10 de maio de 2011

Derradeiro suspiro

Agora que a morte enfim chegou, e sentou-se distraidamente ao meu lado, sinto que já não tarda mais o meu último olhar sobre esta vida. Este mundo por onde passei tão longos e arrastados tempos não mais verá a luz dos olhos meus. Nesse momento final, nao vejo luz, túnel, nem curta metragens em produções caseiras dos melhores e piores momentos da minha vida a se reprisar diante dos meus olhos.
Tudo está em silêncio, e não ouço nada além da respiração dela, marcada como os ponteiros do relógio. Todo o quarto parece estar tingido de azul, um azul que um dia me disseram que seria a cor da morte. A mesma cor que eu sempre pintei a poesia. O azul me cheira acre agora. Antes ele tinha um cheiro doce, leve, por vezes sofrido, mas isso era quase nunca. Como pode uma cor mudar de cheiro? Pensei que cheiros fossem propriedades intrínsecas das criaturas, mas até essa verdade indelével a morte vem agora derrubar.
Talvez nada seja como pensamos em vida, afinal. Talvez tudo seja bem  mais que relativo, tudo seja momentâneo. Tudo não passe de experiência, de vivência, de cadência, e isso cada um tem a sua. A cor tem o cheiro que cada um lhe pinta. Talvez minha poesia sempre tenha fedido à morte.
Não me arrependo de nada agora, ou de quase nada. Cresci, errei, repetidas e inúmeras vezes, mas aprendi sobre as coisas grandes, e sobretudo sobre as coisas pequenas, invisíveis, imperceptíveis, que mais quase ninguém via. E mesmo após numerosas lições, voltei a errar, e então pedi perdão quando foi necessário, gritei e esbravegei quando foi ainda mais necessário. Sobretudo amei. Amei a vida e seus mistérios e encantos. Amei a chuva e o sol preguiçoso de cada manhã. Amei o novo descobrir de cada dia. Amei as pessoas, com suas falhas e limitações, mas com sua graça e beleza. Amei o destino que me levou por caminhos dolorosos mas fantásticos e irrecusáveis. Amei a proposta irrecusável de viver. Amei a vida com a dor e a beleza de ser. Amei, amei, amei.
Hoje, diante do fogo cruzado de não saber o que será após o fechar derradeiro dos meus olhos, quando não mais a luz e o sopro da vida vierem me cegar e me sufocar a cada manhã, não é medo que tenho.
Sou curioso, sempre fui. Agora o que me cerca é a ansiedade por descobrir o que vem lá. E se não houver nada? Isso não me angustia. Espero pela magnificência do que estar por vir, e se não for nada, e não me restar nada, e se nem eu mesmo me restar, então lá nao estarei e o sofrimento pelo ganho de nada ou perca de tudo será por demais supérfluo e desnecessário. Na verdade o sofrimento por si só ira sequer existir.
Mas não sei como será.

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