24 de abril de 2011

Eu e os mares


Num coração feito bote sem remos, como um barco a deriva, olho para trás e penso que, após tantas viagens, em poucos lugares encontrei portos com os quais me tornei um só, que foram mais que uma noite de pouso, sem nomes ou lembranças. Procuro em vão lugares em que tenha abandonado minhas cordas após noites insólitas, tempestades e cruzadas para enfim me sentir em paz, em casa.
Foram dias inteiros a começar de novo, contanto os dias, as estrelas e as bússolas de constelações. Enfrentando os piratas com bandeiras flamejantes e sobrevivendo. Empunhando a espada com maestria para o que de fora me ameaçava. Mas fraquejando as pernas, temendo a morte, a morte causada por mim, gerada por minhas dores, os perigos que fazem parte do que sou, que ficam me avistando de tão perto, perigos que esolhi como minha tripulação, que estão a bordo, na proa.
Longe dos mares me perco com poucas palavras e muitos dilemas. No mar sou ventania, com velas içadas, a me sentir invadir pelo revés da corrente.
Faço-me mistério como segredos dos meus porões, sem tesouros, sem âncoras, sem cais.
Nunca me arrisquei de verdade no mar, eu acho. Nunca soltei as amarras totalmente, nunca naufraguei no batismo de mergulhos primeiros.
Talvez daí venha minha incompletude, por nunca ter cumprido meu destino de embarcação, de navegar por setes mares, oito, nove. De descobrir os novos mares. 
Enfrento a morte todos os dias para não morrer. Não quero morrer. Se morrer não quero, quero viver, pois. Mas viver é o que, senão morrer aos pouquinhos, devagarinho, de uma morte retardada, solitária, irresponsiva?
Quero aprender a mergulhar um dia deses. Não quero morrer sem aprender a mergulhar.

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