Agora que estás aqui, não tens mais como fugir. Não há onde se esconder, não há o que fazer, porque mesmo que tudo que venha de ti se esconda entre tenebrosas brumas para toda a gente, para mim não passas de uma lagoa de águas transparentes. Vejo por teus olhos o que mais queres me esconder. E já que estamos aqui, sentados em frente à planície onde deságuam os sonhos esquecidos e as realidades ora mortas, aproveitemos a areia que nos resta na ampulheta da vida para que possas enfim decidir por aceitar ou negar a verdade que te apresento. Afinal não sabes se amanhã o sol vai nascer pra ti ou para qualquer um. Somos vítimas de vítimas de vítimas e vítimas. És apenas um homem que vomita homens após engolir sonhos. Sonhos que colhes naquele jardim de flores que plantei para ti, e que digeres um a um, com cada pétala criando um braço, uma perna, um olho ou um coração.
Agora que estás aqui, não tens como te esquivar. A engrenagem da vida está a girar, e é do teu sangue que ela se alimenta. Sempre que se ganha uma verdade, se perde outra. Sempre que alguém sobe na vida, alguém desce, em contrapartida. É o equilíbrio do Universo, a homeostasia do sistema que flui em direção a justaposição de todas as coisas.
Estou bem aqui, espreitando todas as tuas decisões, esperando para ver qual lado haverás de escolher. Prestas atenção que hoje, ao pisar o chão, podes estar colocando teus pés no céu, uma vez que tudo é variável, nada é imutável, e todas as coisas são uma coisa só, filhas da mesma mãe, da mesma substância única formadora de tudo que há e pode haver.
Não te assustes, tua missão não é maior que a de qualquer outro. Apenas senta, respira e espera pacientemente pela hora em que deves dar a resposta. E só então quebras esse silêncio que nos cerca, e pronuncies a sentença que te condena ou te redime.
E depois esquece tudo, como se eu, esse lugar ou essas palavras nunca tivessem sequer existido. E vais para o outro lado, na outra ponta da corda, onde os contornos da vida são mais complacentes, e onde vais passar teus dias fazendo coisas impossíveis se tornarem reais.
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