Aos que tentaram me destruir.
Desfaço em silêncio a mala. A porta deixei aberta, entreaberta. Mas ninguém vai entrar, nem partir nem chegar. Estou só, como comecei, como quase sempre caminhei, pois é assim que escolhi terminar uma jornada.
Os sonhos perdidos, aonde larguei? Não trouxe comigo. Extraviou-se no caminho a mala dos sonhos um dia vividos. Cheguei trazendo apenas uma pequena valise com o mínimo necessário para uma existência: a dignidade, o orgulho e um resto de esperança. Desta última trouxe pouco, não achei mais quase nenhuma. Trouxe tudo que tinha. E mesmo assim é quase nada.
Os amores eu mesmo lancei fora quando resolvi partir. Tem pesos que não se pode carregar. E meu peito já estava arfado de saudades. Saudades que ocupam muito espaço, que fazem muito volume, que são pesadas demais para um viajante solitário. Não havia lugares para amores. Amores exigem partilha, renúncia, e eu atingi um estado em que tudo que tenho é de tal forma necessário à minha existência miserável, que dispor de divisões poderia excrucitar algum pedaço essencial da construção do meu ser. Então não quero amores porque ainda quero a mim inteiro. Mesmo que eu saiba que de mim agora só há pedaços.
A nova casa parece adequada para uma nova vida. Pequena o suficiente para acolher um homem devorado por solidões muitas.
A poeira está por todos os lados. E as teias de aranha combinam com minha mente há tanto tempo pouco produtiva. Me sinto quase em casa. Testo ligar a lâmpada, mas não há eletricidade. Acendo a única vela já meio gasta que encontrei numa gaveta de um velho cômodo empoeirado. A luz taciturna trepida sobre o papel embotado que uso como carta pra te escrever agora dizendo que cheguei, que estou vivo, quase vivo, ou quase morto. Eu não sei. Estou escrevendo porque...Nem sei o porquê. Ou sei. Apenas pra te dizer que isso, o melhor de mim, isso você não conseguiu corromper.
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