17 de abril de 2010

Nostalgias de sexta à noite

Os cabelos desleixadamente presos no topo da cabeça deixavam algumas mechas caírem distraídas sob o rosto casmurro. Os olhos fundos revelavam noites mal dormidas durante uma semana exaustiva de trabalho. Os dedos nervosos sincronizavam uma melodia ritmada na madeira da mesa, esperando pelo vinho que pedia para tomar sozinha, antes de voltar para casa onde o silêncio de um apartamento a esperava.
Foi quando olhou para o lado, e o viu, também sentado, numa mesa próxima.
Aparentemente era ele, apesar da barba bem feita e da camisa social, tão diferente de há tantos anos. Olhou e achou que o reconhecia, mas não tinha certeza. Alguma coisa a deixava em dúvida.
Talvez fosse a parca iluminação do restaurante. Talvez a distância... Talvez a falta de palavra, a falta de contato. Porque ficava difícil reconhecê-lo de olhos abertos. Perto dele eram sempre os olhos fechados, as mãos juntas, a cabeça placidamente recostada no ombro, as palavras se sucedendo. Nunca precisou de olhos para saber que era ele. E agora ficava estranhamente difícil realizar um reconhecimento baseado em sentidos tão pouco usados antes.
Não conseguia ver, dali de onde estava, se ele estava sozinho ou acompanhado. Engraçado, pensou agora, nunca ter tido notícias dele e de seus relacionamentos dos últimos tempos. Resolveu então acreditar que ele estava sozinho, porque também seria estranho imaginar alguém ouvindo suas velhas histórias, bebendo os mesmos drinks que ele pedia para ela. Era ruim imaginar alguém no lugar dela.
Começou a relembrar dos bons momentos, de risos felizes, de presentes trocados numa noite de Natal, sob as estrelas. Recortes de tudo que eles foram. Começou a se perguntar porque se separaram. Não conseguia lembrar. Aquela nostalgia a estava sufocando, e por várias vezes esteve a ponto de se levantar e chegar na mesa dele. Mas o que dizer? Após anos de silêncio, o que dizer? Os gostos possivelmente haviam mudado, as similaridades deviam estar dessincronizadas agora. Não tinha o que dizer. Era apenas uma velha história, recordações de uma menina apaixonada por seu primeiro namorado. Ela era tão inocente, tão novinha... Nem sabia ainda que profissão ia escolher. Pensava em ser advogada, tão diferente da medicina que escolhe anos depois. Não tinha porque ir lá.
Mas ela queria ir lá, ou melhor ainda, queria que ele viesse ali, e pedisse para lhe fazer companhia em nome dos velhos tempos. E podia quem sabe haver ainda algum acordo entre seus gostos, quem sabe?
Ela teve a impressão que sentia saudades. E foi aí que tomou a decisão
Chamou o garçom, o mesmo que a servia todos os dias que ali ia, e escreveu o bilhete.
Ele ia entender. Claro que ele ia entender. Ele prometera jamais esquecer, e que tipo de gente quebra promessas feitas à primeira namorada?
Esperou ansiosamente a resposta, com o mesmo nervosismo de há 15 anos atrás. A leve distonia disparou. O coração disparou. Era a adolescente de volta?
Quando o garçom se aproximou trazendo o guardanapo dobrado, seu coração estava já aos saltos. Olhou as parcas letras escritas, leu e releu o bilhete, e então tudo veio à tona. Lembrou porque o namoro não durara mais que duas semanas. Desilução ortográfico-amorosa. O cara simplesmente não conseguia escrever duas frases sem três erros ortográficos. E ela nunca suportara erros ortográficos. Muito menos em cartas de amor para ela. Eram suas prioridades: romantismo, respeito e ausência de erros ortográficos. Lembrou mais um motivo pelo qual seus olhos perto delee stavam sempre fechados.
Deu uma risada satisfeita então, de ver que não sentira saudades do bonito rapaz que estava na mesa ao lado. Não eram saudades dele. Eram saudades do que eles foram, de algo que não mais existia. E olhou para si mesma, com um pouco de vergonha, e viu que quem estava sentindo tudo aquilo também não era ela, mas alguém que ela fora há muito tempo, mas que também já tinha ido embora.
Bebericou seu último gole de vinho, pagou a conta, deixou uma gorjeta gorda para o garçom amigo de todas as sextas, e foi para casa fazer companhia ao silêncio de seu apartamento, rindo um pouco de si mesma e das desilusões ortográfico-amorosas.

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