Ataduras, bandagens, esparadrapos e mercúrio-cromo. Tento esconder as muitas cicatrizes que trago da vida. Mas as feridas doem, e ardem, e viro tela-exposição de uma existência semi-resignada à dor. Sopro com cuidado o corte último, mais aberto, mais vivo. Sinto o ardorzinho forte do remédio barato de farmácia usado como paleativo para esta dor latejante, dor de quem vive. Porque tem horas que viver dói mesmo.
Distribuo curativos feitos às pressas por todo o corpo, ao mesmo tempo em que lamento não ter prestado atenção àquele curso de primeiros socorros. Os cuidados ficam mal feitos. Os remendos caem, e sou obrigada a refazê-los urgentemente, antes que venham os cachorros lamber as expostas feridas.
Grito ruídos mudos em ouvidos desatentos e almas frias. Não sinto o calor dos corpos que toco. Não sinto o pulso. Onde a vida pulsa? O que me move? O que me muda?
Não, não sou a mesma. Sou uma versão reformulada por retaliações, não a mesma. Aprimorada? Transformada? Deteriorada? Hoje não sei dizer. Sei dizer que enfim consegui olhar claramente para minha imagem feia cheia de arranhões. Criei coragem hoje. Porque antes não tinha. Antes eu estava fugindo de mim. Antes eu era causa perdida. Agora estou achada. Não sou tão amante, nem tão pungente, nem tão intensa, nem tão verdadeira, nem tão menina, nem tão mulher. Nem tão sensata. Sou realidade ilusória, a imagem que cada um cria do que deixo mostrar. E acho que não deixo muito. Quase um pouco para quase ninguém.
Faço cara feia para engolir o xarope amargo para a tosse que não passa. Tosse de pulmão defeituoso por ter inalado gases de uma quase vida.
O silêncio que me acompanha me faz bem agora. Essa incrível paz que me assola em meio aos dias ensolarados e perdidos após uma noite mal dormida. Parece que morri, ou que morreu algo de mim. E o aperto em meu peito me acorda de vez em quando, de vez em quando é hora de tomar remédio. O pequeno vício que criei para mim. Anular a dor. Por hora eu me recuso a mais dor. E engulo a pílula com grandes goles sorvidos de água corrente que escapole da torneira. Hoje peço proteção. O que decido não é fácil.
Nem menos doloroso para mim. Mas sei o que quero agora. Enquanto sigo a estrada que traço pra mim, nas mãos eu levo o nada, e no caminho lavo a alma. Eu não paro, o vento me leva. O vento me traz. Ele sabe onde vou acabar. Se vou acabar.
De hoje, isso é tudo que eu sei. Se estou tomando remédio ou veneno, eu não sei. Mas vou saber. Um dia vou saber.
Mas de amanhã, de amanhã eu não sei nada, não.
2 comentários:
remédio, era remédio... Amargo, porém necessário remédio.
Chico Buarque diz:
"Pergunte se Ele produziu
Nas trevas o esplendor"
E eu respondo:
- Ele eu não sei, mas Klécia sim.
Texto divino esse, meus parabéns.
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