Desde que nasceu, ele já não sabia escolher.
Escolheu o lado errado pra sair do útero, e deu com os pés empurrando uma vagina mal dilatada, incapaz de permitir passagem daquela forma inusitada à natureza.
Enfim colocado à força do lado de fora, escolheu o peito esquerdo da mãe para se alimentar, logo o esquerdo, mais murcho, mais flácido, menos eficiente.
Escolheu ser canhoto, e nunca achouuma sala de aula que tivesse banca de canhoto para ele utilizar.
E assim foi por toda a vida. Escolheu o pior colégio, os piores "amigos", os piores livros para ler, as piores mulheres para namorar.
O infeliz que não sabia escolher. Errava tudo. Os conhecidos diziam que ele tinha o dedo pobre, coitado. O que tocava, não prestava.
Escolheu nomes horríveis para o filho que teve com a mulher que escolheu por esposa e que lhe deixou um mês após o nascimento da criança.
Ficou ele e o filho. E o filho cresceu com medo que o dedo podre fosse hereditário. Porque praga boa passa de geração em geração.
Escolheu torcer para o o time da cidade vizinha, e nunca viu um título em toda sua vida no Estadual. Foi o campeão dos vice-campeões.
Era um perdedor daqueles natos, não criados, não modelados. Natos. E tão acostumado a perder estava o coitado, que nem desespero tinha mais. Se dava errado, ele dizia: Já era esperado. E sempre dava. Errado, sempre dava.
Então ele morreu. Se matou. Escolheu o dia de morrer, como o último fato memorável, algo que ia ser lembrado. E morreu errado. Morreu no último dia do ano, no último segundo antes dos fogos, com um tiro na cabeça. Um tiro que ninguém ouviu. E ninguém foi pro enterro do pobre, afinal era Ano Novo, ninguém ia perder o dia de ressaca para enterrar o cara que não sabia escolher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário