18 de janeiro de 2010

Abstinência

Enquanto vou andando o mundo gira...
Ninguém me espera naquele lugar aonde quero chegar.
Aonde vou?
Ando só quando me acompanho. Caminhamos lado a lado, eu e eu, sozinhas cada uma de nós. Estamos lá sem nunca estar. Aonde está você, que aqui devia estar? Por que não estou sozinha quando me sinto só? É possível ser só em companhia? É possível a companhia de ser só? Até quando se pode suportar?
Se você demorar, se você não voltar? Serei capaz de te esquecer? Saberei superar? Saberei eu, tão dependente de você, não mais te ver ao acordar? Não mais te ver quando eu os olhos fechar? Não mais te tocar, não mais te saber presente? Saberei eu conversar com a ausência como se a vida nada mais que isso fosse? Por que te sinto tão dentro quando não posso te ver? Não estás aqui, não te vejo aqui, não te tenho aqui, mas estás aqui. Sinto teu cheiro aqui, te escuto aqui. Fecho os olhos e te vejo dormir. Vieste morar dentro de mim?
A presença da ausência. O silêncio de ti barulhando aqui. Atordoando o ar. Não me deixas pensar. Não me deixas respirar.
Abstinência. Desintoxicação. Não vou me drogar hoje de você. Não vou te ter. Quero não te querer. Por hoje, só por hoje não quero você.


Enquanto vou andando o mundo gira...
Ninguém me espera naquele lugar aonde quero chegar.

Aonde vou?



E se eu tentar voltar? Saberei o caminho de voltar? Saberei refazer os passos para te encontrar?

Alguma coisa corre assustada entre um piscar de olhos e outro. Alguma coisa que eu perdi. Alguma coisa que já vai longe, longe... Que eu não sei encontrar. Olho para o céu, olho para o chão, o tempo soprando os pensamentos que derramo distraída no caminho. Tento imaginar. Mas nem me lembro como é o que quero lembrar. Moinhos de vento, gigantes, heróis, vilões. Disparo num voo cego com rota de colisão marcada para acontecer. Viro piloto suicida, kamikase, que não sabe se o maior lucro da guerra está em destruir o alvo ou a si mesmo. Começo a chorar. As lágrimas azuis clandestinas de uma emoção fingida que nem sei sentir. Desaprendi a sentir. O que me tornei? O que sou afinal? O que queres de mim?

Quero aqui, quero agora, quero já. Qualquer coisa que se sinta, que me mostre que estou viva, que pulse dentro de mim. Nem que seja dor, nem que seja dor.

Você está frente a mim. Você olha para mim. Mas você não me vê, de alguma forma não me vê. Como se uma grande barreira invisível impedisse você de me dizer. A distância eterna da palavra nunca dita, que criou quilômetros que separam duas cadeiras justapostas numa mesa de jantar. Você quer dizer. Mas não diz. Ninguém diz. O silêncio setencia o que as bocas temem pronunciar. Nos sabemos sós.

E agora assim seguem os dias, clandestinamente sendo escritos por alguma pena destrambelhada que parece rir de mim.

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