A morte nossa de todos os dias.
A gente não morre de uma vez, meus caros. Nessa terra de meu Deus, morre-se devagar, a cada dia mais um pouquinho, em doses homeopáticas de ausência de vida, inconsciente.
Então morrer é sim uma arte. A oitava arte (a sétima é o cinema, eu acho). Uma peça que se constrói todos os dias. A nossa grande obra prima.
Morre-se um tanto quando se perde um amor, outro tanto quando se perde um sonho, outro tico quando se decepciona com um amigo, e assim se morre paulatinamente, e o pior, sem tomar consciência da quase-vida.
A lágrima é a morte da felicidade. O trabalho a morte do ócio. O sorriso a morte da desesperança. Tudo morre e nasce todos os dias. A vida não cansa de morrer e renascer. Nasce e morre e morre e nasce e morre.
E nasce.
Isso então é rotina. É padrão. Não devia surpreender ninguém. Devíamos estar acostumados a ver partir, a ver voltar. O trânsito da vida. Um estado de ir e vir eterno.
Mas não é assim. Pelo menos não tão simples assim. Tem gente que apenas morre e esquece de pegar a outra via. Morre e pronto. Fica morto. Tem gente que já morreu há tanto tempo que exala aquele cheiro de putrefação por onde anda. Eu andei pisando em algumas faixas de mumificados nos caminhos por onde andei. Tem gente que morreu e esqueceu de deitar. Tem gente que não sabe pegar o caminho de volta.
Esclarecendo para os não adaptados a meus textos nada metafóricos, esta exceção pela qual vos falo não se trata de exaltação ao espiristimo (no qual eu nem acredito). O caminho de volta do qual falo aqui é bem em vida mesmo. Gente viva que vive como gente morta.
Não pense que estou mórbida hoje, leitor. Não, não estou. É questão de observação. Tem gente que não vive mais. Ponto. A ONU, ou a WHO, tão preocupadas com o bem estar mundial e direitos humanos, deviam estabelecer um análogo à linha da pobreza, uma linha de subvida. E assim classificar a população mundial.
Viver é uma obrigação? Uma necessidade? Então morrer é uma libertação, uma transcedência?
A gente acaba vendo que é mais ou menos todo mundo igual no final. De morte a gente entende quase nada. A diferença é que quem acredita em alguma coisa depois da vida - independente do nome que se dê a essa alguma coisa, está um pouco mais interessado no causo que aqueles que acham que é só fechar os olhos e acabar. E isso nem é regra, apenas acontece algumas vezes.
Ah, a vida. Há ainda os que não a suportam, e querem adiantar o processo de morte. Apagar as luzes. Um dia entrei numa discussão em que defendiam que era coragem você apontar uma arma pra você e se matar. Eu falei que era apenas covardia, a mais simples covardia. Você acaba rápida e definitivamente com algo mais atordoante. Afinal somos seres humanos. Escolhemos sempre a forma de menos sofrer, mesmo inconscientemente.
Ah, morte, morte. Libertação? Nada? Vazio? Começo? Fim?
Alucinação cultural? Transmutação?
Desapego? Anóxia celular?
Fim das neurotransmissões???
Estamos abertos a melhores definições.
O fato, meus caros, é que "a primeira morte a gente nunca esquece."
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