28 de dezembro de 2009

Medo

Substantivo masculino singular.
1. Dor no peito, daquelas bem fortes, que fazem o coração parecer pequenininho.
2. Uma suadeira nas mãos, às vezes sem motivo, às vezes por antecipação, que fazem a gente passar noite sem dormir, dia sem comer, ou pior, sem sorrir.
3. Cisco que cai no olho e faz a gente chorar que nem menino pequeno que se perde da mãe.
4. Uma coisa que acontece com a gente e faz a gente perder um monte de coisa legal da vida, sem viver, só pelo medo de perder.

Esperança

Hoje eu não quero cantar.
Não vou louvar valores, não vou chorar dores, não vou fazer verso, nem rima, nem cena.
Hoje eu quero apenas parar.
Ficar aqui sentada, sem dores ou culpas, sem medos e sem esperanças.
Descobri ontem uma nova forma de sentir dor. Pensava que só o medo fazia a gente sofrer. Pensava que a angústia pelo incerto era o mais temível dos sentimentos.
Mas ontem me descobri sofrendo por ter esperança. Esperança, logo ela, tão verde, tão ingênua, se fez tão amarga em minha boca.
O verde-poesia virou verde-fel. Talvez não entendam como a "força da humanidade, o que move o mundo" possa fazer mal a alguém, mas em resumo, posso dizer que criar esperança em frente a uma impossibilidade pode ser uma tortura para o mais forte coração, uma vez que você agora deseja com todas as suas forças que o impossível seja real, e acredita de verdade que isso possa acontecer.
Mas existe um abismo infindável entre seu querer e o acontecer.
E foi na beira desse abismo que ontem eu sentei e chorei.
A esperança me fez chorar. Mais uma prova de que posso esperar tudo de todos. Até mesmo dela.
E uma lágrima de esperança, meus caros, dói bem mais que torrentes de lágrimas de medo, podem apostar.

O disco arranhou. A música parou. Estou com medo, e com medo eu costumo desafinar.

22 de dezembro de 2009

Sombras

Eu achava que eu ia sozinha. Sozinha mesmo, olhava para o lado e não via ninguém aqui. E caminhava com passo miúdo de quem se sabe esperada ansiosamente em lugar nenhum.
E era bom ir sozinha, porque é sempre mais fácil não dever nada a ninguém. Sem cobranças, atrasos e esquecimentos. O que eu devia era a mim mesma. A agenda estava com bastante espaço pra todas as coisas que eu queria fazer. E não havia ninguém também pra reclamar da música alta, da bagunça do meu quarto e da louça da noite anterior que eu ainda não lavara.
Sozinha.
Eu olhei em todos os cantos e não tinha visto ninguém.
Mas eu esquecera de olhar num canto, de olhar embaixo. Quando vi, lá estava ela. Morena, opaca, oposta, perseguidora. Uma sombra a me seguir. Do meu tamanho exato, com exatamente a minha roupa, exatamente a minha idade, exatamente eu do lado oposto. A sombra funcionou como um espelho, refletindo o que eu esquecera. A sombra negra refletindo os medos que tenho de mim mesmo. E que me afasta dos outros. A sombra negra me perguntando onde fica o depósito de sonhos perdidos. Eu não sabia.
Eu me esquecera. Porque um dia eu soubera. Mas não mais, hoje não mais.
E aquela imagem de mim refletindo o que eu esquecera me deu uma vontade imensa de vomitar. Uma angústia interna por me ver irrealizada numa sombra. A minha sombra.
Era a solidão de dentro de mim, empacotada em mim, que eu queria vomitar. Como a comida estragada que jantei noite passada. Mas desse prato eu vinha me alimentando por anos a fio. Um bolo de alimento estragado mal processado preso no meu estômago pedindo para sair.
O sol foi se pondo e a sombra crescendo. Foi ficando maior que eu. A calçada da rua já não lhe cabia mais. E esse enjoo a me consumir como o corpo de uma mulher grávida reagindo contra o feto parasita.
Eu queria cuspir no chão, mas a educação paramétrica não me permitia.
Eu queria gritar, e correr, e descolar aquela sombra dos meus pés. Mas eu não podia.
E o que eu podia?
Eu não estava mais só. A minha sombra me acompanhava. E me cobrava mais que qualquer outra companhia que eu pudesse conseguir.
Aquela sombra mesquinha refletindo minha feiúra. Ela parecia até mais bonita que eu. Mas como, se ela era eu?
Não, não era eu. Ela tinha o orgulho de se saber não desistente, e me passava isso na cara, rindo seu riso discreto com o canto da boca.
A minha sombra carrasca de mim agora me acompanhava. E me mentia, e me negava a vida que eu me impunha.
A minha sombra me torturava.
E o que eu fiz?
Me tranquei no quarto, apaguei a luz.
A vitória é do mais esperto, afinal. Fui dormir.

Sobre a arte de ser escritor

É preciso arte para sentar-se numa cadeira, e despejar sentimentos num papel, seja em forma de bilhete, de folhetim, de carta ou de página de blog na internet.
É preciso arte para assumir uma identidade que não é sua, para escrever sentimentos de outros, não sentidos, não vividos, não experimentados.
Quando não isso, é preciso arte para fazer exposição própria em forma de rimas e versos, devidamente camuflados sobre um codinome.
A arte de juntar palavras. Dar-lhes sentido, ou retirá-lo, ou deturpá-lo. Não importa. O escritor é quem molda o barro, quem joga com as palavras... O processo de criação é como gerar um filho, cada estrofe como uma semana de gestação, a dor do parto para o verso final, o ponto final. E depois o deleite de ver a obra completa, o filho com todos os membros, a correr pelo jardim.
Escritor é um angustiado, que tem que verter em letras o que sente, por não conhecer outra linguagem. O escritor é um subordinado às letras, rendido, entregue, miserável. Tirem-lhe tudo, menos o papel e a caneta. O que lhe sobra?
Escritores têm o direito de serem imorais, imortais, ilegais. De falarem sobre o que ninguém quer ouvir, ou ler, ou saber.
Escritores têm a liberdade que resta aos detidos em celas de prisão. Escritores têm a ousadia de criminosos que nos assaltam à luz do dia em frente a delegacia de polícia.
Escritores se reservam o direito de serem inúteis, fúteis, de falarem sobre o que bem entenderem.
Escritores podem se dar ao direito de nunca morrer. Porque as letras não tem prazo de validade. Escritores são sonhadores, ou realistas, ou ufanistas, ou cientistas; a formação não importa. Escritor é aquele que dá graça ao nosso viver, uma vez que morre um pouco de cada vez em cada texto que escreve.

Sonho

Era o sonho mais lindo que ela tinha em anos...
Aqueles sonhos com asinhas de algodão, que não sossegam em canto nenhum, sonho maroto, que faz a gente ir e vir, saltitando de felicidade.
Aqueles sonhos que aparecem quando já é quase hora de acordar, só pra durarem bem pouquinho...
E pra piorar, veio a irmã dela e a chamou. Na parte mais feliz do sonho. E quando ela abriu os olhos, o sonho pulou pra fora das pálpebras, como se estivesse esperando só a primeira oportunidade para fugir. Quem pode com esses sonhos de hoje em dia? Cada vez mais rebeldes...
Ela até fechou os olhos com força, botou a irmã pra fora do quarto, fez todo esforço do mundo, mas nada do sonho peralta voltar.
Então ela levantou e foi viver a vida, esperando ver o sonho andando em alguma rua por aí.

21 de dezembro de 2009

2 minutos

Eles se odiaram por exatos dois minutos. O tempo exato de respirar fundo e engolir seco. Ela esperava a resposta dele, ele esperava ela assumir sua infantilidade. Eles se esperavam.
Foram longos 120 segundos, suficientes para que os seus olhares orgulhosos se evitassem voluntariamente, e se reencontrassem várias vezes, e de novo se afastassem, numa luta contra eles mesmos, que não teve vencedor.
Ela ficou ali, estática, pensando como ele podia achar tão normal o que para ela era uma catástrofe. Porque briga de namorados é sempre uma coisa incrivelmente ridícula para uma das partes.
2 minutos eternos de reflexão.
Era uma certeza cruel, a de saber-se querendo o que não mais se podia ter. O não saber como agir, o que fazer. Ele dissera que estava acabado, e não seria ela a voltar atrás. Ela não iria implorar, não iria suplicar, não dessa vez... Afinal sempre era ela que se humilhava, sempre era ela que cedia, sempre ela.
Ela queria chorar, mas não ia. Engoliu as lágrimas que já marejavam os olhos. Não ia ser fraca na frente dele. Ele não ia ter o prazer de dizer aos amigos que ela estava sofrendo. Afinal ela era forte, sempre foi a cabeça racional do relacionamento.
Ele ficou olhando para ela, como tantas vezes fazia. Admirando mudo sua beleza. Porque uma pessoa tão linda tinha que ser tão cabeça-dura?
Ela queria gritar, e nunca mais olhar nos olhos daquele homem insensível, cruel, machista e orgulhoso.
Ele queria apenas resolver logo aquilo, sair dali e ir tomar um chopp com o pessoal que ele deixara esperando.
Eles se odiaram por exatos dois minutos. Então ela levantou, arrumou o cabelo, preso alto na cabeça, como sabia que ele gostava, colocou o batom, olhou para ele e virou as costas.
Ele não disse nada. Apenas olhou ela saindo do restaurante. Ela ligaria no dia seguinte. Ela sempre ligava.
Mas no dia seguinte ela não ligou. E ele foi orgulhoso o suficiente para não ligar no dia seguinte também. Nem na semana seguinte. E a saudade começou a doer forte, como uma dose de vodka que se toma pura num começo de festa, antes de qualquer nível de álcool no sangue.
Ela não ligara. Ele não iria ligar.
E aqueles dois minutos duraram bem mais que cento e vinte segundos.

20 de dezembro de 2009

Rabiscos de caderno

Pequeno gafanhoto,

Pra ser sincero, não sei mentir pra você, e mesmo quando tento, você sabe o que eu tento esconder.
Pra ser sincero, você sabe o que eu sinto, você sabe o meu quilate, você sabe mais que eu mesma sobre mim.
Pra ser sincero, nem sei o que me faz acreditar se temos algum lugar pra chegar.
Até onde iremos caminhar. Até onde iremos nos suportar.
Mas se há alguém que merece essa chance é você, sou eu, somos nós.
Enquanto tivermos o presente, não precisamos de futuro.

Um dia a gente pode até perder as chaves, esquecer a saída, mas então aí a gente resolve o que faz da vida.
Afinal amanhã ainda tá bem longe. E você está aqui tão perto hoje...

Pra ser sincero, eu que devia cuidar de ti, mas é você que cuida de mim.
Vou dormir agora, e sei que vou sonhar com você.
Então até mais.

19 de dezembro de 2009

Abrindo as janelas

A casa estava fechada há muito tempo. Mas não estava abandonada. Na verdade estava bem limpa, e pintada, o telhado era novo e o jardim estava bem cuidado. Era o jardim com as tulipas mais lindas de toda a cidade, e as borboletas gostavam de passear por lá. Era uma casa relativamente nova, não era grande nem pequena, era do tamanho certo das necessidades da única moradora. Era uma contrução em tons de azul, um azul claro cor de céu, daquelas cores que lembram poesia.
Era uma casa nova, mas parecia uma casa daquelas clássicas do meio do século. Desde nova, ela era antiga. Parecia que queria preservar classicidades em meio ao futurismo dos novos arquitetos. Ela definitivamente contrastava com a casas vizinhas.
A fachada era grande e costumava causar uma sensação de amedrontamento. Muita gente não chegava perto da casa, por medo ou preguiça de descobrir. Havia duas grandes janelas que viviam fechadas. Um desperdício, não havia como ver o lado de dentro. E o lado de dentro era bem bonito na verdade.
Mas um dia, pra surpresa de todos, a dona da casa abriu a janela. E a cidade toda parou pra ver. Todo mundo tentou espiar o que havia dentro da casa, qual o segredo tão bem guardado.
Depois de tanto tempo, as janelas foram escancaradas e a luz do sol entrou pela casa, tomando conta de cada canto, de cada brecha.
E todos viram quando ela abriu a porta da casa, e quando aquele moço entrou. Subiu as escadas devagarinho, como quem desconhece o caminho. Era uma tarde de finzinho de ano, o sol mais forte, os dias mais quentes, mais longos. E eles sentaram na sala, e conversaram como se se conhecessem desde sempre.
E ele passou a visitá-la todos os dias, na hora que a noite engole o dia.
E desde então, todos começaram a notar que a casa estava cada vez mais bonita, que a dona estava mais feliz também, por não estar mais sozinha.
E a janela não ficava mais fechada, e a porta estava sempre entreaberta no fim da tarde, esperando pela melhor hora do dia.
A hora em que a gente pode ser feliz sem se importar com as outras janelas.


"I'll tell you one thing, it's always better when we're together..."

15 de dezembro de 2009

Saudade

Os dedos distraídos roçando a mortalha esquecida num canto da sala. Porque estavam todos ali, mas ali não havia ninguém.
O balanço da velha cadeira da sala era o único rangindo em todos os ouvidos. Mas a cadeira nem existia mais. Não estávamos na mesma sala. Não éramos sequer os mesmos.
As brincadeiras mortas, as risadas mortas. A vida morta.
As lágrimas debulhadas como as contas de um terço. Singelas e gélidas como a matéria morta. A matéria morta onde estava toda a calma. A calma que nos foi roubada.
Não era dor. Não era desespero. Não era falta de crença, não era ausência de fé.
Nem ela mesma sabia o que era. Mas nada daquilo era. O que era, era o que faltava. E que vai continuar faltando depois. Num futuro do pretérito eternamente conjugado.
O batom vermelho desmanchou pelo calor que fez, derreteu, manchou a gola do vestido comprado ontem, ao qual o tempo negou a estréia. Morreu virgem de corpo, desconhecendo as festas para os quais fora escolhido.
Até os dentes te roubaram. Teus esmaltes tiraram. Tuz tez morena, teu sorriso fácil. Nada disso encontrei hoje ao te ver. Me levaram o te ver. Mas que direito tenho eu de exigir?
Mas era você. Será você. Enquanto formos nós, será você.
Porque não morre o que vive dentro da gente.

14 de dezembro de 2009

Palavras

Palavra?
Pra que palavras?
Me invente uma palavra que descreva realmente
assim, impunemente
o que teus olhos me dizem
quando olham pra mim.

Amor assim devagar e urgente
na pressa da demora da gente.

Um amor meio louco, meio lerdo
distraído como quem não tem ao certo
destino ou paradeiro
porto aonde se recostar.

Um amor que não sabe onde vai parar.

Talvez depois do tempo da incerteza
depois dos côncavos, dos desníveis e das refrações,
sejamos capazes de não dizer nada, seguir a trilha
lado a lado,
e quando eu der por mim, despercebido,
estarei perdido,
encontrado seguindo os passos seus.

12 de dezembro de 2009

Divisão

Ando pelo mundo
assistindo histórias que nem sei contar.
Como uma platéia vou cumprindo a sina.
Assisto a cena, aplaudo o ato, cuspo no prato, atiro tomates, mas não mudo o texto.

Ando pelo mundo sonhando sonhos que não sei realizar
Magoando corações que eu queria amar
Perdendo a cabeça em estratégias de guerra que não vou ganhar.

Eu podia ir para qualquer lugar do mundo, mas eu escolhi ficar.
Por quê?
Só para te olhar mais um pouco, descobrir o que você tem
que me deixa assim.

Transito entre opostos,
trânsito congestionado de pólos distintos
que no final são uma coisa só.

A tragédia vira trajetória
nesse caminho que eu nem sei aonde vai dar.
Seria a vida uma comédia?
Seria divina?

Os dezembros a se passar.
Os anos a se somar.
A paz que eu quis sentir.
É silêncio, quase escuto muito bem
o eco da minha própria respiração.

Sou egoísta.
Me devolva a metade que me falta.
Me dê a parte inteira de você.
Quero juntar tudo, ficar com os inteiros.
Não aceito te dividir com mais ninguém.

Nossa(bio)grafia

A gente era feliz, e nem precisávamos perceber isso. A gente ia devagar, devagarinho. Ficava olhando a cor do céu, ficava pintando estrela no chão.
Era a gente pendurado na janela aberta, fim de tarde, vento batendo do rosto. Não era não, sim era sim. Nem sabia o que era um talvez.
O passo da gente era miúdo, éramos pressa de coisa nenhuma.
Éramos demora. A gente se demorava em nós mesmos. Sem se importar demais E íamos vivendo nossos minutos de eternidade. O coração batendo no compasso da disritmia.
Até que um dia a gente errou a estrada, a gente perdeu o caminho. E foi se afastando devagarzinho, tão devagar como quando a gente chegou.
E a gente escreveu a última linha do livro numa tarde dessas aí, hoje perdida no tempo.
Nas entrelinhas nossos sorrisos, desbotados já, lembrando quem um dia foi feliz.

Solidão

Substantivo feminino singular.

1) Quando tudo que se tem ainda não é o que se quer.
2) Ato ou estado de sentir-se sozinho, mesmo cercado de gente por todos os lados.
3) Quando você já não basta a si mesmo.
4) Aperto no peito, angústia na alma, necessidade premente de dividir, de partilhar, de não ser mais um só, de não ser sozinho. Comumente, sua ação deriva no verbo juntar, somar, ou amar.
5) Relativo a sentir falta de alguém, de algo, ou de si mesmo.
6) Tem cura.

10 de dezembro de 2009

Considerações sobre pequenos escritores

Eu, escritor menor, reconheço publicamente a pequenez de minhas supostas obras literárias.
Venho declarar que não busco aplausos, nem vitórias em rankings de o Blog do Ano. Leitores sinceros e poucos me interessam muito mais. Leitores críticos, não amigos.
Eu, escritor menor, venho dizer que escrevo para relatar meus dias, as fotografias reveladas pelas lentes do meu humor vítreo.
Eu, escritor menor, venho assumir meus textos "bordados de versos e flores".
Eu, escritor menor, abdico do tempo, dos relógios. Quero ganhar a eternidade. A imortalidade.
Mas não a imortalidade de uma cadeira na Academia. Lá não há lugar para escritores menores.
Quero a imortalidade de meus versos recitados pela boca de um desconhecido.

9 de dezembro de 2009

Abre aspas

Adoro teu jeito impulsivo ensaiado de dizer as coisas. E da tua desordem, de como tudo vem aos barrancos, solavancos, cataclisma de palavras sobre mim.
Adoro teus olhos que não sabem disfarçar. E a falta de método, e os descompassos, e os desconexos.
Adoro teus excessos, e teus medos, e teus méritos. Adoro teus erros de cálculo. Teus (pre)conceitos, e preceitos, teus acertos.
Gosto de ver o que sabes sobre mim (vez em quando nada, vez em quando tudo), te gosto ver tentando adivinhar.
Gosto dos premeditados encontros casuais. E do sorriso que nunca sei o que quer dizer. E das suas pausas. Gosto de você tentando enxergar o que te escapa.

Gosto de você, oras.
Fecha aspas.

8 de dezembro de 2009

Curiosidade

E os pelos curiosos da minha pele
levantaram todos juntos
tentando decifrar o mistério
que existe nos teus dedos.

Vieram ouvir o sussuro
o murmúrio
de uma voz que chamava,
da tua voz que dizia.

Mas o que me dizias?

Querias me contar um segredo.
Mas do teu segredo eu já sabia.

Sujeito

Você, sujeito simples da minha oração.
Sujeito inexistente, paciente, inaparente
Quem pode adivinhar que nossas frases
aparentemente sem sujeito
carregam na verdade um período composto
por coordenação?

Enquanto procuramos nossos complementos
verbo-nominais
as desinências modo-temporais
nos colocam entre pausas, entre vírgulas.

Fiquemos com as reticências.
Três pontos são sempre melhores
que um ponto final.

Sem apostos, não precisamos de interrogações
Somos claros verbos reflexivos
derivados de um processo de justaposição
conjugados numa forma nominal de vir a ser.

Retórica

Se o cromossomo é Y, por que ele tem forma de X???

6 de dezembro de 2009

Eu e o tempo

A vida e suas formas de inexpressão. Quando ao não se dizer nada, se diz tudo que se precisa ouvir.
Engraçado quando tiramos as maiores lições dos lugares mais improváveis.
Quando encontramos um pedaço de nós mesmos perdido no caminho. Quando o deixamos ali? Desde quando não mais o temos? Quando o abandonamos? E agora que o vemos à nossa frente, temos o direito de recolhê-lo, e reintegrá-lo ao seu original lugar?

Saudades e esquecimentos. As maiores habilidades do TEMPO. Eu e o tempo. Ele, sacerdote das razões humanas... Eu, mísero aprendiz da vida.
Ele, construtor e destruidor. Pai da transitoriedade. Ele, que nos faz mutáveis. Ele, que nos faz nós mesmos. Num processo eterno de vir a ser.
Ele, que nos assola, que nos consome, que nos leva amores, que nos traz amáveis... Ele, o tempo, mestre das transições, nas suas cirandas intermináveis, cumprindo a metódica novidade de todos os dias, fazendo girar a ciranda das horas, escorrer as cinzas da ampulheta da vida. Vida, vida. Que vida?
Venho noticiar que a vida sobrevive, senhoras e senhores. A vida sobrevive a cada dia. Novos dias. O tempo se encarrega de separar nossas folhas de calendário. E assim, nossas penas parecem menos dolorosas. Como se pudéssemos separar o indivisível tempo em frações mais facilmente transportáveis. E tudo parece possível, e novas esperanças surgem, porque nasceu um novo dia após 31 de dezembro.

Caminhamos juntos, o tempo e eu, pela estrada de nossos anseios, percorrendo a trilha incerta dos nossos dias. Numa relação quase sacramentada sobre o altar profano da vida. Numa forma ilimitada de ser humano, numa forma limitada de se descobrir um pouco divino. Numa sacra liturgia pagã consagrando nossos dias.
Sonhando nossos sonhos em meio a terrenos alagados, submergíveis, traiçoeiros. O tempo que nos é dado de graça vem cobrando seu preço. Porque o de graça tem seu preço.
Onde encontramos as certezas?
Quem pode nos dar alguma coisa real o suficiente para tornar-se paupável, para tornar-se verdade?
Ando as estradas do mundo procurando... Mas o que procuro?
Para onde vamos?
Para onde nos leva o tempo? Tempo de plantar, e tempo de colher... Para recomeçar, tempo de amar... Hoje é um tempo. Que tempo? Como saber o que hoje viver?
A vida e seu movimento. Os ponteiros do tempo que nunca se calam. Às vezes me sinto mais lenta que eles... Quase sempre. E o descompasso cansa. O coração não é de acelerar. O coração vive seus dias no tempo do amor miúdo, no tempo das pequenas alegrias das pequenas coisas. Mas o corpo não sabe esperar. Mas como separar? Ou como conciliar?

A vida anda rápida demais... Quero ir mais devagar. Quero o direito de escolher a cronicidade dos meus dias. Sem atropelar meus próprios passos. Outonos e primaveras. Sorrisos e lágrimas. Versos e reversos. Direitos e esquerdos. Os contrários da vida. Paisagens, cores, luzes, flores.
Chamam-me de utópica. Ufanista. Sonhadora. Inocente. Isso me incomodava antes. Antes. Não mais agora. Não mais quando me descobri indivisível com a sacralidade da vida. Não me permito negar-me a mim mesma. Negar os sentimentos, negar o que pulsa. Onde a vida me pulsa. Onde eu me demoro. Onde plantei meus sonhos. Onde depositei minha liberdade de ser quem eu sou, de acreditar no que escolhi crer, de amar o que amo, de ser o avesso que nem sempre revelo, mas que faz parte de mim. Será que tu sabes até onde eu posso ir? Tu sabes o que há em mim? Talvez vejas melhor que eu... Mas as minhas horas sou eu que faço. Quem poderia sentar ao meu lado e esperar o meio-dia?

Descobrir a beleza de um amor que ainda não tinha encontrado. Um amor que nunca soube dar, um amor que desconhecia. Um amor que se revela em inutilidades. Amor sobre rosas e espinhos.
É fácil amar o que está no pódio. Amar o louvável. Amar o aplaudido. Mas amor só pode se dizer amor quando se chega perto o suficiente pra descobrir os avessos, os contrários. E ainda assim poder ficar junto. Amar um inútil, amar alguma coisa que não pode nos acrescentar algo que buscamos, mas que pode estar ao nosso lado, sendo amor em sua inutilidade.
Queria poder ser inútil assim para alguém. Poder enxergar e ser enxergada além do que os olhos e as concepções podem ver. Amores de rosas, com flores e espinhos que são um só, que não se podem dar em separado. Sem idealizações, sem altares, sem mistificações. Só direi que amo verdadeiramente quando esbarrar nas imperfeições, nas limitações, nas facetas mais sujas e mais repugnantes, e ainda assim reconhecer aquilo como parte que não posso renunciar. Por isso amor exige análise. Exige demora. Não há amor na pressa. Nem nas muitas palavras. Amor é feito de silêncios muitos.

Quero viver meus dias como um menino travesso que está descobrindo seus brinquedos. E que brinca até o entardecer, até a mãe chamar pra casa... Um menino que sabe o valor de cada hora exatamente por não se dar conta de hora nenhuma.
De que lhe vale o relógio, se ele precisa apenas saber que, à hora certa, a mãe virá lhe chamar, e somente esta hora lhe será importante conhecer durante todo o dia.
Não quero martírios antes da hora. Não quero as horas. Quero ser tudo que eu posso ser, entre o que aplaudes e o que abominas, ser amor em minha inutilidade.
Abrir as portas, esperar os próximos ônibus, cantar as canções. Ser o que de mim sei que posso ser. Eu sou assim, sem culpas. O que me faz ver a vida como vejo, o que me faz ser como sou é tudo uma parte só, uma coisa só. Se me separo, me perco. Me desconheço. O sublime mistério da minha paganidade.

Se eu tivesse sido outro, esse amor teria me encontrado?
Quero tentar.
Até onde as horas puderem nos levar. E que seja longe, que seja muito, até perder as horas.



"Quando com ele [o tempo] faço acordo
Sorrio com os motivos de suas alegrias
E poetizo as tristezas que de suas mãos se desprendem.
Mas quando com ele posso...
Ah, quando com ele posso, eu dele me esqueço
E vivo..."

4 de dezembro de 2009

Pedacinhos

De vez em quando a gente é guerra. De vez em quando, porque ninguém é sempre paz.
De vez em quando...
De vez em quando a gente se desconhece... Porque ninguém sabe tudo de si mesmo.
E eu, pequena criança descobridora do mundo, ando tentando colar os pedaços da vida. Engraçado a gente ganhar a vida assim desmontada... Abre o universo de possibilidades.
Sim, eu posso colocar as peças que me der vontade. E seria tudo fácil assim, se não fosse o fato de que não tenho todas as peças que quero, oras.
Afinal, ninguém disse que seria fácil...
Minha brincadeira é séria. Levo a vida como quem empina pipa, cada vez mais alto, cada vez mais longe... Mas empino pipa como quem quer ser o dono do céu...

2 de dezembro de 2009

Despojos de batalha

A gente anda correndo perigo.
Perdemos o medo que nos mantinha
a uma distância segura, a salvo de nós mesmos
e dos nossos desejos.


Perdemos o pudor, perdemos as ressalvas.
Nossos corpos que já não tem mais paz.
Um doce magnetismo lutando contra o infactível.


Sentes?
Queres?
Deves?
Podes?


Todas as cartas no jogo, não há mais nada na manga.
E as impossibilidades estão todas bem à nossa frente
A gentenão consegue ver, ou não queremos ver...


O que mais queres de mim? Se já expuseste todas as minhas veias?
Todo esse sangue jogado no chão...
Carnificina. Genocídio.
O que não sou de ti?!? O que não tens de mim?


Nosso encontro marcado,
está tudo arranjado
será daqui a dois dias,
será daqui a dois anos,
será no fim da vida
será quando?
Será?
Haverá pra nós um será?
O que haverá?


Perigoso te amar... Perigoso querer.
Quem de nós vai perder?
O que temos a perder?
O que eu farei sem você?
O que faremos desse quase a nos punir?


Quem de nós é o mais forte?
Quanta força há em nós?
Onde está o elo mais fraco?
Pra que precisamos de vencedor,
se no fim somos todos iguais?


Às vezes fica turvo, nossa vida louca vida
manchada com o sangue que temos perdido
marejada das lágrimas que temos chorado
e das dores que temos doído.
E eu não consigo enxergar.
Não consigo te enxergar.


"O que você me pede eu não posso fazer
Assim você me perde, eu perco você (...)
O que você não pode, eu não vou te pedir.
O que você não quer, eu não quero insistir.
Diga a verdade, doa a quem doer.
Doe sangue e me dê seu telefone."

Eu, que não amo você

Eu, que não amo você,
vim aqui apenas dizer
que não dá, que não vou me render,
que não vou me entregar.
O que há com você?
Eu não amo você.
Eu não quero você.
Eu não sou você.

Não tenho você.
Eu mal sinto você.
Não amo você.

Não sofro você.
Não desejo você.
Não há o que dizer
não sei nos entender.

Pra que insistir?
Até onde a gente pode cair?
Pra que vamos sonhar
se eu não amo você?

Não venha me tocar,
não me faça te desejar,
eu não quero te querer,
eu, que não amo você.

Eu, que não sei não tremer,
que não sei me afastar.
O que é que me dá?
Quando você chega,
Eu, que não amo você?

Eu não amo você
nãotequeronãotremonãodesejo,negroamor.
Estou te dizendo, não amo você.

O que parece saudade, não é.
O que parece desejo, não é.
O que parece vida, não é.
O que parece eu, não é.
E o que parece você, o que é?

Eu não sei o que é.
Eu não amo você.
Mas a quem eu quero convencer?
A mim ou a você?

30 de novembro de 2009

Post it

"Se quer saber, sim, é saudade de você.
Todos os dias, várias vezes durante cada hora.
Ando a me pegar distraído, rindo sozinho.
Rio de ti, ou rio de mim?
Acho que rio dos dois. De nós dois.
Nós dois parece engraçado. Juntar EU + TU.

Ainda que meu excesso cético faça tudo parecer cômico e improvável, EU + TU é uma coisa que anda me fazendo andar à volta com risos bobos. Felicidade em doses homeopáticas.
E ainda tem essa saudade bem minha, bem tua, bem nossa.

É como dizem por aí, Do nosso amor, a gente é quem sabe..."

Medo meu

E o que vieste cá fazer, medo meu?
Deixa-me dormir, que amanhã acordo cedo... O dia é longo, e sempre haverão novas coisas a me assustar.
Não serás o único, não estaremos mais a sós.
Não será apenas a tua voz a me assombrar.
Então deixa-me dormir... Deixa-me sonhar...
Deixa-me ficar com o pouco de paz que me resta.
Com o tanto de vida que me cabe nesse burburinho.
Deixa-me dormir, medo meu.

A saudade, a frase perdida, um não, a dor...
A janela, a madrugada,
a partida, a chegada.
Amanhã o medo vai ter que cor?

Aniversário

-Sabe Amélie, é triste ficar velho.

-Sabe qual é a maior tristeza em ficar velho, pequena criança?
-Não, não sei.

-É passar da idade de poder chorar sem motivo, e levar a vida a ter que dar explicações lógicas a coisas que simplesmente não as têm, que apenas são o que são, indefiníveis.
É começar a juntar nossas emoções em ordem biográfica, cronológica, separando em dias, meses e anos o burburinho de sentimentos, como fotos num álbum de família.
É alcançar a idade de construir textos preocupado com métricas e rimas ricas para se dizer o que se sente, esquecendo os olhares e os colos onde podemos apenas nos recolher na hora que quisermos, sendo totalmente compreendidos em nossas angústias, anseios e amores.
É adquirir a capacidade de colecionar sentimentos inúteis, maquinações e premeditações, trocando nossa impulsividade infantil pelos medos, pelas táticas, pela racionalidade.
É aprender a viver histórias emprestadas, imitadas, vislubradas entre uma propaganda e um anúncio de TV.
É esquecer nossas verdades absolutas, nosso mundo tão pequeno e tão imenso por referências, análises e filosofias de outrem.
É parar de usar tão somente os pronomes pessoais do caso reto, se impondo os incômodos oblíquos.
É precisar de analgésicos e opióides para ser feliz na vida.

A bailarina

Ela tropeça os pés calçados com sapato de fita nos versos que espalha pelo chão. A bailarina já não ouve mais canção.
A sapatilha usada, gasta, estragada. A sapatilha que de tanto no mundo tão pouco viu, tão pouco sabe.
Os passos ensaiados em frente ao espelho, como quem quer alcançar a perfeição de si mirando no que há fora. A singeleza do gesto, a magia de cada rodopio.
Os passos no ritmo da bossa nova... A bossa embalando as voltas.
As quedas disfarçadas num passo de dança.
A bossa entoando a vida. A bossa nem mais tão nova...
As notas das canções, pintadas de azul. Azul cor de poesia.
Dó Ré Mi Fá[zendo] eco em mim,
Não estamos Sós,
Lá vamos nós outra vez...
Tentando refazer o que sobrou de si.

A bailarina procura certezas em meio às incoerências. Os passos desconcertados de uma valsa já batida, já marcada.
Ela senta no chão, esperando não se sabe o quê.
Ou ela espera história acontecer. Esperando a música soar, as notas vibrarem, ela espera os versos azuis.
A bailarina espera o dia de dançar.
Enquanto isso ela cuida de si.
Ela cuida das sapatilhas, minuciosamente, com gestos mínimos, sussurrados...
Enquanto entoa a valsa triste de quem espera um amanhã incerto.

"Astronauta, diz pra mim cade você, bailarina não consegue mais viver."

Alguém?

Quem um dia irá entender o seu destino?
E andar com os seus passos?
E um dia acordar olhando o seu rosto,
e dormir sob as mesmas estrelas?


Quando os dias não forem tão maus,
Quando os inexoráveis forem dissolvidos,
Quando se derem compreensões,
Quando formos o que podemos ser.


Quem irá lhe colher flores?

Quem lhe cantará canções?

O vento passando, o vento soprando,
trazendo e levando o que não é pra ficar.

Ela vai deixar a porta aberta
vai deixar a casa limpa
quem não tropeçar na soleira
sinta-se em casa,
entre e a faça feliz!

27 de novembro de 2009

Entre erros e acertos

Irremediável. Indecifrável.

Como ter a certeza do erro?
Como saber se o erro não nos é o certo?

Quem define o certo e o errado?
Se nem nós mesmos sabemos?
Nós nunca sabemos.

Como evitar os inevitáveis e por vezes necessários erros?
Qual o mal em errar, afinal?

Difícil reconhecer os erros. Mais difícil ainda assumi-los. Declarar a sua incapacidade. Sua falência. O quanto dói ter que voltar atrás no antes dito, no antes defendido.
Declarar-se ERRADO, e não CERTO.
Reconhecer-se errante. "Sempre na estrada, sempre distante..."

Difícil enxergar os próprios erros. Nossos CERTOS incontestáveis.
São seus erros que me mostram o quão certo eu estou. Muito mais fácil é julgar os erros alheios. Muito mais cômodo. Apontar os não certos enquanto camuflamos nossos próprios fracassos.

Mas o mais difícil, o quase impossível, é fazer com que as pessoas reconheçam que estamos CERTOS. Nossas cerdades absolutas. Irrefutáveis.
Nossos certos e errados baseados em nossas CERTAS certezas. Estamos certos porque alguém em algum lugar está errado. Aquele que nos contrapõe.
Para acertarmos alguém tem que errar. Tem sempre alguém errando em algum lugar enquanto estamos acertando.
Tem sempre alguém certo em algum lugar.

Mas quem vai dizer quem ganha no final?

26 de novembro de 2009

Janta

E eu
vou te servir o meu amor
numa bandeja de prata,
com todos os requintes de um prato principal.

Assim, onde não importam sobremesas e entradas.
Importa a vida, o gosto, a amarra.
O tempero de nossos desencontros.
O sabor das nossas massas.

Te darei minha paixão regada a vinho branco
numa taça transbordante de desatino,
perdida, achada.
Gosto de uva e desejo.
Descalibre do teu beijo.

E não me venhas morno, não me sirvas frio
Quero um prato quente,
com gosto de gente
onde não importam as idas,
as vindas, os ais e os senão.

Quero provar a vida
como quem bebe até não saber.
Mas não quero tudo de um só gole
Aos poucos, embriagar
assim, devagar,
até não ter mais o que fazer.

Ódio

Me odeias?
O que exatamente odeias?

O fato de descobrires que não sou o que imaginavas existir?
O fato das minhas imperfeições serem gritantes, latentes, prementes?

O fato da existir a culpa, a imprestável culpa?
A minha culpa?
Que digo minha, que tomo para mim?
Numa tentativa de quase assalto de bens alheios.

O que odeias em mim?
Diz-me, não sei adivinhar.
Certos jogos as crianças não aprenderam a jogar.

23 de novembro de 2009

Resta

[Ouvindo O Teatro Mágico - Não sou Chico mas quero tentar]

O que nos resta?

A mão cravejada de espinhos
das flores que tentamos roubar.

As calças rasgadas pelo vidro
das janelas que tentamos arrombar.

A boca seca, travada
das dores que tentamos sufocar.

A aquarela largada na sala
dos quadros que a gente não quis pintar.

As bocas virgens
dos beijos que nos negamos a dar.

Os olhos cegos
pelo que não quisemos enxergar.

A coragem morta
de quando desistimos de lutar.

O peito manchado de sangue
Das vezes que tentamos amar.


"As nossas condutas tão putas não valem a pena
Que pena, eh, que pena
As nossas condutas confusas nos tiram de cena, ah...
Que pena, eh, que pena

Vou, vou engarrafar essa dor,
Vou engarrafar a saudade
Vou me embreagar de tristeza
Bendizendo ela vira beleza,
Gentileza gera gentileza..."

Fôlego

Ela misturava livros, recados e guardados
com amores e dissabores, com cores,
com versos e flores.

Ela era mistério
a única certeza que nos resta na dúvida
uma certa imprecisão,
uma imprecisa certeza,
um receio, um sobressalto
um desalinho, um desaviso.

Sina nossa, sina minha.
Sina assassina.

Me lembre de manter distância.
Perto de você me falta algo importante,
como o ar ou algo similar.
Perto de você não consigo respirar.

22 de novembro de 2009

Amanhã

Quando você acha que nada de mais estranho pode acontecer no mundo
vem o mundo e fica maluco sozinho.
Alguém me diga o que esperar do amanhã.

"E a colombina só quer um amor
Que não encontra num braço qualquer
Essa menina não quer mais saber de mal-me-quer..."

20 de novembro de 2009

Imaginação che te fa bene!

Alô, alô, planeta marte chamando, planeta marte chamando...


Aqui é Lucas Silva e Silva, falando diretamente do Mundo da Lua, onde TUDO PODE ACONTECER...

Alô, alô, marciano... Se der, dá uma passadinha por aqui pra me pegar... A galera da Terra esqueceu como é brincar... Ficou muito chato olhar tanta gente chata que só faz brigar.

See you!

Ser feliz!

Citando Renato Russo: "Digam o que quiserem, o mal do século é a solidão!"

Não, não estou emocionalmente depressiva, nem depressivamente emocionada.
Estou pasma com a capacidade do ser humano de se esconder dentro de si mesmo - que outro lugar mais seguro se pode encontrar?

Máquinas da mais alta tecnologia desesperadas por felicidade. Máquinas burras - desculpem o termo - que não sabem onde encontrar essa dita cuja.

Sinto lhe informar, mas não, ela não vai cair no seu colo enquanto você fica em casa assistindo sua divertidíssima programação de TV.

Antes de tudo, aprendam a dar as mãos, aprendam a sentir, aprendam a dar e receber carinho. Aprendam a dizer "eu te amo" quando realmente sentirem. E sintam! Se permitam sentir!
Avisem às pessoas que importam para você o quanto elas lhe importam. Não deixem que elas se vão sem saber disso. Porque mais cedo ou mais tarde elas se vão.
Namore, se apaixone, case! Faça um jantar para quem você ama. Abrace. Sorria. Sem motivo. Não tenha motivos! Gargalhe. Conte piadas. Ria de piadas sem graça que seu amigo contou. Ou ria dele não saber contar piada nenhuma.
Quanto ridículo lhe parece a idéia de se mostrar necessitado de alguém? Então um conselho: é muito bom ser ridículo às vezes.

O mundo mudando, a tecnologia evoluindo... Estamos ficando cada vez mais velhos, viveremos mais que nossos pais, muito mais que nossos tataravós, e para que, se estamos ficando cada vez mais sozinhos? Muito mais anos de solidão e isolamento. Quanta diversão.
Ah, mas tem a minha carreira, minhas viagens, meus sonhos. Não tenho tempo, não tenho dinheiro.
Você não está tendo é vida.
Pegue seus amigos e saia por aí, passem uma tarde falando de todas as bobagens que puderem. Por um dia sejam vocês mesmos.

Como diz Annaldo Jabor: "Quem disse que ser adulto é ser ranzinza, um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não pense nele e se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele. Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: "vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".

" Antes idiota que infeliz"


Quero que a felicidade beije minha boca sofregamente, me sacuda pelos braços todos os dias e me dê um sorisso maroto, me desejando bom dia!
Vou sair por aí, vou ser feliz!
Saia do pc, e faça isso você também!

19 de novembro de 2009

Foi-se












Fez-se céu.
A menina fez-se céu.
E foi-se embora num balão
voando pra longe
procurando ilusão.


Nuvem tem gosto de algodão.
Pó de estrela brilhando no chão.
A gente tinha esquecido como era doce sonhar.
Eu já tinha esquecido como era amar.

Fez-se céu.
Largou o chão.

Volta, visse?
Demora muito não.

Menina pintada de céu,
se um dia tu voltar
eu te entrego meu coração.

18 de novembro de 2009

Conquistas

Impossível dizer quando começamos. Talvez tenhamos começado nossa jornada no exato momento em que tivemos o primeiro sonho.
Mas ainda não percebíamos nada. Ainda era algo involuntário, algo inconsciente...

E por isso ainda intocável, imaturo, distante.

Mas sonhos buscados vão ficando mais perto. E sonhos sonhados juntos tornam-se mais bonitos.
E quanto mais perto as vemos - às nossas ambições, mais as queremos. Quanto mais próximo ao toque, mais necessidade.
Quando conseguimos ver sua forma, sua textura, a idealização passa a ter cores, tempos, verbalizações; então nossa ânsia aumenta por conseguirmos reconhecer nossa completa dependência.
Assinamos nossa rendição.
Nos declaramos sonhadores.
Que sabem exatamente onde querem chegar.
Que temem não chegar.
E por isso choram, e sofrem, e lutam. E buscam.
Sempre mais, cada vez mais longe.

Porque quando descobrimos o que queremos, o medo de não conseguir é a pior sensação do mundo.
E o prazer de consquistar é a melhor!

[Obrigada, meu Deus, por me dar forças de buscar meus sonhos, desde sempre, desde o primeiro; obrigada meus pais, por aguentarem meus medos e segurarem minha mão; obrigada meus amigos, por todos os "relaxe, você vai conseguir!"; obrigada Valter e Taci, pelos estudos, pelos telefonemas, pelos desesperos comunitários, por estarem comigo sempre e sempre, e por termos passado juntos, como começamos, só que mais unidos! Sem mais palavras. Só exclamações!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!]

Mestrado!!!

Contabilidade:

Ler quartorze capítulos do Abbas - 2 meses da minha vida e uma paixão por imunologia [alguma coisa você lucra...]
Aguentar Klécia explicando tradução gênica - uma tarde de agonia e a cara de desespero dos seus fiéis companheiros - a sua própria cara de desespero por saber que falou demais...
Aguentar Taci descrevendo os artigos de Saúde Pública - mais uma manhã de agonia
Aguentar Valter explicando genética reversa - desespero pré-entrevista.
Passar a ver Foucault em toda parte do mundo - alguns danos cerebrais irremediáveis
Ler mil e quinhentas vezes os capítulos do tratado de saúde coletiva - mais alguns danos cerebrais irremediáveis
Morrer de medo da nota de inglês, de prova específica e da entrevista - mais alguns buracos no estômago do trio com gastrite (estômago, mas que estômago???)

>>> Passar no mestrado com seus amigos, Não tem preço!!!!!!!!!

Parabéns pra nós!!!!!!!!!
[feliz de até perder a conta do quanto!!!]
Meus textos não vão caber de tantas exclamações!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Pensamento clichê

Porque a beleza está nos olhos de quem vê. Clichês de linguagem falada, clichês de linguagem escrita, clichês de formas de viver. O clichê dos clichês.

Eu na verdade me acho bem clichê, e acho que por assumir isso mereço alguns pontos a menos com muitas pessoas.
Sou clichê porque não consigo ver forma mais bonita de terminar um dia que na beira da praia vendo o sol se pôr. Sou clichê por gostar de MPB, de rosas, abraços e de roda de amigos.
Sou clichê por gostar tanto dessas coisas já tantas vezes ditas, tantas vezes feitas... Sou clichê por gostar do trivial, do simplista.
Afinal as repetições viram clichês. E não imagino minha vida sem eles.

[Se eu um dia não mais ouvir um - eu te amo (afinal o que pode ser mais clichê? Qual o mais repetido, mais desgastado clichê?) eu realmente vou começar a achar que estou no mundo errado].

Acredito realmente que a questão não está no que se diz, mas na forma como é dito. Como as mesmas palavras podem tomar conotações totalmente díspares quando ditas por pessoas diferentes, em dias diferentes.
Porque o clichê da voz embargada de Chico Buarque acompanhada pelo mágica do piano de Jobim transformam a mais consagrada declaração de amor na mais nova forma de se amar.
Porque a voz clichê de Maria Rita, de Gilberto Gil e de Oswaldo Montenegro realmente podem fazer muito bem, mesmo quando repetidas initerruptamente, várias vezes por dia, vários dias por semana.


Salve os clichês!
São milênios de história. Milênios de formas de dizer, e re-dizer, e não dizer. Muitas coisas já foram ditas, não ditas, e deixadas por ditas. Como saber se o que você fala não já foi dito há alguns minutos atrás?

Se alguém quiser inventar uma forma nova de cantar a vida boêmia, de perder a noção da hora, de travessuras em noites eternas, tente uma não dita por Jobim+Chico Buarque.
Tente ser um amante a moda antiga e não se ver refletindo Roberto Carlos.
Tente ser um apaixonado não romântico, tente ser romântico e não ficar louco desvairado, tente ser um poeta que não fala de amor, tente ser um político que não faça promessas.
Tente não ser clichê.
Tente não ser padrão.
Seja o que for, seja original
.

[Que fique bem claro que não defendo as cópias, os plágios e as re-edições. O que defendo aqui é que as frases que todos defendem como desgastadas, assim o são porque realmente causam algum impacto em quem as ouve, por isso se tornaram clichês]


Por isso que sem você o mundo é só sofrimento, e continuamos abrindo com chave de ouro nossas frases de impacto. E antes de mais nada, é importante aparar as arestas que ficam nessa discussão. E vamos a todo vapor, a toque de caixa, fazendo uma atuação impecável. Porque a voz rouca das ruas sempre fala mais alto, e bater de frente quanto à onipresença de clichês nunca vai nos levar a um denominador comum.
Enquanto o mundo se desdobra em calorosos aplausos, carreiras meteóricas, em melhores bandas dos últimos tempos da última semana, vamos vivendo nossa vidinha de sempre, nossa vidinha mais ou menos, brincando com a caixinha de surpresas, trocando figurinhas. Porque figura repetida não completa albúm. Não mesmo.
Via de regra
, dia após dia é a comédia da vida real, a vida como ela é. Com direito a congestionamentos monstruosos e consequências imprevisíveis. Vamos correndo por fora, tentando conseguir nosso lugar ao sol. Dispensamos apresentações. Nos queremos desconhecidos mesmo. Assim evitamos as duras críticas. Mas não as escoriações generalizadas. Não as penas que sentimos de nós mesmos.
Vamos fazendo por merecer. Nossa fonte inesgotável de cópias e reformulações. Gerando polêmica. Acabando em pizza. Nos inserindo no contexto! Procurando a luz do fim do túnel. Que túnel? Onde está esse bendito túnel? A pergunta que não quer calar... Não consigo ver, está escuro demais para eu achar...
Quantas lacunas ainda a preencher? Vamos quebrar o protocolo, não temos tempo a perder. Antes que percamos tudo, cheguemos ao fundo do poço, mediante danos irreparáveis. A família estará inconsolável. Teremos nos destruído com requintes de crueldade. E enfim respiraremos aliviados, por termos cruzado a linha de chegada. Masoquistas que somos. Kamicases, voando em rota de colisão.
Seremos traídos pela emoção. Visivelmente emocionados, teremos conseguido os louros da vitória inglória. Os quatro cantos do mundo, do Oiapoque ao Chuí, terão assistido nosso caminho retrilhado. Tantas vezes trilhado. Tantas vezes refeito. E ainda inexplorado.
E que ruído ensudercedor é esse que escutaremos? Uma sonora vaia da platéia da humanidade? Por termos sido apenas o que todos foram? Termos dito o já tantas vezes dito?
Termos sido o que já foram?

Quem nunca usou um clichê atire a primeira pedra.
Enquanto isso, eu fico aqui dizendo eu te amo & cia LTDA.

16 de novembro de 2009

Beijo

Um beijo.

O primeiro beijo
Tímido, de bocas desconhecidas procurando dançar sem pisar os pés.

Beijo de bocas, e de mãos que passam, que tocam, que reconhecem que apertam, e comprimem.

Mãos e costas que se unem
que se sentem
que se apresentam
desconhecidos um do outro que ainda são.

Iniciativa desesperada de reconhecimento de território nunca dantes visitado.

O beijo destruindo o fôlego, destruindo as palavras, destruindo as divagações.

Teu beijo não sabe perguntar.
Ele apenas explica.

A pequena história de como te esqueci

Vivi com você por anos.
Fiquei te escutando por anos.
Anos te vendo dormir
anos te vendo acordar.

Por anos tentei te entender
foram anos tentando
te sorver
te beber
te provar.

Te enlouquecer.

Anos tentando ter você
absorver você
reconhecer você
anos ouvindo o eco da minha voz
Anos de não saber

Como entrar em você.

Como quem chega em casa e
sem precisar ligar a luz
consegue encontrar cada minúncia
do que é seu,
tentei saber você.

Tentei sentir você
[tuas gélidas e insensíveis mãos]
Teu gélido e insensível tu.
Te vasculhei
Te esquadrinhei.

Anos tentando simplificar você
Simplificar nós dois.
Irracionalizar.


E quando eu fui embora,
não precisei de mais que
um segundo
para entender tudo.

Eu tinha deixado de te amar.
Mas já faziam anos.

15 de novembro de 2009

Estrelinhas


Porque sempre que anoitece,
e me falta coragem...

Eu olho pro céu
e conto as estrelas.



Para cada vitória que eu tiver na vida, pendurarei no céu uma estrelinha novinha em folha.
Colada assim mesmo, com papel celofane e cola bastão.
Vou encher o céu de sonhos.
E um dia terei minha própria constelação.

Se se morre

De que morte se vive?
Que tipo de vida mata?

Se morre quando se quase vive. A vida vivida ao lado da morte de cada dia. A morte nossa que nos mata em vida.
E se vive enquanto a chama não apaga. Se vive? Se morre? Se mata?


Seria o último suspiro o fim da existência? O ponto final da agonia. A pausa no relógio do tempo.
Mas os ponteiros não param. As horas se arrastam. Te arrastam. E te levam. Te acabam.

E o que te resta? Você desiste, se entrega, e continua o caminho meio morto, semi-vivo, respirando o pouco ar que te sobra no esquadrinho da tua quase vida.

Quando a morte chega? Quando eu a chamo ou quando ela me leva?

É triste a morte dentro da vida. É triste ver os cadáveres que andam em meio a nós. Embrulhados em faixas, expelindo os odores da putrefação.
Lembrando o pó de que somos feitos. O triste fim de cada um.

Mortos que não esperam ressurreição. Nem remissão. Nem compaixão.
Mortos por opção.

Quando te rendestes, vida?
Vida? Que vida?
Se se morre?
Se me matas?

Vida ingrata. Vida vazia.
O que te resta?

Outra chance.
Quem sabe outro dia. Outra vida. Outra morte.

Quem sabe a gente recomece.
Quem sabe de uma outra forma.
A vida consiga ser vida
Numa outra realidade
menos morta.

Causas Perdidas

Não sou boa em desistir. Sou daqueles que acreditam até o fim, contra todas as possibilidades. Quando tudo parece perdido.

Não sou boa em largar os meus sonhos fora. Não meus ideais. Minhas utopias.


"Nem por você nem por ninguém eu me desfaço dos meus planos... Quero saber bem mais que os meus vinte e poucos anos..."


Mas por vezes a luta é silenciosa. Por vezes só nós mesmos sabemos que ainda travamos nossas batalhas. Por vezes nossas armas de guerra são a lâmina fria das nossas lágrimas, o escudo protetor de um sorriso que mostramos ao mundo.

Muitas vezes o silêncio é nossa estratégia. Silenciamos. E passamos despercebidos por quase todos, e é aí que nos tornamos mais perigosos. O efeito surpresa.

Independente das probabilidades que delimitam causas perdidas de causas vitoriosas, luto todas as minhas guerras com a alma inteira, porque entre vitórias e derrotas está o caminho que vamos trilhando. E que sempre vale a pena.

14 de novembro de 2009

Embriguez

Há que se embriagar para bem viver.

Há que se tornar ébrio dia após dia, logo bem cedo de cada manhã, para suportar os passos que ficam cada vez mais ásperos, mais duros.

Há que se entorpecer o cérebro para evitar as dores da vida. Para suportar as injustiças. E as justiças por algumas vezes.

E nesse ponto fico feliz em ser mulher, uma vez que a lenda reza nossa menor resistência à embriaguez. E lamento copiosamente a pena dos tolerantes, dos resistentes, dos imunes... Como lhes deve ser dura a vida nua a crua... A vida que nos arrasta para baixo, nos derruba no chão, caindo sobre nossos ombros como o peso da gravidade sobre a matéria.

Há que se embriagar com o vinho que mais te aprouver: poesia, sonhos, amor. Não importa o combustível. Detêm-te no resultado final de teu intento. Dessa forma, sorve tua taça por inteiro, sofregamente, insaciavelmente.

Desenvolvamos a capacidade de viver os dias entorpecidos nas verdades que criamos para evitar danos a nós mesmos. Sejamos bravos o suficiente para assumirmos nossa covardia. Nossa fuga. Nosso esconderijo. Sejamos bêbados, trôpegos, aspirantes de uma vida que nos quer ser tirada pela aspereza dos dias. Sejamos humanos. Sejamos o que somos. Libertemo-nos. Embriaguemo-nos para que o mundo veja nossa verdade, se quando sóbrios nos acovardamos e nos reprimimos, viramos escravos do tempo, da matéria, de nós.

Aprendam essa pequena lição. E me dêem minha taça de poesia cheia até transbordar, que hoje o dia amanheceu cinzento demais...

Mudanças no Blog

Um pequeno comunicado aos parcos leitores que ainda me restam (aqueles que por algum motivo ainda não foram espantados pela chuva, pelos ventos e pela pouca qualidade literária dessa aprendiz de escritor):


Tempo de mudanças no Blog.

Aos mais atentos, venho destacar que um marcador foi excluído. "Boas Idéias", lugar onde eu postava textos de outros autores, com os devidos créditos, foi "transportado". Agora eles serão todos postados no meu outro Blog - Entre.aspas, e aqui ficarão apenas os textos de minha autoria.

Assim, se vocês quiserem ver a literatura de qualidade, entrem no Entre.aspas, e os que por algum motivo ainda resistem aos redemoinhos da minha suposta inspiração, leiam o Entrelinhas.

E fica assim tudo bem dividido, cada coisa em seu lugar!

13 de novembro de 2009

Bankroll


A vida como num jogo de poker.


Para conseguir o que você quer você tem que pagar o preço. Risco para o benefício. As melhores cartas que se pode ter.

Poker é habilidade, não azar. Poker é entender o que as apostas querem dizer. Quem tem mais a ganhar quase sempre é quem tem menos a perder.




Ele não entende as regras.

Ele não gosta de perder.

Não sabe jogar.

Não quer apostar.

Ele quer ser o dono da banca.

Controlar o baralho.

Dar as cartas.



Flup, Turn, River.

Royal flush.

Sorte de principiante?!?

Ele não sabe jogar.
E mesmo assim SEMPRE consegue me ganhar.

Eu acho...

-Sabe o que eu acho, Amélie?
-O quê?
-Que eu me apaixonei por ele... Porque ele é assim o cara mais legal do mundo, e quando ele ri me dá vontade de rir também, e eu ficaria ouvindo as histórias dele a noite toda, e quando ele fica com raiva de mim me dá vontade de chorar. Ah, e tipo, ele é o cara mais inteligente que eu conheci na vida também, e nem se esforça tanto assim pra isso.
-Oh, Deus. E agora?
-Agora? A gente senta e espera que passe. Esse negócio de realizar impossíveis é um pouco demais pra mim.

=D

Peso

Carrego hoje o peso da lua
e de uma paixão mal curada.
Eu ia passar o dia costurando nuvem
Mas acordei, nem levantei nem nada.

11 de novembro de 2009

Nossa peça

E o que nós estamos fazendo aqui, afinal?
Quem apagou a luz do cenário teatral?




Liguem os refletores, rufem os tambores,
Comece a comédia da vida real!

Vida de superfície.
De que valem os interiores? Dá muito trabalho parar e olhar.
Ninguém demora mais que dois minutos.
Pra que o tempo, pra que a demora, pra que ficar?

O que de bom você tem aí pra me dar?
Fala logo, tô com pressa, não dá pra esperar...
Se demorar, a fila anda, não vou ficar.
Não vou ficar.


Ou melhor, só dá pra ficar.
Não dá pra sonhar, não dá pra amar.
Eu quero sentir. Agora, já!
Que me importam os que vêm por aí?
Nesse instante, pra cá!
Eu não quero demorar.


Vida banal. Vida banida.
Condenada à cadeia do Eu
Eu posso, eu faço, eu quero
eu sou!
E de que valem os nós?
Desfaçam os nós.


Dêem espaços aos Eus.
Eus viciados, drogados, condenados
fumando solidão aos maços e maços.
Vida tragada aos maços.
Amassos.


E o que se fizeram dos seus?
Quem ficou com os meus?
Quem ensinou esse jeito novo
de se não se apegar?
A gente nem viu a hora passar...
Impessoou a vida.
A gente desistiu de sonhar.
Que prazer você pode me dar?


Agora não dá.
Vou te ensinar.
Deixa pra lá.
Quem sabe outro dia, outra hora,
qual a diferença que isso faz?
Mais cedo, mais tarde,
Tanto faz, tanto faz.


E a gente vai vivendo a vida
cada dia mais perdido
no meio da multidão
de atores contratados,
mal remunerados
classe operária da dissimulação.


A gente esqueceu como é viver
a gente veio olhar o palco se acender
Assistir a vida de camarote
A gente fecha os olhos nas cenas mais fortes.
Finge que não vê, finge que não vê.


A gente veio ao mundo a passeio.
Se complicar, ano que vem
as férias são em outro lugar.
A gente aprende fácil.
O que o dinheiro não pode comprar?


E sou eu no centro do palco?
Rosto pintado de branco,
nariz redondo vermelho.
Fazendo rir quem assiste
a peça do mundo inteiro?

Só porque não sei brincar
desse jeito novo de se relacionar?

Qual a graça dessa peça?
Não há! Não há!

10 de novembro de 2009

Ela, noves fora, nada.

Meu bom amigo,


O que mais te assusta?


O sorriso fácil, o vestido claro,
ou os olhos, ou as histórias
ou seria alguma coisa na forma com que ela fica nervosa
sempre que você implica com ela?



O sol iluminando os cabelos claros?
ou a mulher menina que você não entende?
aquela tristeza nos olhos de quem mente
uma dor com um sorriso em cada mão?



Te assusta a independência, ou a irreverência
o não precisar, não depender, misturado
àquela forma tão necessitada de viver
e de cantar e de amar e ser feliz?


O jeito que ela sai de si
e cura o mal, e te faz sorrir
e transforma brisa leve em tempestade
e dia sem graça em novidade?


Assusta chegar perto, ou assusta ficar longe?
A falta de contato, ou medo da solidão?
A angústia de ir embora
ou o medo de ficar?


Ela te assusta. Inteira e por completo.

Ela, noves fora, nada.

O que te sobra é menor do que o que te falta.

9 de novembro de 2009

Par perfeito

A primeira crônica do blog!!!!
^^


Mais cedo ou mais tarde, conversa de gente solteira dá na pergunta: e tem alguém perfeito???

A relativa aparência de felicidade plena e completa dos casaizinhos por aí acabam fazendo a gente esquecer dos pequenos altos e baixos de qualquer relação. Porque não adianta. Não dá pra sorrir 365 dias por ano. Temos que contar sempre com as finais de Campeonato Estadual, aniversário de sogra e semana de TPM. Sim, haverão constrangimentos, e alguns desentendimentos que os casais mais educados chamarão de "discutir a relação", e os mais nervosinhos resumirão a agressão física e verbal pura e simples.
O fato é que a humanidade vive atrás da bendita perfeição. O cara com o sorriso perfeito, com o cabelo perfeito, os dentes no lugar, com o jeito atraente, que se vista bem, use aquele perfume que você adora, que tenha uma conversa bonitinha, que goste das coisas legais que você quer fazer, ou como diz uma amiga minha, "o cara que tenha a pegada"... Deixe-me ser grossa: Não vai achar, meu bem... Pelo menos não alguém que junte isso tudo aí. A matemática é clara. Já tem muito mais mulher que homem no mundo. Agora pare e pense: quantas mulheres bonitas você conhece? E quantos homens a-la Brad Pitt? É fato. A genética não é tão aleatória assim. Existem padrões que definitivamente não são herdados de forma randômica.

Acredito que o problema está na nossa concepção de perfeito. Ficamos procurando o padrão geral de perfeição, o que o mundo rotulou de bonitinho, ou ainda criamos nossa própria visão idealizada, e passamos a vida procurando por isso, como se andássemos na prateleira do supermercado procurando o produto que vimos no comercial da TV.

Não vim aqui defender que não existem pares perfeitos. Acredito que existam sim, e até conheço alguns para provar. O que venho defender é que perfeito não é o que cai no colo, é o que a gente constrói. Aos poucos. Pode ser uma coisa de um momento, ou alguma coisa de uma vida inteira. Perfeito é aquilo que nos faz bem, e a gente nem sabe porque. E começa a precisar daquilo como num vício, como num jogo. Perfeito não é porque não tem defeitos. Perfeito é porque é aquilo que a gente precisa. Precisa ali, naquele momento, naquela hora. Se for pro resto da vida a gente descobre depois.


O amor da sua vida não vai ser impecável. Nem você seria mais feliz com o galã da novela das nove.

O amor da sua vida vai ser algo complicado, atordoante, confuso, nada fácil, alguma coisa que te faça querer virar do avesso. Isso definitivamente não consta no dicionário como definição de perfeição. Mas é exatamente toda esta confusão que corresponde a melhor sensação que você pode ter na vida, e isso sim é perfeito. Você não encontra alguém igual a você e é feliz. Você encontra alguma coisa que encaixa com você, e é feliz. Não é pra ser igual. É pra ser complementar.

Tá bom, tem que aparar umas arestas quase sempre. E fica uns espaços sobrando, outros faltando. E isso assusta. A compatibilidade do incompatível amedronta de verdade. E muita gente boa não aguenta o tranco. E volta a procurar por aí o par perfeito que na verdade vai ser tão imperfeito quanto todos os outros.

A diferença é que tem alguém que chega bem perto do que é perfeito pra você. E vale a pena ter isso do seu lado, nem que seja por um dia, ou por uma vida.

E depois???

E depois
Que você escalar a última montanha,
Vencer o maior medo,
Conquistar o melhor prêmio,
depois de ganhar o mundo...



O que virá depois?
Qual a próxima coisa que você vai querer?


[acho que já vai estar bem longe daqui para perguntar a mim]

8 de novembro de 2009

Tomara

Tomara que eu amanheça
teus olhos até o fim da vida.
Como o sol a me queimar a pele
seja teu sorriso a me cegar a vista.


Tomara que eu anoiteça
com teus beijos, teus desejos,
tuas angústias sem porque.
E que seja meu batom a caneta
com que me escrevo em você.


Tomara, meu Deus, tomara...
Que sejas meu durante o ano inteiro.
Entre janeiros, carnavais, maracatus, bacamarteiros,
luzes e fogueiras de São João.
E que todos os anos de toda uma vida
Se sucedam na mesma repetição.


Tomara, meu amor, tomara...
Que tudo que nos separa
não seja mais que fogo de palha,
não seja mais que dissimulação.


Tomara, meu bem, tomara...
Que no fim do dia você chegue
me dê um beijo na cara
Me abrace com força
e cale esta boca
que não tem o que fazer
Enquanto você não chega, enquanto você tarda.


Tomara, meu Deus, tomara.

7 de novembro de 2009

Deixa soprar...

"E como será? O vento vai dizer lento o que virá, e se chover demais, a gente vai saber, claro de um trovão, se alguém depois sorrir em paz.
Só de encontrar..."


Vento no rosto
Tocando na pele
Carinho de leve...

Vento no cabelo
Vento nos pensamentos.
cabelo nos olhos, na boca,
no nariz, nas idéias.

Embaraçado de cabelos.
Trançados, complicados, confundidos.
Revoltados, embaralhados, misturados.
Livres. Presos no moinho de vento.


Cabelos ao vento
Vento nos cabelos.

E essa vontade de não ir embora nunca mais.


"Parece até que o vento traz o sentimento...
Pro vento que traz sofrimento
Que sopre pra outro lugar!
Pro vento que traz amor
Não vejo a hora de você chegar."

Pequeno ensaio sobre a solidão

Era uma tarde de novembro.

Só por ser novembro já ficava tudo triste. Ela não conseguia achar nenhum mês que parecesse mais triste. Ou talvez fosse apenas a tristeza dela que deixava o mundo lá fora meio macambúzio. Engraçado que quando ela ficava triste sempre chovia. Chovia por que ela estava triste, ou ela estava triste por que chovia? Ela realmente não sabia dizer.

Ela foi até a praça do Diário, um lugar bonito para pensar, pra escrever. Para ver a cidade, sentir as pessoas. Sentou, esperou, e nada aconteceu.
Foi até o cinema, e nada.
Saiu para uma volta de carro, e só o nada andando ao lado dela, tomando um café no fim de tarde e comentando sobre o livro escolhido às pressas na livraria.

Ela caminhando no calçadão no fim de tarde pela Avenida Boa Viagem; correndo até, virando meio mundo... e nada, absolutamente nada parecia se mover.
Nada saia do lugar. A perfeita imutalidade do universo que assombra aqueles que esperam apenas a hora em que algo acontece [ou deveria acontecer].

E por tanto esperar esse tempo que nunca passa, essa hora que nunca chega, esse sorriso que nunca lhe sorria, por estar sempre sozinha, sendo seguida de perto por esse nada insistente, ela, por essência uma criatura que não conseguia ficar calada, acabou ficando amiga do nada.
E foi esse mesmo nada quem os aprensentou. Ficaram amigos. Ela e a solidão.

A solidão sempre a assustou, então no começo foi difícil. Elas não confiavam muito uma na outra. Havia um quê de assustador naquilo tudo. Mas elas foram se conhecendo melhor, e agora já não tinham mais medo uma da outra. A solidão pode ser doce, às vezes. E sincera quase sempre. Uma boa companhia para horinhas de descuido. E ficaram boas amigas. E trocaram figurinhas, e assistiram novela, e comeram brigadeiro de panela enquanto viam filme locado no fim de semana. E assim foram alguns dias se passando.

Mas, apesar de tudo, uma certeza ela tinha: não ia querer andar com a solidão para sempre. Um negócio meio previsível, mais cedo ou mais tarde elas iam enjoar da cara uma da outra. Hora ou outra ela ia fazer as malas e partir. Pra longe da solidão, do nada e de todo o resto.

Mas por enquanto, ali era tudo que ela precisava ter. Um pouco de si mesma para variar.

Sou feita de quê?


“Inteligência é aquilo que fazemos quando não sabemos o que fazer” [John Holt]



Se tenho uma coisa para fazer e não faço,
Se eu tenho uma idéia e não passo adiante,
Um plano mirabolante que não executo,
Um sonho que não corro atrás,
Tudo isso por livre arbítrio, vontade própria, decisão voluntariamente construída...


Isso faz de mim uma irresponsável ou uma criminosa?


Alguém que desiste fácil, desatento, desleixado
ou um alguém se usurpando de si mesmo?

Tirando de si o direito de ser o que é?

Se tenho milhões de facetas, por que mostrar apenas a mais facilmente aceitável?
A mais facilmente elogiável? Reconhecível?

O que faço com as mais escuras, as mais deturpadas, as mais sombrias, as mais deslocadas, nem tão virtuosas?

Varro tudo de mim que não mereceria aplausos para debaixo do tapete felpudo da sala. E torço para ninguém tropeçar nele. Não levantar a poeira de desejos mal acabados.

Minha consciência está me dando gritos por isso. Alguém a mande calar a boca, ou me convença a começar a ensinar certos dragões a nadar.

5 de novembro de 2009

A flor

Será que a flor,
em meio a todas as suas preocupações de ser flor,
ser perfume, ser essência,
ser pétala e ser cor,
enquanto se esvaem os dias
e secam as folhas,
a flor percebe-se flor?

E por não saber-se flor,
e por não conhecer-se assim,
ela é menos flor por não dar conta do que é enfim?

30 de outubro de 2009

Entretantas, eu

No meio de uma conversa despretensiosa, acabei descobrindo o quanto não sei de mim.
E o quanto sei e não mostro a ninguém...


No meio de tudo, de toda gente, de toda forma de auto- e desconhecimento,

acabo sendo metade incompleta, o avesso de tudo,
uma parte desencontrada, carta perdida do baralho,
ou separada,
ou aleatoriamente recolocada.


Eu não sei quase nada de mim.


O que importa é, que entre o pouco mais de seis bilhões de seres humanos,
eu sou mais uma, fazendo um pouco de diferença na vida de alguns (muito) poucos.

Estou amando, porque uma vida sem amor não pode ser vida.
"E ando a amar assim, a toda gente, perdidamente"
Estou escrevendo, porque eu sem escrever não sou eu.
Estou biomedicando, porque meu cientificismo ainda é o meu lado mais à amostra.


São minhas pequenas certezas.

Mas, o que me falta?
Descobrir todos os outros lados,
as outras poses,
as outras faces que tenho,
que talvez até você veja melhor que eu.

Tentando apenas ser
No meio de tantos desencontros,
tantos rostos, tantas formas,
tantos mundos, tantas gentes,

Entretantas,
Eu.

Essa parte indefinida que vai metamorfoseando pela vida.

Algoritmo para chorar

Meu amigo,

Ontem chorei. Chorei como há muito não chorava. E não me pergunte por que chorei. Não sei aonde dóia. Apenas doía.

Fazia muito tempo que eu não derramava nenhuma lágrima, e aí talvez a angústia fosse mesmo pelo desespero de saber se eu tinha esquecido como fazer.

Apertar os olhos, comprimir o peito, soluçar um pouco, nada muito embaraçoso, nada que chamasse muito a atenção... Eu tinha o algoritmo perfeito. Só não conseguia executá-lo. E tentei algumas vezes nos últimos tempos. Mas não houve beijo de novela, velório, briga com amigo, nada que desencadeasse a reação.

Queria apenas umas lagrimazinhas escorrendo no rosto. A quenturinha reconfortante, o gosto de sal na boca. Não precisava nem de platéia. Não precisava nem de consolo. Eu queria só lembrar como era. Mas, talvez isso fosse só uma desculpa que inventei pra poder chorar e dizer que não tinha motivo nenhum pra isso.

Não havia razão para dor. Mas nem sempre as dores tem razão. Muitas vezes são irracionais mesmo. Meio bestificadas. Dúvidas sim, havia muitas. Mas quem precisa chorar por dúvidas? Para dúvidas se procuram respostas, não se pede para chorar.

E agora, além de tudo, acabo querendo me dizer pelo que se chora ou não.

Tem dias que é apenas a dor que se sente. Uma dor doída e sem razão. A gente nem sabe aonde dói. A gente não sabe de onde veio, se de fora, de dentro, do mundo ou de nós.
E dor desconhecida é a pior dor do mundo. Porque vira uma dor sem remédio. Para ela, não há palavra, não há carinho, não há consolo. Não se sabe o que combater, não se sabe como exterminar.

Uma dor que dói por se saber dor.

E tinha isso tudo preso na garganta, doendo mais por não conseguir chorar.

E aí veio a primeira lágrima, a segunda, e as outras vieram seguindo fácil. Como se estivessem ali apenas esperando por isso. Um choro feliz. O primeiro choro feliz da minha vida.

Um choro de quem acaba de descobrir que não esqueceu como é ser humano.


Saudades grandes de você.

28 de outubro de 2009

Envelhecer

- Amélie... Como é envelhecer??? Comecei a imaginar como vou ficar daqui a uns anos...

_ Flor, vai ser ao mesmo tempo tudo igual e tudo diferente.

- Adoro quando você me explica as coisas sem me explicar nada...

_Bem simples: você vai ser a mesma essência, mas sua cabeça vai ter o acúmulo da experiência de mais alguns anos que agora. Sua alma vai ter a mesma disposição, a mesma vontade de viver... Mas seu corpo não vai mais acompanhar o ritmo do seu espírito, mais cedo ou mais tarde.

E isso pode doer um pouco... Mas um espírito jovem é o que vai manter a vontade de levantar pra ver o sol todos os dias, mesmo que você nem precise mais levantar tão cedo como agora.
Todos os seres humanos vão ser iguais, terão os mesmo sonhos, as mesmas buscas. O mundo ainda vai continuar evoluindo. Novas invenções. Novos passeios pelo espaço. Mas seremos todos diferentes do que somos agora. Nossos bisnetos vão nos achar tão antiquados quanto achamos retrógada a década de 40. Algumas coisas vão voltar, algumas vão ser novidade, algumas vão embora para nunca mais. Algumas vão virar piada mesmo.

Enfim, minha flor. Tudo igual e tudo diferente.

Só tem um problema sério em envelhecer. Chegar lá sem ainda ter visto a vida.

Então pare de pensar como vai ser amanhã, e comece a fazer coisas hoje para ter do que lembrar mais tarde.
Porque quando todos os seus músculos, ossos, olhos e articulações falharem, são as suas recordações de agora que vão fazer suas tardes valerem a pena.


Parce que la vie nous prenons le cas que nous avons à raconter.

Querência

Era fim de tarde já. A luz do céu naquela misturinha de azul e carmim, parecendo que Deus tava preparando a tinta da aquarela, misturando as cores, misturando os tons.
E era Tom Jobim cantando naquele elepê que nunca cansava de girar... e ela realmente não estava vendo o tempo passar. Perdeu a noção das horas. Perdeu a razão das coisas.

Apenas sentou naquela poltrona onde antes havia sentando seu pai, e antes seu avô. Sentada olhou para fora, pela janela, e viu a vida, viu a tela. Viu de onde veio e até onde chegou.

Esqueceu das horas. O dia virou noite. A noite virou dia. A menina virou moça. A moça virou mulher. Mas a mulher ainda era menina. A menina que às vezes queria chorar. Queria voltar pra casa. Queria o colo da mãe. Queria as rodinhas da bicicleta, para garantir que ela não ia cair.

Mas não lhe deram rodinhas de bicicleta.

E quando ela percebeu que não mais as teria; que tem coisas que simplesmente não podem ser nossas, porque não devem ser nossas. E que sem essas, a gente tem que só levantar e seguir a vida. Sem rodinhas. Porque não dá pra simplesmente largar a bicicleta. Não depois de já ter andado até aqui.

E quando se deu conta da falta de rodinhas ela fechou os olhos e voltou a ouvir Jobim. O disco que não parava de tocar. E a poesia perfeita, a rima perfeita... o dueto com Chico foi tomando conta de tudo, entrando por cada fresta, por cada poro, e a métrica foi entrando em compasso com a respiração. E era tudo uma coisa só: sentimento e melodia. Construção indissociável. A mais nova composição de Jobim. Que nunca veio a ser divulgada.

Era Copacabana, o sabor da paixão, o café em Ipanema, um raio de sol tocando a pele, o piano levando as águas de março... Tudo dentro da moça bordada de flor, do bolero, dos anos dourados... Retratado na fotografia, nos versos banais, nas afobações. Em juras nunca ditas, confissões declaradas no gravador de fita cassete.

Um fim de semana, um chopp gelado, andar pela praia até o Leblon... Cantar a vida, anotando cada acorde num rascunho bem limpo, pra mais tarde escrever uma canção...
Uma canção falando de amor, de sede de vida, de saudade do mar, de bossa nova.



Quando ela acordou, a vitrola ligada já não cantava nenhuma nota. O céu não era mais mistura de aquarela. Não havia mais calçadão, nem piano, nem o silêncio da poesia que não precisa ser declamada. Era a mesma vida de antes. A mesma rotina metodicamente controlada. A mesma mesmice insossa.

Então ela começou a sussurar uma canção baixinho. Não sentia mais falta das rodinhas. Ela descobriu. Não sei o que ela encontrou em seu sonho de bossa nova. Mas seja lá o que foi, colocou um sorriso no rosto dela, e um raio de sol em seus cabelos.

E, a partir de então, todo dia era como aquela manhã caminhando até o Leblon. Sentir a vida entrando em você como a luz do sol ficando mais forte, mais descabida, desinibida.

Um querência sem fim de ser feliz.

Os malefícios da leitura

Hoje vim fazer uma denúncia à comunidade. Uma coisa que acho que muita gente nem percebeu, e quem percebeu achou melhor nem divulgar...

Parem de ler! Parem de ler imediatamente!


A leitura pode trazer consequências irremediáveis ao seu desenvolvimento e relacionalmento psico-social.

Criançinhas que lêem são as primeiras - e talvez as mais afetadas vítimas. Com a leitura, acabam se tornando adultos inconformados, revolucionários. Dados revelam que noventa e nove por cento dos leitores infantis, ao crescerem, acreditam realmente que o mundo devia ser diferente. E pior: Dentre estes, 60% acreditam que podem mudar o mundo. A leitura gera seres incontrolados. Com uma consciência de seus poderes ilimitada. Uma liberdade excessiva. Assustadora. Seres perigosos.

A leitura gera inconformados. Que vêem uma realidade que foi tão ardilosamente mantida escondida por trabalho de tantos durante milênios...

Gera pessoas com síndrome do pânico. Pânico do mundo medíocre. Ordinário. Mesquinho.

A leitura gera mocinhas que acreditam que existe príncipe encantado e cavalo branco. Mulheres que vão viver uma vida em busca de um amor perfeito. Esperando nas janelas, com seus livros em punho, pela serenata que nunca vai chegar. Sonhando com noites de baile, pedidos de casamento, vestidos com saias rodadas, torres de castelo, maça envenenada e sapo que vira princípe. [Minha filha só vai ler Machado de Assis depois dos dezessete, quando já tiver descoberto que tipo de homem anda por esta Terra...]

A leitura leva ao sonho, a fantasia, a devaneios irreprodutíveis em nossa mundo real e concreto. Portanto geradores de frustações. Em casos graves, a leitura leva ao suicídio. Se não do corpo, da alma.

Venho rogar pelo banimento deste mal da humanidade.

A leitura afasta as pessoas da sociedade. A leitura torna suas vítimas incapazes de suportar um mundo insosso, desenxabido. A leitura crônica tende a levar seus dependentes ao isolamento. Medo da incompreensão. E ao medo da solidão. Um paradoxo insolúvel.

A leitura é obscena. A leitura revela íntimos, expõe ao mundo universos particulares. A leitura é a devassidão da sociedade. Onde todos nos tornamos únicos. Identificamos nossas histórias. Nos auto-retratamos e auto-reconhecemos nos outros. A leitura deve ser imediatamente combatida.

Num mundo sem leitura, sem livros, sem histórias, morreríamos felizes na nossa ignorância. Não perceberíamos os grilhões que nos prendem. A falta de luz à qual nos submetem (premedidatamente para ainda mais piorar as condições de acesso às letras). Teríamos dias rotineiros, atolados em trabalhos habituais. A força de produção seria muito maior. O mundo capitalista estaria longe de uma crise. Estaríamos no auge da produção de capital, pois seríamos só nossa cegueira estúpida, jamais influenciada por pensamentos. Para que pensamentos? Para que gastar o tempo com possibilidades?
Jamais conheceríamos o limite das nossas possibilidades, e então jamais nos frustaríamos por não tê-lo atingido. Jamais conheceríamos o limite do prazer, da loucura, da insanidade. Seríamos mais saudáveis. Provavelmente nossa expectativa de vida aumentaria enormenente. Exemplo seja dado dos escritores românticos nacionais. Todos sofreram de mal do século. Todos mortos na flor da juventude. O que todos tinham em comum? Os livros, as letras, o direito iluminador e um amor platônico - decorrente de leituras de amores platônicos.

A leitura, meus caros, gera a loucura. Que o diga Dom Quixote e seus moinhos de vento.

Confisquem os livros. Fechem as editoras. Fechem as livrarias. Impeçam as cafeterias de permitirem leituras acompanhadas de capuccino nos fins de tarde - uma mistura também comprovadamente fatal para as relações humanas.
Impeçam a entrega de livros nas escolas. Proibam os pais de lerem livros para seus filhos dormirem. Não criem monstros. Não desenvolvam em seus filhos um gosto censurável pela comédia, pelo drama, pela fantasia, pelo irreal. Não estimulem a criatividade, a curiosidade. Não criem uma geração de incorformados.

Novas fogueiras de inquisição em praça pública! Para queimar os livros, todos eles. Esses mecanismos geradores de sonhos, de iluminação, de políticos que combatem a corrupção, de seres humanos socialmente comprometidos. Geradores de revolução!
O mais grave crime da leitura é pura e simplesmente gerar seres humanos.


Venho então avisar a todos. Como o mal ainda não está dissemidado, sendo praticado por tão poucos, os malefícios ainda estão sendo suprimidos por todas as convenções trazidas pela novelas das nove, pelos RPGs e pelas promoções de minutos ilimitados nos celulares. Mas isso não vai durar muito tempo.
A leitura é um mal de disseminação lenta, mas potencialmente crônico. Uma vez infectado, o indivíduo portador desenvolve sintomas da inconformação pelo resto da vida. E não há cura. Não há tratamento.

Fechem os blogs, confisquem as datilográficas e os computadores. Fechem os jornais, as prensas. Os cartunistas devem ser detidos, junto com os romancistas, os cordelistas, os colunistas...

Salvem o mundo que conhecemos.

PS.: Podem deixar abertos os twitters, as revistas de celebridades, disseminem a programação da TV aberta "de qualidade". Esses não oferecem risco algum à sociedade.
Fico feliz em ver os conformados em ler 140 caracteres escritos por desconhecidos sobre suas atividades diárias. Updates, flashes a todo momento sobre como foi legal ir ao shopping, ou o que o indivíduo acabou de almoçar... Inutilidade em tempo real. Isso realmente não pode causar nenhuma forma de revolução mundial. Ao contrário. Faz o serviço de "ignoratização", colaborando a nosso favor.
O mesmo para quando informamos a população sobre o que está havendo na Ilha num sei das quantas, onde todos os popstars estão reunidos para um chá de fim de tarde... (chá???)
A TV é um caso a parte. Não é só porcaria que encontramos, então bom prestar atenção na classificação indicativa.

Seguindo

Às vezes a gente nem percebe.

Quando vê já está mudando o foco.

Quando percebe já está olhando para o outro lado. E muda o rumo mesmo. Muda a opinião, o conceito, a visão.

Mesmo quando a gente nem planejou, nem mirabolou, nem nada...

A gente só seguiu o fluxo das coisas, e veja só aonde a gente foi parar.



É fato meus caros: O universo tende ao caos.

26 de outubro de 2009

Minha vontade

Minha vontade tem nome.
Nome e sobrenome.
Minha vontade tem os olhos mais castanhos que eu conheço. E as idéias mais loucas.
Tem um sorriso esperto, de quem sabe da vida... Uma vontade engraçada. Minha vontade me dá vontade de rir sem parar (por mais redundante que isso possa parecer).

Minha vontade tem todas as impossibilidades que podem existir. Minha vontade carrega consigo todos os não, todos os nunca, todos os talvez, todos os ais, os quase e os senão.

Minha vontade é louca desvairada.
Tem hora que fala mansinho... Tem hora que grita pro mundo. Minha vontade é no mínimo inconstante. E me faz bem nunca ser a mesma coisa.

Vontade de louco é assim mesmo.
Sai louca também.

Minha vontade gosta de me tirar o sono. Minha vontade gosta de se mostrar todos os dias. De me lembrar onde ela está. E de como não está. Minha vontade é uma miragem de deserto a me torturar.

Minha vontade nem é minha. Nem vai ser.
Mas se a gente não vive de vontade, de que é que a gente vai viver???

Arrufos

Menininha triste com olhar de infinito,
se eu pedir desculpa,
se eu pedir perdão,
você perdoa eu???
Você vem pra mim???

Perdoa eu, vá... perdoa o menininho...
Diz que perdoa, me dá um sorriso,
me faz um carinho.
Perdoa eu, vá... Perdoa eu...


Menininho bandoleiro,
digo não, perdoo não.
Porque eu digo que perdoo, e aí vem você e faz tudo de novo...
Diz que ama e é tudo ilusão.
Não sei o que você quer,
se tu vem ou se tu vai,
o que tu queres da vida...
Menino mau, sem coração
Maltrata e pede perdão, maltrata e pede perdão...

Perdoo não, menininho bandoleiro,
Perdoo não, que se eu te perdoo,
vem você e tenta de novo.
E da próxima vez eu te acredito mais não.



Menininha triste com olhar de infinito,
daqueles que cabem o sol, lua, estrelas e mais um monte de mundo
Menininha dos olhos de esquecer nunca mais,
então pode ter uma próxima vez???
Então ainda há esperança, menininha que gosto tanto?
Posso tentar de novo?

Posso tentar de novo, minha flor?
Saudade das tuas complicações,
saudade do teu cheiro,
saudade de tu, meu desejo... saudade de tu...
Se tu me quiser, se a gente puder
a gente arruma uns trocados,
a gente vai ver o mundo
Esquece de tudo, dos quase e dos senão...

Se tu deixar, menininha, eu juro que faço mais não...


Menininho bandoleiro,
do sorriso que não sei esquecer.
Sou eu que juro que ainda vou arrumar um jeito
de deixar de te querer...
De deixar de sentir saudade...
Arrumo um jeito de te esquecer.
Vou embora desse mundo, te deixo aqui só,
sem olhar de infinito e sem nada.


Faz isso não menininha,
faz isso não, meu querer bem...
Se você for que vai ser de eu?

Promete que volta, promete que cura
esse medo do escuro, esse medo do sozinho
esse medo de ficar sem tu
essa febre de noite, essa febre de dia...

Aperta o peito, aperta a boca,
dói o coração, sangrando mansinho
saudade de tu, menininha...
saudade de tu.

Sem tu eu fico sem rumo
fico sem prumo
sem eira nem beira
caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento...


Perdoa eu, vá...
só um pouquinho, só um beirinha, um tiquim, de ladim...

Importa se for muito ou pouco não...
Sem tu é que não dá pra ficar.