31 de março de 2010

Eu sou assim?

"Definir-se é uma incompletude. No final das contas, fico entre o que sou e o que digo ser...
Com o passar do tempo assumo outras matizes, mas no fundo, a essência se mantém. Parece contraditório, mas quem sabe se o fato de ser hoje de uma forma e amanhã de outra, não vou construindo pedaços da minha própria essência?

Sou toda sensibilidade, porém capaz de sentir bem mais do que mostrar os meus sentimentos.
Prefiro a verdade, mesmo que dolorida a uma mentira bem contada, pois o resultado da segunda é mais devastador que o da primeira.

Sou capaz de entrar em lugares sem ser percebida. Prefiro ficar nos bastidores e se for reconhecida, que seja pelo que fiz quando ninguém estava olhando.

Gosto de ouvir as pessoas. Cresço e sobrevivo da experiência alheia, garimpando as que me são úteis. Ao mesmo tempo, não deixo passar a oportunidade de crescimento pela minha vivência.

Sou tão romântica, piegas e ridícula quanto uma carta de amor, como diria o grande Fernando Pessoa...

Adoro ler. Se não for assim, como seria eu a mocinha, a princesa, a fada e porque não a vilã? Como iria a Paris, Narnia, Combray ou a rua de Matacavalos tão falada por Machado de Assis? Tantos mundos, eras e portais se abrem quando abrimos um livro. Minha imaginação bate asas e a cada enredo me encontro.  As entrelinhas saltam como uma imagem tridimensional e se deixam captar como uma tela de cinema cujas projeções são nada mais nada menos que particulares.


Acima de tudo, amo a Deus, com todas as forças que tenho e ainda assim é insuficiente. O amor que um dia Ele me deu é incondicional e me constrange a buscar uma vida que o agrade a cada dia. A morte e ressureição do Seu Filho foi capaz de dividir a história e é a prova de amor mais linda que alguém poderia dar, eu não mereço. Estava eu morta e a sua morte me trouxe a vida, que paradoxal!

E assim, sendo eu e ao mesmo tempo outros eus, essa definição segue assim, incompleta. Caberia aqui a figura de um espelho e a profundidade da imagem que é refletida, sendo que ao invés de revelar o exterior, mostra o que vem de dentro..."

Essas letras não fui eu quem disse, essas linhas não fui eu que tracei, as entrelinhas não fui eu quem colocou. Mas quem me dera se fosse, porque é bem assim mesmo que as coisas são. 


Ah, Amélie, ando com saudades de mim. De mim inteira, completa, todinha. Eu dos sorrisos sem hora, despropositados... Eu meio maluca com minhas verdades, minhas metas quase sempre inatingíveis e ainda assim loucamente ansiadas.
Vou voltar o caminho e ver onde foi que me perdi.

30 de março de 2010

Prognóstico de um Tudofóbico

É inevitável. Vou morrer de doença degenerativa cerebral. Os inúmeros casos familiares estão aí para corroborar minha teoria, juntamente às dores de cabeça cada vez mais frequentes. E ao medo que tenho desse tipo de morte. Porque a coisa que a gente tem medo meio que fareja a gente mesmo, vem atrás, fica perseguindo.
Tenho quase certeza do que vai ser atestado no meu obituário. Massa cinzenta degenerada em 60%, talvez 40% com um pouco de sorte. Mas quem tem sorte nessas coisas?
E tem todos os agravantes... Essa minha alimentação nada rica em proteínas e sais minerais... Fibras quase nenhuma (se bem que pela falta de fibras eu morrerei com uma complicação de câncer de intestino...). O risco constante de pegar qualquer doença transmissível por mosquitinhos graças a viver nesse país tropical carregado de mazelas negligenciadas é um atenuante, afinal se eu morrer de uma febre aguda não terei tempo de esperar a degeneração ceebral. Então terei errado.
Afora isso, é batata. Doença degenerativa. E vai ser triste. Vou receber o diagnóstico resignado, como quem só estava esperando por uma carta que sabia que viria. E aí chorarei pela sociedade, para que eu não me passe ainda por um insensível masoquista. E irei para casa, após a pergunta clássica de quanto tempo me resta.
Não acho que até lá já haverá algum tratamento miraculoso repositor de neurônios. Talvez me indiquem uma fisioterapia para os transtornos musculares, dependendo do tipo de degeneração. talvez não. Não vou querer que nenhuma célula tronco se ponha em divisão frenética para ser inxertada no meu corpo em decomposição precoce. Deixo as células-tronco virarem seres humanos mais saudáveis para ocupar o lugar deste corpo falho.
Vai ter sofrimento, claro que vou sofrer. Acho que como será uma doença crônica, papai e mamãe não vão estar lá para chorar comigo... Como casamento e filhos trata-se de uma probabilidade improvável, acho que vou chegar em casa e ligar para umas duas amigas do tempo da faculdade para pelo menos sentir a alegria de ver que alguém vai sofrer por você. Mesmo que seja um falso sofrimento copiosamente derramado sobre as fibras ópticas e nada mais.
Vou então fazer meu testamento deixando tudo para os sobrinhos de segundo grau, tudo que meu salário pode comprar, um apartamento semi-quitado e um carro semi-novo, todo quitado. E algumas divídas que guardo na mesa da esquerda da escrivaninha para um dia que sobrar um dinheirinho - que não vou deixar sobrar.
Aproveito logo para fazer um plano de saúde de respeito enquanto eles não suspeitam de nada. Se bem que, como eles vasculham tudo antes de aceitarem o cliente, é bem capaz de lerem tudo isso aqui e me recusarem, o que me faz pensar na possibilidade de não postar nada, que eu imediatamente descarto, pois não tenho nenhuma outra ideia em mente para um texto a por no lugar deste. Então vai isso mesmo, oras.
Morrerei sozinha, sem grandes lastimações. Não quero velório. Por dois motivos, um para não correr o risco de ninguém ir por lá, e dois para não correr o risco de alguém ir chorar por lá. Nunca fui muito fã de choro de velório.
Meus primos de segundo grau, ainda muito revoltados pelo saldo negativo de herança e pela ausência de um seguro de vida, irão ao enterro vestidos de preto, com lenços de seda enxugando os olhos já enxutos, e poderão então dizer como fui um tio inesquecível, e como sentirão minha falta.
Eu deixarei aqui escrito a eles, então, que não vou guardar rancor por nunca ter sido visitado em nenhum domingo, por ter jogado fora as sobremesas que nunca comi sozinho por ter medo de diabetes, dos bolos que comprei e joguei fora por medo do colesterol, das grades de cerveja que eu trazia em consignação todos os sábados e nunca bebi sozinho por medo de cirrose.
Lamentarei apenas não ter pulado de pára-quedas por medo de altura, de não ter ido em Paris por medo de avião, de não ter saído de madrugada por ter medo de assalto e motorista bêbado.
Ah, sim, exijo como último pedido na minha lápide um epitáfio bem bonito, dizendo como fui feliz e como aproveitei a vida. Vai que algum trouxo acredita, pelo menos morto eu vou ter ares de quem descansa em paz.

26 de março de 2010

O que diferencia o remédio do veneno?

Ataduras, bandagens, esparadrapos e mercúrio-cromo. Tento esconder as muitas cicatrizes que trago da vida. Mas as feridas doem, e ardem, e viro tela-exposição de uma existência semi-resignada à dor. Sopro com cuidado o corte último, mais aberto, mais vivo. Sinto o ardorzinho forte do remédio barato de farmácia usado como paleativo para esta dor latejante, dor de quem vive. Porque tem horas que viver dói mesmo.
Distribuo curativos feitos às pressas por todo o corpo, ao mesmo tempo em que lamento não ter prestado atenção àquele curso de primeiros socorros. Os cuidados ficam mal feitos. Os remendos caem, e sou obrigada a refazê-los urgentemente, antes que venham os cachorros lamber as expostas feridas.
Grito ruídos mudos em ouvidos desatentos e almas frias. Não sinto o calor dos corpos que toco. Não sinto o pulso. Onde a vida pulsa? O que me move? O que me muda?
Não, não sou a mesma. Sou uma versão reformulada por retaliações, não a mesma. Aprimorada? Transformada? Deteriorada? Hoje não sei dizer. Sei dizer que enfim consegui olhar claramente para minha imagem feia cheia de arranhões. Criei coragem hoje. Porque antes não tinha. Antes eu estava fugindo de mim. Antes eu era causa perdida. Agora estou achada. Não sou tão amante, nem tão pungente, nem tão intensa, nem tão verdadeira, nem tão menina, nem tão mulher. Nem tão sensata. Sou realidade ilusória, a imagem que cada um cria do que deixo mostrar. E acho que não deixo muito. Quase um pouco para quase ninguém.
Faço cara feia para engolir o xarope amargo para a tosse que não passa. Tosse de pulmão defeituoso por ter inalado gases de uma quase vida.
O silêncio que me acompanha me faz bem agora. Essa incrível paz que me assola em meio aos dias ensolarados e perdidos após uma noite mal dormida. Parece que morri, ou que morreu algo de mim. E o aperto em meu peito me acorda de vez em quando, de vez em quando é hora de tomar remédio. O pequeno vício que criei para mim. Anular a dor. Por hora eu me recuso a mais dor. E engulo a pílula com grandes goles sorvidos de água corrente que escapole da torneira. Hoje peço proteção. O que decido não é fácil.
Nem menos doloroso para mim. Mas sei o que quero agora. Enquanto sigo a estrada que traço pra mim, nas mãos eu levo o nada, e no caminho lavo a alma. Eu não paro, o vento me leva. O vento me traz. Ele sabe onde vou acabar. Se vou acabar.
 De hoje, isso é tudo que eu sei. Se estou tomando remédio ou veneno, eu não sei. Mas vou saber. Um dia vou saber.
Mas de amanhã, de amanhã eu não sei nada, não.

18 de março de 2010

A pedra mais alta

Sai sabendo bem pra onde ir. Resolvi subir na pedra mais alta. Ideia minha mesmo. A pedra alta lá, me chamando todo dia. O que dá pra ver de cima da pedra mais alta?
Não levei mala, não. Não porque achasse que não ia precisar de nada. Apenas não sabia do que eu poderia precisar. Então levei apenas o que dava pra carregar por dentro mesmo.
Levei a fé. A minha fé bem grande. A fé que tenho em mim mesma e naquilo que vale a pena. A fé que tenho na vida. A fé que tenho em Deus. Levei amor pra subir na pedra mais alta. E umas músicas boas pra ir cantando no caminho. As músicas que tocam por dentro da gente.
Botei punhados de esperança no bolso. Alguma coisa me dizia que ia precisar cedo ou tarde. E levei sorriso, e esse foi fácil de carregar, de tão levinho que era. Levei muito. Juntei então tudo e fui subir a pedra mais alta.
Queria ver o que se via de cima da pedra mais alta.
E foi difício subir na pedra mais alta.
Não existe caminho que termine em cima da pedra mais alta.
Tive que fazer meu caminho até o topo da pedra mais alta.
Às vezes eu ia só. Às vezes o só era acompanhado. Tinha vezes que eu cansava, e aí sentava, e esperava o cansaço ir embora. Tinha vezes que caia, tinha vezes que eu gritava, e não foram poucas as vezes que eu chorei. Não foram poucas as vezes que eu chorei.
Mas cheguei.
Vi o mundo tão pequenininho de cima da pedra mais alta. Tudo parecia tão longe de cima da pedra mais alta. E os sonhos ficaram tão bonitos de cima da pedra mais alta, e o céu tão perto, e o mar tão grande, que resolvi me jogar de cima da pedra mais alta. Eu quis mergulhar de cima da pedra mais alta.
Eu conhecia os riscos de me jogar. Conhecia os medos, eu nem sabia nadar. Eu podia bater a cabeça no fundo do mar por me jogar de cima da pedra mais alta. Podia morrer, mas seria eu caso eu não fosse tentar?

16 de março de 2010

Menina

Porque o mais triste, Amelie, e que a capacidade de sonhar eu estou perdendo nesse caminho meio escuro, e sem ela nao sei bem onde colocar os pes...

11 de março de 2010

Usurpação

Só percebeu quando chegou em casa. Percebeu que havia sido roubado. Discretamente, meticulosamente, ele nem se deu conta. Vasculhou em todos os cantos, reviroua bolsa várias vezes, ele tinha que estar enganado, tinha que estar em algum lugar. Mas não, não estava.
O que de mais importante ele tinha na vida, a maior herança de família, que de tão importante ele trazia sempre consigo para não correr o risco de perder ou de alguém pegar sem sua atuorização. E agora estava sumido.
Roubado? Ufanado? Levado? Esquecido?
Após o momento de descrédito, logo em seguida à revolta, ele sentou-se placidamente no chão e ficou apenas em estato de apatia. O que se havia de fazer?
Ficou ali, sentado, com a mente vazia. Olhou por minutos incontáveis para o espelho que casualmente estava posto em sua frente e começou a olhar para si mesmo. E viu que agora lhe faltava o pedaço. O pedaço sumido, o pedaço levado. Não se reconhecia na ausência de sua parte.
Olhava para si e via alguma coisa que não queria ver. Alguma coisa da qual definitivamente se envergonhava, por ter sido incapaz de guardar o que de mais precioso na vida podia carregar.
Era vergonha de si o que sentia. Naquele momento o convívio consigo mesmo ficou demasiado insuportável.
Foi quando ele parou, e olhando para o espelho, manifestou sua revolta na simples frase: Mas afinal, quem me roubou de mim?

9 de março de 2010

A espera

Quero a simples certeza de que vens.
Com esta dita, dimensões de tempo e espaço perdem lugar para minha ansiedade fria, quase estática, a congelar meus dedos nesse assombroso estado de ânsia de ti.
Quero que me venhas assim como estás, muda, calada, insone, dormente. Com dores, com lágrimas, com tudo que viveste e trouxeste e pudeste carregar nas tuas costas hoje marcadas. Venhas com as cicatrizes semi-curadas de todos os males que te fizeram neste mundo, aquilo te tornou mais viva, mais pungente, mais mulher.
Venhas com tudo que aprendeste mundo afora desde que te vi partir. Já não guardo mágoas. Já não há dores. Espero por ti.
Venhas assim como uma equilibrista a saltar de uma corda bamba, sem rede de proteção. Não louca, apenas viva. Venha sem nada nas mãos, não me tragas presentes, não me tragas lembranças dos lugares que conhecestes sem mim. Não me tragas nada do que tu tens que não foi meu. Não importa seu passado, seus sotaques, seus sorrisos, seus amores de uma noite ou de um verão.
Pulsante. Vem assim, rasgada, humilhada, em frênesi, vem para mim como um dia deixaste meu coração. Vem com teus farrapos de vida, que tenho aqui linha e agulha para remendar teus estragos.
Vem sem demora, que meu peito urge em ouvir tua voz simbilante que eu quase já esqueci. Do teu gosto eu quase já esqueci. Faz tanto tempo, tanto tempo. Mas dos teus olhos eu não esqueci. Esses teus olhos de maresia, teus olhos de ressaca, teus olhos de céu azul. Esses teus olhos que me botavam no chão, que me tinham na mão.Teus olhos de imensidão.
Vem, vem depressa, me convida, me dá um pouco de vida. Se renda, me renda.  Vem que estou ficando louco, ficando rouco, me dói o estômago, me dói a cabeça, estou ficando tonto, estou perdido em prantos.
Te vejo tão longe, e tão longe é tão perto. Por que não me levas? Eu te me sequestro. Vem, que te espero. Mas não sei mais por quanto, sinto um desespero, estou perdendo o tino, sou equilibrista bambo, vou largar a sombrinha, vou cair da linha, vai ficar tudo escuro, vou me perder.
Vem, vamos subir o morro antes do sol nascer, cruzar novamente as ruas desertas de Nantes, nos fazermos de bobos, entre vinhos e noites e madrugadas, rirmos de nossas loucuras gritadas em língua jamais decifrada.

Vem, não importa quando, não importa como.
Não importa se chove, se faz frio, se estás vestida pra festa ou com a tua mais surrada roupa de dormir. Se tens o mais rico tesouro ou se não te resta nenhum vintém nos bolsos da velha calça azul desbotada.
Vem com as delícias de tuas imprecisões medíocres, teus medos infames, tuas beiras todas por aparar. Vem da forma que quiseres, que te quero de toda forma.
Para o amor não há formas. Se me quiseres, se pra mim voltares.
Vem, não importa como.
Apenas vem.

A ausência, a solidão e o vazio

A ausência era como uma falta momentânea de sentidos. Estava lá, mas sabia-se não eterna, não durável. Sabia-se passageira.
A ausência cria uma escuridão temerária, um curto lampejo de indecisão, onde a voz treme, os passos vacilam, e o medo chega bem perto, e sopra em nossos ouvidos uma canção assustadoramente real.
A ausência de ti, mesmo não eterna, mesmo transitória, de tão obscura, me dava medo.
A ausência de ti foi se agravando com a tua demora em chegar. E foi crescendo, se alimentando do pequeno medo de todos os dias. E a ausência de ti me deixou com sede, com fome, com frio. A ausência de ti, cada vez maior, foi me tirando o conforto das certezas que me restavam. E quando a ausência de ti se tornou tão grande a ponto de não mais caber dentro de mim, essa ausência de ti, barulhenta, incontrolável, rebelde, acordou a solidão.
E a solidão desperta é deveras incômoda. Ela, que estava reclusa num sombrio canto do coração, agora vem ruidosa reclamar de mim a presença de você. E eu, que só tenho a ausência de você, lamentavelmente tenho que lhe negar a matéria de sua carência. E na falta de outro alimento, solidão se alimenta de falta. E solidão cresce sorvendo grandes goles de ausência de você.
A solidão cada vez maior, deita no meu colo e faz birra, se nega a dormir, me usurpa uma paz que vou aos poucos perdendo, no compasso do desespero da falta de convivência.
E um dia a solidão se cansou de esperar. Resolveu ir embora, foi assim às pressas, sem despedidas, sem conversas. E o espaço que ela ocupava, agora já tão grande que nem eu mesma dimensionava, fica vazio.
E o vazio é a pior das dores, pior que a ausência, pior que a solidão. O vazio, a falta de espaço, o vácuo do abandono. Um vazio que cresce e toma tudo, e deixa assim, tudo cheio de nada.

Amores e agregados

Era um amor. Amor quente, voluptuoso, ardente, que corria nas veias como um ácido corroendo tecidos, células, órgãos, corpo. Devorador. Consumidor. E estava tão envolvida, ela e seu amor, que não mais conseguia diferenciar ele de si. Virou tudo uma coisa só. Cada fibra, cada átomo, cada elétron e sua energia, tudo vibrando na mesma órbita de sentido.
Como o corpo que carrega o espírito, ou o espírito que aquece o corpo. E essa sensação se lhe tornou tão necessária como o ar que ela precisava respirar dia após dia. Não conseguia mais viver seus dias sem ele, não porque fosse deixar de existir, mas porque se sabia bem melhor ao lado dele.

Era como ela conseguia sentir-se viva. Era como uma urgência. Como uma fome, como uma epidemia. Amor é como epidemia. Era uma vontade de amar o amor em todas as suas formas de expressão. De ver amor em todos os lugares. De distribuir risos de graça, e abraços de graça, por saber-se amando, por saber ter descoberto o maior mistério da humanidade, por saber amar.
Foi quando ela parou para pensar nas vezes que já tinha amado. Amores antigos, histórias passadas. E viu que nada nunca foi igual. Que nunca essa fome de algúem foi tão intensa, tão avassaladora. Nunca o outro foi algo tão maior, tão mais importante, tão mais definitivo em meio a todas as incertezas. Foi quando ela pensou se isso que lhe atormentava, lhe tirava o sono realmente era amor. Ou melhor, foi quando ela pensou se outra vez na vida ela já tinha amado como amava agora. 

Amor é quando a gente resolve entregar a alguém tudo que há de melhor em si. Amor definitivamente não pode ser egoísta. Amor é algo que transcende as misérias do mundo, porque o amor se doa, incondicionalmente, integralmente. O amor, meus caros, o amor ama.

8 de março de 2010

O viajante

Aos que tentaram me destruir.

Desfaço em silêncio a mala. A porta deixei aberta, entreaberta. Mas ninguém vai entrar, nem partir nem chegar. Estou só, como comecei, como quase sempre caminhei, pois é assim que escolhi terminar uma jornada.
Os sonhos perdidos, aonde larguei? Não trouxe comigo. Extraviou-se no caminho a mala dos sonhos um dia vividos. Cheguei trazendo apenas uma pequena valise com o mínimo necessário para uma existência: a dignidade, o orgulho e um resto de esperança. Desta última trouxe pouco, não achei mais quase nenhuma. Trouxe tudo que tinha. E mesmo assim é quase nada.
Os amores eu mesmo lancei fora quando resolvi partir. Tem pesos que não se pode carregar. E meu peito já estava arfado de saudades. Saudades que ocupam muito espaço, que fazem muito volume, que são pesadas demais para um viajante solitário. Não havia lugares para amores. Amores exigem partilha, renúncia, e eu atingi um estado em que tudo que tenho é de tal forma necessário à minha existência miserável, que dispor de divisões poderia excrucitar algum pedaço essencial da construção do meu ser. Então não quero amores porque ainda quero a mim inteiro. Mesmo que eu saiba que de mim agora só há pedaços.
A nova casa parece adequada para uma nova vida. Pequena o suficiente para acolher um homem devorado por solidões muitas.
A poeira está por todos os lados. E as teias de aranha combinam com minha mente há tanto tempo pouco produtiva. Me sinto quase em casa. Testo ligar a lâmpada, mas não há eletricidade. Acendo a única vela já meio gasta que encontrei numa gaveta de um velho cômodo empoeirado. A luz taciturna trepida sobre o papel embotado que uso como carta pra te escrever agora dizendo que cheguei, que estou vivo, quase vivo, ou quase morto. Eu não sei. Estou escrevendo porque...Nem sei o porquê. Ou sei. Apenas pra te dizer que isso, o melhor de mim, isso você não conseguiu corromper.

6 de março de 2010

Os sinos

Quando os sinos surdos acordarem o silêncio da cidade com sua voz rouca e embargada após anos de forçada exclusão, repressão, contida emoção
E com seu ensudercedor protesto ferirem os ouvidos de uma sociedade impúdica, mesquinha, profana, pura farsa de fingimento exposto do real e moral, que acordará revolta em seu sono maculado, querendo calar a voz daqueles que agora gritam na calada da noite, porque outra hora não lhes fora dada
Quando quiserem romper as cordas, acabar com as claves, agudos e bemóis, conclamando juntos que o desconcertado canto dos sinos rompe com o compasso da vida metódica e agride os tons e os sons que se quer escutar
Quando a nossa boca quiserem calar
Quando ninguém em nossa defesa se levantar
Quando não houver mais cantos a se cantar
Quando na verdade formos nada mais que meliantes, fugitivos
clandestinos,
simples aspirantes do que haveremos de ser.
Quando nos atirarem no peito, nos atirarem do alto,
nos jogarem no abismo
Ainda assim, mesmo assim

Sinto lhes informar, meus caros,
mas quando tudo isso chegar
mesmo que não haja nem uma nota em partitura
para ouvir dos sinos o badalar
Mesmo que se queimem em praça pública a forma que se deve cantar
Mesmo que nos roubem tudo que levamos nas mãos, nas bolsas, nos bolsos, na vida
Mesmo que nos prendam, nos agridam, nos usurpem dos nossos ideais
Estes sinos ainda vão estar repicando pelas madrugadas canções incompreensíveis,
incompreendidas
porque eles não precisam de seus preconceitusos ouvidos
para que se façam ouvir, para que possam gritar
Seu direito de entoar não lhe será vetado
Os sinos serão cantados
serão badalados
mesmo que nenhuma nota se encaixe na canção
Os sinos continuarão a entoar a incompreendida canção de nosso arfado peito quer gritar
Os sinos estarão a tocar por todo o tempo em que ainda estivermos dispostos a tocar

[sem pontos finais]

Novo Blog

Esse lugar anda meio entregue às traças... Deu um trabalhinho pra tirar as teias de aranha da porta de entrada, e tem tanto pó aqui que não parei ainda de espirrar...
Então, como boa dona de casa que sou, resolvi ir logo mudando os móveis de lugar, dando um visual "up", mais "clean" ao lugar...
Espero que gostem dos novos quadros, da nova mobília, e que continuem se sentindo em casa por estas pairagens.
Prometo continuar colocando flores nas janelas vez ou outra.
A garotinha anda crescendo, metamorfoseando, e com isso o blog vai mudando... Mas ainda estamos cá jogando ao vento nossos versos e flores.

Que não se esmaguem com palavras as entrelinhas...