6 de dezembro de 2009

Eu e o tempo

A vida e suas formas de inexpressão. Quando ao não se dizer nada, se diz tudo que se precisa ouvir.
Engraçado quando tiramos as maiores lições dos lugares mais improváveis.
Quando encontramos um pedaço de nós mesmos perdido no caminho. Quando o deixamos ali? Desde quando não mais o temos? Quando o abandonamos? E agora que o vemos à nossa frente, temos o direito de recolhê-lo, e reintegrá-lo ao seu original lugar?

Saudades e esquecimentos. As maiores habilidades do TEMPO. Eu e o tempo. Ele, sacerdote das razões humanas... Eu, mísero aprendiz da vida.
Ele, construtor e destruidor. Pai da transitoriedade. Ele, que nos faz mutáveis. Ele, que nos faz nós mesmos. Num processo eterno de vir a ser.
Ele, que nos assola, que nos consome, que nos leva amores, que nos traz amáveis... Ele, o tempo, mestre das transições, nas suas cirandas intermináveis, cumprindo a metódica novidade de todos os dias, fazendo girar a ciranda das horas, escorrer as cinzas da ampulheta da vida. Vida, vida. Que vida?
Venho noticiar que a vida sobrevive, senhoras e senhores. A vida sobrevive a cada dia. Novos dias. O tempo se encarrega de separar nossas folhas de calendário. E assim, nossas penas parecem menos dolorosas. Como se pudéssemos separar o indivisível tempo em frações mais facilmente transportáveis. E tudo parece possível, e novas esperanças surgem, porque nasceu um novo dia após 31 de dezembro.

Caminhamos juntos, o tempo e eu, pela estrada de nossos anseios, percorrendo a trilha incerta dos nossos dias. Numa relação quase sacramentada sobre o altar profano da vida. Numa forma ilimitada de ser humano, numa forma limitada de se descobrir um pouco divino. Numa sacra liturgia pagã consagrando nossos dias.
Sonhando nossos sonhos em meio a terrenos alagados, submergíveis, traiçoeiros. O tempo que nos é dado de graça vem cobrando seu preço. Porque o de graça tem seu preço.
Onde encontramos as certezas?
Quem pode nos dar alguma coisa real o suficiente para tornar-se paupável, para tornar-se verdade?
Ando as estradas do mundo procurando... Mas o que procuro?
Para onde vamos?
Para onde nos leva o tempo? Tempo de plantar, e tempo de colher... Para recomeçar, tempo de amar... Hoje é um tempo. Que tempo? Como saber o que hoje viver?
A vida e seu movimento. Os ponteiros do tempo que nunca se calam. Às vezes me sinto mais lenta que eles... Quase sempre. E o descompasso cansa. O coração não é de acelerar. O coração vive seus dias no tempo do amor miúdo, no tempo das pequenas alegrias das pequenas coisas. Mas o corpo não sabe esperar. Mas como separar? Ou como conciliar?

A vida anda rápida demais... Quero ir mais devagar. Quero o direito de escolher a cronicidade dos meus dias. Sem atropelar meus próprios passos. Outonos e primaveras. Sorrisos e lágrimas. Versos e reversos. Direitos e esquerdos. Os contrários da vida. Paisagens, cores, luzes, flores.
Chamam-me de utópica. Ufanista. Sonhadora. Inocente. Isso me incomodava antes. Antes. Não mais agora. Não mais quando me descobri indivisível com a sacralidade da vida. Não me permito negar-me a mim mesma. Negar os sentimentos, negar o que pulsa. Onde a vida me pulsa. Onde eu me demoro. Onde plantei meus sonhos. Onde depositei minha liberdade de ser quem eu sou, de acreditar no que escolhi crer, de amar o que amo, de ser o avesso que nem sempre revelo, mas que faz parte de mim. Será que tu sabes até onde eu posso ir? Tu sabes o que há em mim? Talvez vejas melhor que eu... Mas as minhas horas sou eu que faço. Quem poderia sentar ao meu lado e esperar o meio-dia?

Descobrir a beleza de um amor que ainda não tinha encontrado. Um amor que nunca soube dar, um amor que desconhecia. Um amor que se revela em inutilidades. Amor sobre rosas e espinhos.
É fácil amar o que está no pódio. Amar o louvável. Amar o aplaudido. Mas amor só pode se dizer amor quando se chega perto o suficiente pra descobrir os avessos, os contrários. E ainda assim poder ficar junto. Amar um inútil, amar alguma coisa que não pode nos acrescentar algo que buscamos, mas que pode estar ao nosso lado, sendo amor em sua inutilidade.
Queria poder ser inútil assim para alguém. Poder enxergar e ser enxergada além do que os olhos e as concepções podem ver. Amores de rosas, com flores e espinhos que são um só, que não se podem dar em separado. Sem idealizações, sem altares, sem mistificações. Só direi que amo verdadeiramente quando esbarrar nas imperfeições, nas limitações, nas facetas mais sujas e mais repugnantes, e ainda assim reconhecer aquilo como parte que não posso renunciar. Por isso amor exige análise. Exige demora. Não há amor na pressa. Nem nas muitas palavras. Amor é feito de silêncios muitos.

Quero viver meus dias como um menino travesso que está descobrindo seus brinquedos. E que brinca até o entardecer, até a mãe chamar pra casa... Um menino que sabe o valor de cada hora exatamente por não se dar conta de hora nenhuma.
De que lhe vale o relógio, se ele precisa apenas saber que, à hora certa, a mãe virá lhe chamar, e somente esta hora lhe será importante conhecer durante todo o dia.
Não quero martírios antes da hora. Não quero as horas. Quero ser tudo que eu posso ser, entre o que aplaudes e o que abominas, ser amor em minha inutilidade.
Abrir as portas, esperar os próximos ônibus, cantar as canções. Ser o que de mim sei que posso ser. Eu sou assim, sem culpas. O que me faz ver a vida como vejo, o que me faz ser como sou é tudo uma parte só, uma coisa só. Se me separo, me perco. Me desconheço. O sublime mistério da minha paganidade.

Se eu tivesse sido outro, esse amor teria me encontrado?
Quero tentar.
Até onde as horas puderem nos levar. E que seja longe, que seja muito, até perder as horas.



"Quando com ele [o tempo] faço acordo
Sorrio com os motivos de suas alegrias
E poetizo as tristezas que de suas mãos se desprendem.
Mas quando com ele posso...
Ah, quando com ele posso, eu dele me esqueço
E vivo..."

3 comentários:

João Gilberto Saraiva disse...

O melhor texto que já vi nesse blog, muito bom, parabéns.

Palavras de um historiador, um fascinado pelos relógios, um amante das horas.

Até mais moça.

Anônimo disse...

Se é o melhor dos textos não sei, mas parece-me ser um dos mais sentidos.
Como diz o poeta: agora que o tempo é relativo, não há tempo perdido, não há tempo a perder [...]
Falando sobre tempo, como é o fuso do mundo vitoriano? ^^

Alex Vander disse...

Gostei muito. Bom saber das produções literárias dessas terras dos Altos Coqueiros... parabéns!
Visite meu blog: versotodoprosa.blogspot.com.
Alex Vander