28 de maio de 2011

Sobre as canções

-Você me esqueceu! Você me abandonou aqui! Não gosto mais de você!
-Não fale assim minha menina, você não sabe o quanto senti tua falta, e quanto estive triste por esse mundo sem saber como voltar para te ver.
-É mentira. Todo esse tempo e nenhum telefonema, nenhum recado, nenhuma lembrança nem cartão postal. Você nem sequer se deu ao trabalho de se fazer lembrar. E eu aqui, pensando em você, preocupada com o que poderia ter te acontecido.
-Pois havia mesmo razões para você se preocupar. Andei por lugares horríveis, lugares escuros e frios, lugares onde as pessoas não gostavam de poesia, não queriam ouvir meus versos nem minhas canções. Pessoas que quiseram me fazer esquecer de onde vim e de que fui feita. Levei muito tempo para descobrir onde eu estava e quem eu era, e mais tempo ainda para descobrir o caminho de volta até você.
-Não acredito em você.
-Eu desaprendi a voar, minha doce Amélie. E por mais que tentasse, não conseguia me lembrar como eu fazia para flutuar sobre as nuvens. Era tão fácil com você. E o sussuro do vento, eu também desaprendi a ouvir. Então não conseguia ouvir seus doces recados que sempre me guiaram sendo transportados pelo vento. E nem quando chovia, Amélie, nem quando chovia eu conseguia misturar gota de lágrima e gota de chuva como se fosse uma coisa só, pra fazer um aguaçeiro de poesia. Eu acho que longe de você eu não sei muito das coisas, Amélie. Esqueci como dançar, como cantar, sorrir e até como amar. Os amores que tive doíam, doíam, mais do que curavam. E eu estava só, Amélie, só por não ter você, e nem ter a mim mesma.
-Sei bem como é se perder. Eu mesma me perdi há muito tempo atrás... Em idades longínquas que nem o tempo sabe contar. Mas quando a gente além de se perder na estrada, se perde dentro de si mesmo, é preciso muita muita luta pra saber aonde você quer mesmo ir parar. Se vale mais a pena o eu de hoje, o eu de ontem ou um eu de talvez amanhã. Descobrir onde está o seu verdadeiro eu.
-Aprendi, Amélie, que a escala evolutiva não nos leva sempre para o lugar onde queremos estar. O problema foi convencer a mim mesma que era certo voltar, que não era retroceder, mas se encontrar. Assumir o que eu era, o que eu sou e quero ser. O que eu tenho orgulho de ser. Foi quando peguei a auto-estrada, escrevi para ti um bilhete na rodoviária, onde eu contava a minha sina, contava que eu cansei de ser maltratada, contava as contas que deixei sem serem pagas e todas as minhas desesperanças. Eu estava triste, e com muito medo de nunca encontrar o caminho de volta.
- E como você conseguiu voltar?Como chegou aqui?
- Eu ouvi a canção. Eu estive vivo sem viver mas no fundo nunca deixei de escutar. A canção que era por você, era por mim e por toda a minha fé. A canção que me trouxe até aqui. A canção que soube esperar pelo dia em que eu quis voltar. A canção na contramão da estrada que não tinha nenhum chão, não tinha carros, não tinha ida nem vinda, não tinha nada que eu pudesse ou quisesse ver ou tocar. O que me trouxe foi a canção que nunca abandonou meu coração.
-É tão bom o efeito sonoro de você sussurrando suas loucas histórias no meu coração. Seja bem vinda de volta, você agora está em casa, e mesmo que vá pra longe, você vai saber voltar, e eu sempre vou estar aqui, afinal, esperando você.

Nenhum comentário: