16 de agosto de 2009

Instante posterior

Estou passando meu dia hoje a tentar consertar com remendos mal arrumados as impressões dos últimos dias. Engraçado como a vida muda rápido.
Uma existência plácida e calma de repente embarca num maremoto inexplicável. O instante posterior então torna-se imprevisível. E assustador.

De certa forma, analisando friamente, os instantes posteriores são imprevisíveis e assustadores em 90% das situações. A questão é que enquanto vivemos distraídos pelos quadros que se sucedem, envolvidos pela história que se repete e se transforma, alternadamente, não prestamos atenção ao fato que no instante seguinte, pode ser, quem sabe, que estejam alterados parâmetros essenciais.

Enquanto nos mantemos divertidos e conformados com nossos clichês diários, com nossos pretestos e contextos com os quais tentamos justificar nossas escolhas, de repente o mundo muda, e a gente se encontra perdido.

Somos levados a uma mudança forçada, às vezes não desejada, por motivo de adaptação. Não é evolução, é uma adequação. Enquadramento.

Essa simples idéia me deixa constrangida, por fazer imediata associação entre adequação a submissão. Ser menos ou mais, ser diferente do que se pretende por força das circunstâncias.

Meus remendos me incomodam. Fui pega desprevenida. Não tinha muito material aqui pra usar em estragos tão grandes. Os retalhos de pano nem são tão bonitos... São de um tecido antigo, usado e reutilizado por diversas vezes em calamidades passadas.

Enquanto costurava esses retalhos velhos com uma linha nova que arrumei emprestada, vermelha cor de sangue, o tecido surrado de meus retalhos foi se desfazendo em alguns lugares. E novos remendos eram necessários sobre os remendos recém-acabados. Foi uma longa investida em reatar minha vida.

E enquanto o tempo passava nessa tarefa, fui sentindo tomar conta de mim uma solidão triste...

Fui vendo os remendos velhos que fiz há tanto tempo... Partes de mim que se sucediam e se misturavam... E os sentimentos foram se misturando também. De solidão foi passando a nostalgia, que culminou numa saudade dormente, que me lembrava o leite quente com mel que minha mãe trazia nos dias de resfriado. Vícios antigos, livros velhos, as canções da adolescência... O portão da casa de vovó, o balanço de cordas amarrado no pé de caju, o primeiro beijo, o medo do escuro... Encontrei perdido no meio de tudo um pirocóptero que não voava mais, um albúm de figurinhas que eu nunca completei, os sorvetes de limão que eu tomava escondido por causa da asma.

Comecei então a me familiarizar com meu instante posterior. A adaptação finalmente acontecia. O passado se juntava ao presente, e tudo isso junto queria me mostrar o que estava por vir.

Mas isso eu não quis ver. Não quis cruzar esse muro. Apenas fiquei parada na sua frente, olhando para ele. Não conseguia tirar os olhos dele. Esse futuro assustador. Os meus posteriores instantes posteriores. Eu sabia que ainda ia me perder algumas vezes. Ainda ia rir algumas vezes. Chorar outras tantas. Iria viver como todo mundo. Mas à minha maneira.

Quando eu nem percebesse, estaria um passo mais próxima ao muro. Um dia, eu teria coragem, e faria cair a cortina de ferro dessa Guerra Fria.

Eu sei apenas que, por hora, esse muro de Ber(mim) não cai. E que essas tardes de domingo tão vazias, essa solidão inconstante, esse instante posterior de agora, tudo isso me deixa sentimental pacas.

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