30 de maio de 2011

O menino e o violoncelo

Garoava fininho mas ele realmente não parecia se importar. Na verdade, tenho para mim que ele nem se apercebia. Todo mundo começou a sair meio apressado à medida que os pingos ficavam mais intensos, até que na praça só ficaram o menino e o seu violoncelo. Eu estava do outro lado da rua, meio protegida pelo abrigo da parada de ônibus, e fiquei olhando curiosa. Nunca tinha visto um violoncelo tão de perto, muito menos no meio de uma praça no centro de Recife, às três da tarde e em plena chuva.
Ele sacudia cada uma das cordas com o arco com exacerbada precisão, como se o mundo fosse acabar se ele perdesse o compasso. E assim ele crescia sobre o instrumento, como criador e criatura, um exímio dominador do espaço e tempo.
Eu sempre tive um tanto de inveja dos músicos, pois eles me pareciam estar sempre em conexão direta com algum mistério indizível que desconheço acerca da vida, apesar da ciência de sua existência. Eu, no máximo, coloco algumas palavras dentro de conexões métricas e combino algumas rimas nada raras. Estou bem longe da magia dos reais artistas.
E sobretudo hoje essa conexão me pareceu real, palpável. Quatro cordas mágicas, entoando melodias tristes próprias de um violoncelo (porque o violoncelo já é por pré-definição um contador de histórias tristes). Com sua ligação direta aochão, é como se houvesse uma ligação direta entre o mundo das fantasias sofistas com nossa dolorosa caminhada terrestre.
A necessidade de que o músico o coloque entre as pernas o envolva, o abraçe, para que possa executar as notas para mim comprova a conexão evidente entre homem e magia. O braço levemente repousado no ombro do músico, como a buscar consolo, como a buscar inspiração.
Talvez isso seja mais uma das minhas utopias. Mas gosto de acreditar no que não posso ver, fazer o quê?

"Dó com baixo em dó
Sol com baixo em si
Lá com baixo em lá
Lá com baixo em sol
Fá com baixo em fá
Fá com baixo em fá sustenido
Sol com baixo em sol
Sol com lá bemol
Dó maior com dó
Sol maior com si
Lá menor com lá
Lá menor com sol
Fá com baixo em fá
Fá com baixo em fá sustenido
Sol com baixo em sol
Sol com lá bemol"

28 de maio de 2011

Sobre as canções

-Você me esqueceu! Você me abandonou aqui! Não gosto mais de você!
-Não fale assim minha menina, você não sabe o quanto senti tua falta, e quanto estive triste por esse mundo sem saber como voltar para te ver.
-É mentira. Todo esse tempo e nenhum telefonema, nenhum recado, nenhuma lembrança nem cartão postal. Você nem sequer se deu ao trabalho de se fazer lembrar. E eu aqui, pensando em você, preocupada com o que poderia ter te acontecido.
-Pois havia mesmo razões para você se preocupar. Andei por lugares horríveis, lugares escuros e frios, lugares onde as pessoas não gostavam de poesia, não queriam ouvir meus versos nem minhas canções. Pessoas que quiseram me fazer esquecer de onde vim e de que fui feita. Levei muito tempo para descobrir onde eu estava e quem eu era, e mais tempo ainda para descobrir o caminho de volta até você.
-Não acredito em você.
-Eu desaprendi a voar, minha doce Amélie. E por mais que tentasse, não conseguia me lembrar como eu fazia para flutuar sobre as nuvens. Era tão fácil com você. E o sussuro do vento, eu também desaprendi a ouvir. Então não conseguia ouvir seus doces recados que sempre me guiaram sendo transportados pelo vento. E nem quando chovia, Amélie, nem quando chovia eu conseguia misturar gota de lágrima e gota de chuva como se fosse uma coisa só, pra fazer um aguaçeiro de poesia. Eu acho que longe de você eu não sei muito das coisas, Amélie. Esqueci como dançar, como cantar, sorrir e até como amar. Os amores que tive doíam, doíam, mais do que curavam. E eu estava só, Amélie, só por não ter você, e nem ter a mim mesma.
-Sei bem como é se perder. Eu mesma me perdi há muito tempo atrás... Em idades longínquas que nem o tempo sabe contar. Mas quando a gente além de se perder na estrada, se perde dentro de si mesmo, é preciso muita muita luta pra saber aonde você quer mesmo ir parar. Se vale mais a pena o eu de hoje, o eu de ontem ou um eu de talvez amanhã. Descobrir onde está o seu verdadeiro eu.
-Aprendi, Amélie, que a escala evolutiva não nos leva sempre para o lugar onde queremos estar. O problema foi convencer a mim mesma que era certo voltar, que não era retroceder, mas se encontrar. Assumir o que eu era, o que eu sou e quero ser. O que eu tenho orgulho de ser. Foi quando peguei a auto-estrada, escrevi para ti um bilhete na rodoviária, onde eu contava a minha sina, contava que eu cansei de ser maltratada, contava as contas que deixei sem serem pagas e todas as minhas desesperanças. Eu estava triste, e com muito medo de nunca encontrar o caminho de volta.
- E como você conseguiu voltar?Como chegou aqui?
- Eu ouvi a canção. Eu estive vivo sem viver mas no fundo nunca deixei de escutar. A canção que era por você, era por mim e por toda a minha fé. A canção que me trouxe até aqui. A canção que soube esperar pelo dia em que eu quis voltar. A canção na contramão da estrada que não tinha nenhum chão, não tinha carros, não tinha ida nem vinda, não tinha nada que eu pudesse ou quisesse ver ou tocar. O que me trouxe foi a canção que nunca abandonou meu coração.
-É tão bom o efeito sonoro de você sussurrando suas loucas histórias no meu coração. Seja bem vinda de volta, você agora está em casa, e mesmo que vá pra longe, você vai saber voltar, e eu sempre vou estar aqui, afinal, esperando você.
Não me importa a solidão nem a dor nem a incompreensão nem o deserto nem o tempo
nem os pássaros nem o canto de marinheiros presos em embarcações naufragadas.

Não me importam os juros nem as cantigas sem cantor
nem os silêncios prolongados nem as ausências eternas
nem os silêncios mortais de poucos segundos
nem os cabelos brancos e os prenconceitos de todas as cores.

Não me importam o que acham ou deixam de achar.
Ou o que escrevem gritam sussuram e dissimulam
 
 O que realmente me prende o que ainda me faz vir aqui
o que sequestra minha alma e minha vontade e minha ânsia e minha necessidade
é entender qual é essa força essa bússola esse guia, esse karma
que me faz estar em meio a tanta poesia tanta ferida tanta angústia tantas dúvidas
e tantos problemas sem solução.

Quero saber o que rouba as minhas vírgulas
ao mesmo tempo que me enche de pontos finais
assim subitamente
sem prévias pausas respiratórias.
Algo me diz que iso não faz bem à saúde.

Minerais

Tu me disseste que pareço uma rocha:
fria, crua, insólita.

Pois vem após mim,
e lentamente abre meu corpo,
e observa atentamente
como tudo dentro de mim pulsa,
vibrante, numa agonia sôfrega de vida.

Como cada órgão, cada víscera
cada célula e cada átomo
está intimamente envolvido com a tarefa
que lhe foi determinada
com a busca irresistível e irrecusável
daquilo que chamo de felicidade.

Hoje sei muito do mar,
sei muito da vida,
sei muito da dor
e da dor que se sofre pra poder sorrir.


Se você não conseguiu perceber o mínimo movimento
a mais leve agitação,
faça as malas e siga seu rumo,
que garanto ser muito mais que
um frio e morto mineral.

Bossa Nova

Beira de mar,
canoa quebrada,
a canga na mão,
a areia no pé,
a pegada que o vento leva
a maria farinha se escondendo
fugindo, sorrindo, voltando, sorrindo
me perco e me acho
olhando pro horizonte,
que mesmo longe, bem longe
não me parece ter fim.
Distraída caminho no raso
pra onda não me quebrar
pra ressacar não derrubar
pro mar não me levar
pra eu não me entregar
pra eu não esquecer de voltar.

Saudade do Rio
com braços de Cristo abertos
numa Guanabara sem fim
e samba pra sambar
e poesia pra cantar
bossa nova pra assobiar

a me levar pra Copacabana,
a princesinha do mar.

diguindondiguindon
diguindondiguindon
diguindondendendon

O Rio não dá vontade de voltar.

10 de maio de 2011

Derradeiro suspiro

Agora que a morte enfim chegou, e sentou-se distraidamente ao meu lado, sinto que já não tarda mais o meu último olhar sobre esta vida. Este mundo por onde passei tão longos e arrastados tempos não mais verá a luz dos olhos meus. Nesse momento final, nao vejo luz, túnel, nem curta metragens em produções caseiras dos melhores e piores momentos da minha vida a se reprisar diante dos meus olhos.
Tudo está em silêncio, e não ouço nada além da respiração dela, marcada como os ponteiros do relógio. Todo o quarto parece estar tingido de azul, um azul que um dia me disseram que seria a cor da morte. A mesma cor que eu sempre pintei a poesia. O azul me cheira acre agora. Antes ele tinha um cheiro doce, leve, por vezes sofrido, mas isso era quase nunca. Como pode uma cor mudar de cheiro? Pensei que cheiros fossem propriedades intrínsecas das criaturas, mas até essa verdade indelével a morte vem agora derrubar.
Talvez nada seja como pensamos em vida, afinal. Talvez tudo seja bem  mais que relativo, tudo seja momentâneo. Tudo não passe de experiência, de vivência, de cadência, e isso cada um tem a sua. A cor tem o cheiro que cada um lhe pinta. Talvez minha poesia sempre tenha fedido à morte.
Não me arrependo de nada agora, ou de quase nada. Cresci, errei, repetidas e inúmeras vezes, mas aprendi sobre as coisas grandes, e sobretudo sobre as coisas pequenas, invisíveis, imperceptíveis, que mais quase ninguém via. E mesmo após numerosas lições, voltei a errar, e então pedi perdão quando foi necessário, gritei e esbravegei quando foi ainda mais necessário. Sobretudo amei. Amei a vida e seus mistérios e encantos. Amei a chuva e o sol preguiçoso de cada manhã. Amei o novo descobrir de cada dia. Amei as pessoas, com suas falhas e limitações, mas com sua graça e beleza. Amei o destino que me levou por caminhos dolorosos mas fantásticos e irrecusáveis. Amei a proposta irrecusável de viver. Amei a vida com a dor e a beleza de ser. Amei, amei, amei.
Hoje, diante do fogo cruzado de não saber o que será após o fechar derradeiro dos meus olhos, quando não mais a luz e o sopro da vida vierem me cegar e me sufocar a cada manhã, não é medo que tenho.
Sou curioso, sempre fui. Agora o que me cerca é a ansiedade por descobrir o que vem lá. E se não houver nada? Isso não me angustia. Espero pela magnificência do que estar por vir, e se não for nada, e não me restar nada, e se nem eu mesmo me restar, então lá nao estarei e o sofrimento pelo ganho de nada ou perca de tudo será por demais supérfluo e desnecessário. Na verdade o sofrimento por si só ira sequer existir.
Mas não sei como será.

7 de maio de 2011

If You See

Um pouco mais de cor
coloquem um pouco mais de cor
parece tudo tão cinza aqui
Não quero nada disso assim!
Vamos reformar a casa,
vamos pintar os muros
venham, celebremos a vida
que nunca acaba, que nunca acaba.

Hoje comecei tudo de novo
não do começo, mas do meio para o fim.
Limpei as teias de aranha
que tinham me feito refém
na minha própria mansão,
na minha solidão,
hoje eu tenho algo mais que a mim mesmo.

E assim posso voar
atrás do que me faz bem
do que existe além
esse mundo sistemático não me satisfaz.

Quero viajar por todo o mundo
e parar em cada cidade
para espalhar todas as coisas que aprendi
da vida nova que aprendi
do sentido de tudo que aprendi. 
Te importa o que aprendi?


Eu exacerbo meu léxico literário
para parecer mais importante do que realmente sou
Mas talvez você não entenda
não acho que você entenda
mas o verdadeiro exagero está
no que você só vai poder supor
eu não vou lhe ensinar
você pode entender?
Não vou lhe dar mais pistas.

Olhe para fora, a direita daqui
Sinta o que se move, devagar, em direção a você
só um pouco mais distante que o alcance do seu braço
tão perto que você pode sentir sua respiração
ansiando por você.


Mostre a ele o que ele quer.
Você não vai se arrepender.
Agora é sua hora.

(isso com uma melodia dava uma boa música, eu acho)

Explicações inexplicáveis.

Você é...

confusão que nunca acaba.
Turbilhão de sentimentos.
Reunião de grandes oportunidades desperdiçadas
jogadas ao vento
desiludidas, despedaçadas.

No meu braço eu tenho um relógio enlouquecido,
o relógio que você me deu, o relógio que era seu,
que era você.
Relógio que enlouquece o tempo
fazendo tudo andar pra trás.

Você se parece...

Com aquilo tudo que não sei
que nunca sei.
Com tudo que não tenho
nem sei se terei
Com algum livro que nunca li
mas sempre foi colado a mim,
na minha estante, olhando para mim,
me desafiando a lhe folhear
a lhe tatear,  lhe degustar
A lhe ter e lhe tocar.

Você tem...

Algo de místico, alguma coisa mágica
que você costura com sua linha de imaginação
você não pode ser real,
você não pode estar aqui, mas você está, e isso me parece incrível.

Agora eu tenho a cura,
ou tenho a fonte da doença?

Com você o mundo tem um quê de adorável, alguma coisa inexplicável, e eu sou mesmo muito boba por acreditar em algo assim.

Mas eu gosto de acreditar no que você me faz sentir.

Volte e me assombre mais uma vez.

Sesheps

Tenho um enigma a ser decifrado.
Corpo de leão, cabeça de falcão,
e um segredo, um mistério
esperando solução.

Cuidado ao caminhar no deserto
 Sou monstro, sou mito,
nem sequer sei se de fato existo
Decifra-me ou te devoro!

Será minha questão tão difícil
Serei eu impenetrável?
O que de mim você não entende?
Eu quero meu enigma decifrado!