19 de junho de 2010

Parto

Preparo um poema
como quem arruma um quarto
olho em cada canto
aprumo cada quadro
num trabalho interminável
recomeçado a cada dia
em cada canto,
em cada quadro.

E espero seu fim
como quem espera o parto
com dor, com ânsia
desejo vê-lo pronto,
nascido, perfeito
sorrindo
recém-saído meu nanquim procriador.

Escrevo um poema 
como quem prepara um perfume
escolhendo essências doces
e aromas acres.
Um processo de alquimia.

Escrevo um poema
como quem planta flores
sujando as mãos no barro
esperando botões em flor.

Não preparo um poema perfeito
não calculo meus versos,
não metrifico
não me limito
[não sei comedir].

Não vou me render à objetividade.
Não há literatura denotativa
somos subjetivos todos:
eu ao fazer
você ao ler
ele [o poema] ao se declamar.

Quem de nós o mesmo irá dizer?

O som do poema ao se dizer
não é o meu ao lhe conceber
no vãos sombrios do meu útero progenitor.
E o que você vai decifrar, por vezes
vai te perder nos alcances
das mensagens que criador e criatura não trazem
[ou trazem?]

E assim preparo um poema
indecifrável
antes mesmo de nascer 
condenado
a nunca ser entendido
a nunca ser visitado
na sala de parto.
Um filho rejeitado.

Ainda assim, preparo um poema.
Meu poema-órfão.

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