28 de janeiro de 2010

Escrevo

Escritor de verdade escreve pela literatura, pela obra, pelo calor dos aplausos depois do recital de poemas rebuscados em rimas perfeitas e versos alexandrinos.
Eu não sou escritor de verdade. Eu aprendi a juntar letrinhas há muito tempo, mas não sei ainda ao certo o que fazer com elas.
Tem dias que levanto cedinho, acordo todas elas e as levo para passear. E elas vêem o céu, as nuvens gorduchas em forma de algodão doce, e de tão felizes, dão as mãos para me retribuir o passeio com um versinho bonito que acabaram de inventar.
Eu não sou escritor. Eu ganho das letrinhas, por vezes, alguma coisa que valha a pena colocar no papel. Mas isso é só porque elas são boazinhas comigo, vez em quando.
Tem vezes que elas ficam com raiva de mim, porque eu acordei triste e não quis sair para brincar. Então fogem todas juntas, numa rebelião contra minha falta de poesia. E é quando eu fico muda: fico triste. Quando meus dedos ficam mudos, fico muito triste. Quando meu lápis fica cego, mudo, surdo, fico triste de chorar sem parar. Então elas - as letrinhas, ficam com pena de mim, e voltam. Sempre voltam.
Temos quase um pacto de sangue de irmãos, as letras e eu, em que brigas e afagos se sucedem initerruptamente.
Eu não sou escritor.  Escrevo para diminuir distâncias, para criar abraços, e para ouvir os passarinhos cantarem. Escrevo porque sou tímida, e às vezes não sei dizer. Então escrevo.
Escrevo milhões de bilhetes secretos para namoradas imaginárias, que nunca serão remetidos. Escrevo poemas sem rima com giz em quadros-negros, que serão apagados na próxima aula de matemática. Escrevo com aquarela no cimento do chão, esperando a chuva cair e apagar tudo que eu não sei dizer sem ajuda das letrinhas. Escrevo na beirada de janelas, escrevo no lençol da cama e no chão da cozinha. Escrevo.

Eu não sou escritor. Mas eu escrevo para não ser triste.

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