Entao fechei os olhos e mergulhei dentro de mim, onde pensei que você não podia me achar. Mal sabia eu que era lá onde você morava, crescia, vivia, me vigiava.
De lá de dentro sua voz ficou apenas mais forte, mais vibrante. Comecei a acreditar que estava ficando louca, e nunca ouvi você discordar. Então acabei pensando: E por que não? Isso explicaria tudo... As vozes, os esquecimentos, a tristeza sem fim. Estou louca. Sou louca. Isso me ajuda a me perdoar também. A bem da verdade, nem preciso me perdoar. Loucos são loucos, já estão pre-desculpados antes de qualquer ato falho.
Fiquei mais conformada. Comecei a passear nas janelas da mente, vendo uns retratos antigos de mim mesma. Vez ou outra a sombra de você vinha, mas eu pensava: Estou louca, estou cansada... Não posso te ajudar.
E você parecia entender. Respeitar. Parou de me pedir, parou de repetir a frase que me dava tanto medo. Não, você não dizia mais. Mas você me olhava. E seus olhos diziam. Então eu não queria olhar pra você. Então viajar para dentro de mim foi ficando cada vez mais confuso, porque fechava os olhos mais uma vez para fugir dos seus olhos e encontrava - ou me perdia - cada vez mais dentro de mim. Me assustava.
E então veio você falando de novo. E a dor no peito começou de novo. E o frio veio de novo. E o medo. E a outra coisa... Aquela coisa. De repente estava na minha frente. Clara, estonteante, luminosa, como se nunca estivesse saido dali, nunca tivesse sido apagada. Nunca tivesse sido esquecida.
Não pude contempla-la por cinco minutos, ou cinco anos, não tenho nenhuma nocão do tempo que apenas passei ali, tentando fugir do que se derramava em minha frente.
Doeu ficar com você. Doeu me sentir fraca o suficiente, imatura, insegura. Doeu. Doeu lidar com meus erros tão de perto, com seu julgamento de mim. Com sua falta de compreensão, de perdão, de amor.
Hoje eu teria feito diferente. Ou não. Eu teria ficado. Ou não. Eu teria te amado. Ou não. Eu nunca vou saber porque me neguei a outra coisa. Me neguei a chance de me confrontar. De me aceitar. De não fugir de mim mesma. De usar as exatas palavras, os exatos gestos e a exata entonação que meu coração pedia. De não me esconder de mim mesma. A outra coisa que na verdade era a minha coisa. Era quem eu sempre quis ser. Cometi suicídio sem morrer. Apenas matei. Homicídio então. Hoje volto e me encontro e não sei se sou eu ou se sou ela. Ou as duas. Ou nenhuma. Não sei mais o que faz sentido. Sei que eu acho que nunca deveria de fugido. Eu deveria ter ficado. E tentado outra coisa.
Em vez de tentar escapar de certas lembranças, o melhor é mergulhar nelas e voltar à tona com menos desespero e mais sabedoria.
Martha Medeiros
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