31 de julho de 2011

aspirações e frustrações

Queria ser poeta, e sabia disso desde pequeno. Mas desde pequeno também que o pai lhe esbravejava que poesia não era coisa de homem. Homem que é homem tem que ter cabelo no peito, falar palavrão, bater pelada no domingo de manhã e xingar juiz de futebol de tarde, depois de umas louras geladas - entenda como quiser.
E cada vez que ele falava na poesia, lá vinha o pai com um murro na mesa lhe colocando para correr. E começou a morar no quarto, onde cultivava a poesia escondido. O pai nunca ia no quarto, e ali ele começou com versos discretos na parte de trás do caderno de desenho. E daí passou a um caderno inteirinho de versos, e depois passou a escrivaninha, cama, cadeira, e por fim chegou às paredes, todas poetizadas de alto a baixo. Por fim fez a poesia no corpo, como tatuagem.


Mas nunca conseguiu tirar a poesia de dentro do quarto. Nunca a levou para passear para tomar um ar fresquinho lá fora ou umas gotas de chuva. E isso teria feito tão bem a ela... A poesia dele, toda inocente, toda criança, nada sabia do mundo, nada sabia de cor, era preta e branca coitada... Era bem triste, a pobrezinha, miúda, minguada.
E virou homem, e saiu de casa, e levou a poesia embora, a poesia que o pai não quis. E continuou a escondê-la embaixo da roupa, no quarto, com a porta trancada.
Um dia o coitado morreu de overdose. Qual foi a droga? A droga foi ele ter vivido a vida sem conseguir dizer nada que sentia (também entenda o que quiser).

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