25 de novembro de 2010

Reforma

Estou em obras. Estado sitiado e interditado, precisando de reparos urgentes. Desculpe-me os transtornos causados, o barulho, a confusão e o entulho jogado pro lado de fora.
Antes que a obra fosse embargada por falta de licença, vim te comunicar que precisava da reforma antes de ser interditada ou desmoronar sem mesmo avisar.
Caos. Fuligem, serragem, barulho, bagunça.
Esta obra está me deixando louca, mas antes a obra que o estrago de não me dar a oportunidade de reformular tudo que vai aqui por dentro.
O martelo dentro do meu ouvido... Martelo pequeno, micrométrico, bigornando meu estribo. Toc, toc, toc.
As pregas do meu intestino precisavam ser melhor fixadas, consequência do último medo com frio na barriga. Nada que prego 7mm não possa resolver. E a furadeira entoando as canções que não sei cantar. Destoamos unissonamente a mesma canção de versos separados. Jogo reboco na parede para pintar sorrisos que não sei mais dar. Reboco na cara para esconder a espinha malfadada que descobri ao acordar.
Ah, não posso esquecer de dar uma mão de cal por cima de tudo. Parecendo nova escondo minha roupa velha, saio pra festa como jogadora de palavras que sou, com medo de ser descoberta. Com medo que caiam os rebocos, a tinta, os pregos, tudo.
Olho as outras pessoas e admiro sua bela construção, passeando languidamente exibindo seus ricos tijolos aparentes lustrados com verniz.. Fico pensando quanto tempo levaram para erguer tão belos prédios. Fico pensando se precisam de obras também. Se estão em obras e ficam escondendo de mim, para me fazer sentir tão só nesse universo de imperfeição.
Silêncio após o desmoronamento de mais uma parede. Doeu um pouco, raspou tinta do coração. Alguns canos de lágrimas estourados. Mais coisa pra consertar.
Sento e começo tudo de novo. Permaneço aqui por hora, o último que sair apague a luz.

O que sei sobre não saber

O cara que veio me dizer que só sabia que nada sabia tentou me enganar descaradamente. Se ele sabe que não sabe de nada, então ele sabe de alguma coisa, mesmo que essa alguma coisa coisa nenhuma seja. Ainda bem que eu estava atenta e não deixei passar essa.

20 de novembro de 2010

Choose hapiness

"Se for fazer, faça. Diga. Pode ser desconfortável, mas pelo menos é honesto. Nnestes casos, o silêncio é quase uma mentira, além de uma covardia sem tamanho. De covardes eu já estou farta. " (Clarah Averbuck)

Não havia mais muito o que dizer.
Enquanto segurava a ponta do lápis, martelava com ele a borda da folha onde colocara tudo que queria dizer há tanto tempo. Por fim, foi vencida pela necessidade de colocar pra fora tudo aquilo que a vinha sufocando.
Aquilo tudo veio crescendo, se modificando e a modificando. No começo era amorfo, nem ela sabia o que era afinal, mas sabia que estava lá, latejando como pedindo pra não ser abortado.
E foi crescendo, e cada vez mais se parecia com ela. O jeito de sorrir, o jeito de falar, de se impor e de querer as coisas do jeito certo. 
Ideias teimosas são impossíveis de serem vencidas depois de ficarem assim grandinhas. 
E essa botou na cabeça que quer ser feliz e pronto.

 

10 de novembro de 2010

O velho da Rua 15

Nunca fez canções ou escreveu poemas, nem fez grandes discursos, ou escreveu linha alguma que pudesse ser posteriormente lida e comentada. Nem um ato último fez que lhe concedesse a dita de ser posteriormente lembrado, um simples comentário, um gesto ou uma dita que lhe fizesse memorável.
Era sujeito quieto, sem muitos amigos, de palavras poucas, de escrita atrapalhada, que entrava e saia sem se dar a notar. Vivia rindo sozinho pelos cantos, como o louco que muitos acreditavam que ele fosse. Estava sempre sozinho, e incrivelmente previsível, sempre sabíamos os lugares de lhe encontrar: na areia da Praça 15, perto de onde as crianças brincavam, com uns galhos riscando o chão, ou no canto mais escuro do bar, tomando seu gole de cachaça dividida consigo mesmo, ou na beira do lago do Passo da Várzea, lendo seu velho livro de capa marrom, ou com o olhar perdido em outra galáxia. Parecia sempre esperar algo, ou buscar algo muito além do que podíamos entender. Quase nunca falava com ninguém, e quando fazia isso, era rápido, instantâneo. Não era bom em contos e pilhérias. Todos sabiam que algum mistério o envolvia, como aquelas pessoas que sabemos que nasceram na época errada, no país errado, no planeta errado. Quase todos tinham pena dele e de suas esquisitices. Das suas roupas enxovalhadas, do seu mal trato consigo mesmo. Vivia sua vida de auto-exclusão, e todos o recriminavam por nunca ter tentado se aproximar, por se tão neurótico e auto-suficiente.
Morreu ontem, e nenhum de nós sabíamos o que dizer sobre ele ou sobre a vida dele. Não havia quem segurasse a alça do caixão pra subir a ladeira do cemitério, então após fazer isso, sentamos eu e cinco amigos no bar onde tantas vezes vimos o dito cujo no canto escuro, sozinho.
Estávamos lamentando uma vida tão malfazeja, quando o garçom se aproximou e disparou. Seu Luis? (enfim pude descobrir o nome dele) Viveu mais do que todos nós. Nunca quis ser grande, não. Não estava preocupado com o que achavam dele ou o que deixavam de achar. Era sozinho, gostava de ser sozinho. Queria ser ele mesmo. Todos os dias levantava e fazia o que ele sabia fazer de melhor. Desenterrava a cada manhã a criança que havia dentro dele e saia com ela pra brincar.

Palavras que ficaram martelando na minha cabeça todo o dia.