, e por várias vezes esteve a ponto de se levantar e chegar na mesa dele. Mas o que dizer? Após anos de silêncio, o que dizer? Os gostos possivelmente haviam mudado, as similaridades deviam estar dessincronizadas agora. Não tinha o que dizer. Era apenas uma velha história, recordações de uma menina apaixonada por seu primeiro namorado. Ela era tão inocente, tão novinha... Nem sabia ainda que profissão ia escolher. Pensava em ser advogada, tão diferente da medicina que escolhe anos depois. Não tinha porque ir lá.
Mas ela queria ir lá, ou melhor ainda, queria que ele viesse ali, e pedisse para lhe fazer companhia em nome dos velhos tempos. E podia quem sabe haver ainda algum acordo entre seus gostos, quem sabe?
Ela teve a impressão que sentia saudades. E foi aí que tomou a decisão
Chamou o garçom, o mesmo que a servia todos os dias que ali ia, e escreveu o bilhete.
Ele ia entender. Claro que ele ia entender. Ele prometera jamais esquecer, e que tipo de gente quebra promessas feitas à primeira namorada?
Esperou ansiosamente a resposta, com o mesmo nervosismo de há 15 anos atrás. A leve distonia disparou. O coração disparou. Era a adolescente de volta?
Quando o garçom se aproximou trazendo o guardanapo dobrado, seu coração estava já aos saltos. Olhou as parcas letras escritas, leu e releu o bilhete, e então tudo veio à tona. Lembrou porque o namoro não durara mais que duas semanas. Desilução ortográfico-amorosa. O cara simplesmente não conseguia escrever duas frases sem três erros ortográficos. E ela nunca suportara erros ortográficos. Muito menos em cartas de amor para ela. Eram suas prioridades: romantismo, respeito e ausência de erros ortográficos. Lembrou mais um motivo pelo qual seus olhos perto delee stavam sempre fechados.
Deu uma risada satisfeita então, de ver que não sentira saudades do bonito rapaz que estava na mesa ao lado. Não eram saudades dele. Eram saudades do que eles foram, de algo que não mais existia. E olhou para si mesma, com um pouco de vergonha, e viu que quem estava sentindo tudo aquilo também não era ela, mas alguém que ela fora há muito tempo, mas que também já tinha ido embora.
Bebericou seu último gole de vinho, pagou a conta, deixou uma gorjeta gorda para o garçom amigo de todas as sextas, e foi para casa fazer companhia ao silêncio de seu apartamento, rindo um pouco de si mesma e das desilusões ortográfico-amorosas.

12 de abril de 2010

Epitáfio de um passarinho

Já que eu vou morrer agora, tudo que eu disser se torna importante por consequência, e até aqueles que não admiram minhas palavras oua a forma de dizê-las vai parar para ouvi-las por respeito aos últimos cantos desse infeliz passarinho.
Quero dizer que partiram minhas asas, e isso é uma coisa que não se deve fazer a ninguém, pois me tiraram a chance de ver as coisas que me faziam viver, lá do alto. E o mundo ficou bem pequeno daqui de baixo. E as memórias antigas acabaram se apagando com o tempo, e tudo ficou reduzido às imagens ao redor desse poleiro na parede de uma casa ao redor de outras casas, numa floresta feia e cinza de cimento e concreto.
Então, por isso me rendo e morro, assim como um contrato que fiz em vida com a Dama Morte, para quando fosse chegada a hora.
Tudo que eu perdi de vista em vida, meus olhos encontrarão fechados. Porque os sonhos vão com a gente.
Se tenho medo? Medo tenho, embora não pareça. Mas que falta me faz a grande imensidão... E uma falta puxa outra. E fico querendo tudo, o todo, o mundo, fico assim querendo tudo, mudo, pois não sei mais cantar sem poder voar. Silêncio de divagações.
Sem asas, tive que aprender a romper a fronteira do espaço fragmentando pensamentos. Levo pouco. Mas trago muito.
Mas hoje cansei. Queria poder ir até o espaço orbital e poder repetir que a "Terra é Azul". Mas daqui de baixo tudo me parece bem cinza e quadriculado.
Infelizmente aprendi que por maior que seja o mundo, o que vivemos se limitou ao que conseguimos enxergar, especialmente quando víamos tudo e não enxergávamos nada.

Receita médica

Na farmácia de casa
procuro entre os frascos de
analgésico, antitérmico, antiinflamatório
onde eu coloquei o antitédio
para tardes de domingo enfadonhas
que se tem que passar em frente a TV.


Água e comprimido,
água e comprimido,
água e comprimido...

Um coração deprimido não tem
muitas outras opções.

Chuva

Vieram me perguntar por que os poeminhas bonitos não estavam mais pendurados no varal da janela...

Tive que explicar que a chuva do fim de semana molhou tudo, e ficou difícil de ler as letrinhas colocadas cuiadosamente nas linhas...
As entrelinhas então, ficou impossível!!!


.

11 de abril de 2010

1ª conjugação

Naquele dia ele chegou diferente do que costumava chegar.
Deu um boa tarde arrastado e um beijo muolhado, diferente do que costumava dar.
Não xingou a música alta e o livro entreaberto como costumava xingar.
Não reclamou a comida fria e a geladeira vazia como era comum reclamar.
Falou palavras doces e até poemas de amores, como nunca antes soubera declamar.
Entregou a mulher um embrulho machucado com um vestido decotado como ela nunca antes pôde usar.

Olhou a mulher por inteiro e a desejou diferente do que costumava desejar.
E entraram no quarto e trancaram a porta como nunca antes foi de precisar.
E dançaram uma valsa, e tocaram os corpos como nunca antes foi de se ousar.
Pegou-a pela cintura e a amou diferente do que era comum amar.
E fez juras de amor em meio a gemidos loucos que nunca antes soubera expressar.
E os vizinhos ouviram as declarações mais vexatórias, dignas de se envergonhar.
E a polícia veio acudir o chamado dos que não sabiam mais a quem chamar.
E levou preso o casal que contra o pudor e bom costume quis atentar.
E o silêncio fez pronto na rua, como era de se esperar.

{soou ruim no fim, essa monte de -ar, mas eu sempre gostei mais da primeira conjugação, então uma história contada assim era mais um desafio que uma tentativa de boa literatura.}

10 de abril de 2010

...Da dor

Vim com defeito de fábrica.
Sou ser humano que se importa
com aquilo que ninguém pára para olhar.

Há nestes[d]ia

A anestesia não cala meu medo.
Não muda minha intenção.

Há nestes dias de silêncio
atordoantes ruídos de arritmias.

A anestesia não me tirou a dor
de como é triste quando
a palavra esquece de mim.

Delírio de poesia

Tem dias que a poesia
[rebelde]
foge
pelas ruas
pelos becos
escuros
sem destino
corre
sofre
se esparrama
bebe
e cai,
trôpega.

Fica abandonada
na calçada
junto a lama
com versos
não ditos,
jogados
largados.

De longe,
eu olho
e vejo
que o dia levanta
e ela, como criança
está pronta
para abandonar a sarjeta
e recomeçar a cantar.

Então eu rio de leve,
admirada de como a vida
é bem como a poesia,
a gente pisca o olho,
o mundo gira
e a gente esquece
de quando estava caído
levanta, e
volta a sorrir.

6 de abril de 2010

Êxtase

Aprendeu a dança do tempo,
Fez silêncio quando o mundo desabava,
esperou a calmaria...
Esperou.
Fez morada atrás do pensamento,
onde moram os sonhos
e as fantasias.

Encontrou a paz de estar
bem consigo,
de estar bem com a vida.


Ficou traçando horizontes pela janela
para ver até onde podia se esticar...
Ficava assim soltando pequenos soprinhos de sonhos,
estourando bolhas de pensamento.

A certeza preenchendo cada centímetro do coração
A certeza de que a vida acerta seu rumo.
Que tudo sobrevive.
De que a gente vive. A gente aprende a viver.

A gente olha pra estrada,
enxerga os passos,
entende o que é só estrada,
e o que é lugar pra morar.

Este é o caminho,
é por onde você escolhe seguir,
e tem a vida, e tem a morte,
e tem bandido e tem mocinha,
tem pedra, tem sol, tem sal e tem mar.

A gente escolhe se vai ou se fica.
A gente escolhe o que for pra ficar.

Afinal, todos estamos a salvo de 'pra sempres' inadvertidamente interrompidos.

Descobre felicidades em lugares para onde antes nem olhávamos.
E deixa o coração assim em banho-maria, numa espera paciente
e vigilante pelo que vem na próxima esquina.
Das novas letras que colocaremos em nossas páginas brancas.

Bordamos sorriso nas nossas janelas a cada manhã.
É, a gente é feliz sem motivo, feliz por natureza...


Um prazer quase indecente em estar vivo...

3 de abril de 2010

A menina


Sabe aquela menina, sentada no balanço da árvore, na beira do lago? Aquela, de vestido florido, olhando pro céu? Aquela que está segurando a bolsa vermelha... A com o sorriso branco no rosto. É sim, é um bonito sorriso que ela tem... Eu conheci aquela menina.
E ela não foi sempre feliz assim. Ela descobriu sua felicidade dia desses, em horinhas de descuido. Ela achou a tal felicidade quando ela desistiu de procurar por ela. Aí não sei bem se ela a achou ou se foi achada por ela. O fato é que as duas se encontraram e agora não se largam mais. Ela cuida da felicidade como se fosse a coisa mais importante da vida, e por isso não desgruda dela nunca, e traz ela na bolsa vermelha, levando ela pra todo lugar.
A gente se conheceu naquela hora do dia que venta muito, e que o ar tem cheiro da poesia que exala das flores. E a gente conversou sobre o céu, que naquele dia estava mais azul do que em qualquer outro dia. E eu reparei no seu sorriso, e foi quando ela me disse que era porque tinha a felicidade dentro da bolsa vermelha.
Foi quando eu perguntei como uma coisa tão grande como a felicidade da menina podia caber dentro da bolsa. Porque, obviamente, pelo sorriso que ela trazia, felicidade ali não era coisa pouca. Mas foi aí que ela me ensinou que felicidade não é espaçosa, felicidade é uma coisinha simples, que a gente pode guardar na bolsa e levar a todo lugar, e quando preferir, dar um sopro nela, e aí ela infla, infla, fica bem grande, gigantesca, bem amostrada, e é nessas horas que a gente conta a todo mundo que é bem feliz. Nas outras horas, a gente leva ela na bolsa mesmo, pra ela ficar quentinha e acomodada pertinho do coração da gente.
E passamos o resto do dia conversando de como ela um dia encontrou a felicidade e agora vivia em meio a flores, versos, brisas, paz... E como sentar na praça e tomar um sorvete pode esconder as maiores alegrias. E como pode ser reconfortante contar segredos do dia aos passarinhos que vem cantar pra nós no fim do dia, em troca de migalhas de pão... Felicidade que exige tão pouco da vida.
Ela me disse que cansou de esperar felicidade que seria trazida pelos outros. Ela aprendeu que os outros não trazem felicidade. Felicidade ou está dentro da gente ou não está. Então ela sorria feliz pra todos que passavam, e desejava um bom dia desinteressado a quem quer que fosse. E parou de chorar quando pedia uma coisa a alguém e esse alguém lhe trazia exatamente o oposto. Ela não chorava mais. Ela apenas sorria, um sorriso sincero, e ia ela mesma buscar o que quer que fosse.
Fiquei muito entusiasmado com tudo aquilo, e pedi pra menina me mostrar a felicidade dentro da bolsa. Roguei, implorei até, mas não teve acordo. Ela apenas chegou perto do meu ouvido, e me sussurou o segredo que até hoje me faz brilhar os olhos quando lembro.
Não contarei então o que a menina carrega na bolsa, por nem eu saber o que é, nem lhes contarei a frase que me foi dita, porque ela foi dita pra mim.
Mas espero, senhores, que um dia, ao passearem por aquele lago, perto daquela árvore, encontrem aquela menina e o seu sorriso. Espero que ela os acerte com aqueles olhos de não ter mais fim. Espero, senhores, que um dia, vocês e eu possamos carregar na bolsa uma felicidade como a daquela menina.

1 de abril de 2010

Filho

Embora que em todos os teus primeiros passos
seja eu que te ensine
que te sustente
que te levante
e que te aplauda,

e embora teus pés ainda indóceis,
ainda débeis,
destreinados,
trêmulos
e machucados

Sejam por mim cuidados e endireitados,
e acalentados, e banhados.

Teus passos seguintes
serão sempre escolha tua.

De toda forma, eu vou ficar aqui
esperando que teus pés [que eu alfabetizei]
te tragam de volta para mim
numa tarde qualquer de domingo.

31 de março de 2010

Eu sou assim?

"Definir-se é uma incompletude. No final das contas, fico entre o que sou e o que digo ser...
Com o passar do tempo assumo outras matizes, mas no fundo, a essência se mantém. Parece contraditório, mas quem sabe se o fato de ser hoje de uma forma e amanhã de outra, não vou construindo pedaços da minha própria essência?

Sou toda sensibilidade, porém capaz de sentir bem mais do que mostrar os meus sentimentos.
Prefiro a verdade, mesmo que dolorida a uma mentira bem contada, pois o resultado da segunda é mais devastador que o da primeira.

Sou capaz de entrar em lugares sem ser percebida. Prefiro ficar nos bastidores e se for reconhecida, que seja pelo que fiz quando ninguém estava olhando.

Gosto de ouvir as pessoas. Cresço e sobrevivo da experiência alheia, garimpando as que me são úteis. Ao mesmo tempo, não deixo passar a oportunidade de crescimento pela minha vivência.

Sou tão romântica, piegas e ridícula quanto uma carta de amor, como diria o grande Fernando Pessoa...

Adoro ler. Se não for assim, como seria eu a mocinha, a princesa, a fada e porque não a vilã? Como iria a Paris, Narnia, Combray ou a rua de Matacavalos tão falada por Machado de Assis? Tantos mundos, eras e portais se abrem quando abrimos um livro. Minha imaginação bate asas e a cada enredo me encontro.  As entrelinhas saltam como uma imagem tridimensional e se deixam captar como uma tela de cinema cujas projeções são nada mais nada menos que particulares.


Acima de tudo, amo a Deus, com todas as forças que tenho e ainda assim é insuficiente. O amor que um dia Ele me deu é incondicional e me constrange a buscar uma vida que o agrade a cada dia. A morte e ressureição do Seu Filho foi capaz de dividir a história e é a prova de amor mais linda que alguém poderia dar, eu não mereço. Estava eu morta e a sua morte me trouxe a vida, que paradoxal!

E assim, sendo eu e ao mesmo tempo outros eus, essa definição segue assim, incompleta. Caberia aqui a figura de um espelho e a profundidade da imagem que é refletida, sendo que ao invés de revelar o exterior, mostra o que vem de dentro..."

Essas letras não fui eu quem disse, essas linhas não fui eu que tracei, as entrelinhas não fui eu quem colocou. Mas quem me dera se fosse, porque é bem assim mesmo que as coisas são. 


Ah, Amélie, ando com saudades de mim. De mim inteira, completa, todinha. Eu dos sorrisos sem hora, despropositados... Eu meio maluca com minhas verdades, minhas metas quase sempre inatingíveis e ainda assim loucamente ansiadas.
Vou voltar o caminho e ver onde foi que me perdi.