3 de outubro de 2010

Aprender

Vai menina. Acorda, levanta dessa cama, veste o teu vestido mais bonito e sai pra ver o mundo.
Encontra o vento no caminho, a brisa que toca teu rsoto, fecha os olhos e presta atenção na leveza do toque, na poesia da vida. Solta os cabelos, deixa a vida te levar, te guiar, te soprar. O mar parece tenebroso, mas é lindo, é lindo. Falo isso por já ter ido e voltado lá, além de onde se pode ver, além de onde o horizonte nos deixa tocar. Vai, levanta tuas velas, aquece teu coração e se joga na vida, como se já não houvesse medo de perder, apenas vontade. Vontade de se render ao inevitável, ao que te chama desde sempre. Vai como quem brinca somente, como quem brinca de viver, sem preocupar-se com vencedores, lutas e guerras. Deixa isto aqui, não precisas de nada disso em teu barco. Vai, levada pelo vento, soprada pela coragem de ser quem se é; no fim das tardes, quando o destino parecer muito longe, quando a vontade de voltar ficar imensa, o medo e a desistência te fizerem companhia, senta na proa e coloca os pés na água gelada do mar imenso só pa ter certeza que continuas viva, que continuas forte, que não é tudo sonho, mas realidade, vida. Mergulha no oceano das incertezas e busca no fundo do mar aquilo que tanto anseias. Vai sem medo, que você aprende a nadar nadando. Vai que ninguém espera por você, e é você que faz sua hora, sua felicidade. Vai e busca teu sorriso, teu sonho, tua leveza. Busca o resto de você mesma que está perdido em algum lugar. Não sabe onde procurar? Procura em todo canto, pois vais entender que a maravilha vai estar na busca, naquilo que aprendemos, vimos e nos transformamos durante o caminho, e talvez quando você encontrar o que procura, surpreendemente você perceba que não era exatamente aquilo que você precisava, e como que movida por um impulso interno incontrolável, nova busca começa, e aí está a magia da vida, a explicação de que, para quem sonha, aprende e evolui nunca haver tédio em estar vivo.



Há sempre nova magia na próxima esquina.

2 de outubro de 2010

Palavras

A vontade de Amélie naquele momento era pegar todas as palavras cuspidas na hora da raiva, arrancá-las do ouvido que as tinha injustamente engolido tímpano a baixo, e enfiá-las todas, uma a uma, mesmo com o gosto amargo e travoso que elas tinham, em seu estômago, de onde nunca deviam ter saído.
Mas não dava de desdizer o já dito. Ela ficou com muita raiva, muita raiva mesmo, e não teve como controlar o turbilhão de coisas que começaram a jorrar da sua cabeça e cairam todas espalhadas no chão. Foi difícil limpar tudo aquilo, e depois de terminar, ela estava muito, muito cansada.
Então Amélie ficou ali, quetinha, deitada no chão, olhando as estrelas que surgiam pela janela do quarto.
Começou a contar uma a uma. Era o que ela fazia quando não sabia o que fazer ou dizer. Ia fazer algo assim sem sentido, pra tentar achar alguma resposta nos lugares impróvavéis, pois é lá que ela acreditava estarem as respostas realmente boas.
Naquele dia ela estava demasiado triste, porque ela odiava ficar sozinha, e já faziam 5 dias que ela estava mais só do que jamais esteve em toda sua vida.
Era difícil pra ela não ter com quem conversar, ou pra quem rir ou não ter alguém pra almoçar com ela ou sair pra lanchar mesmo sem ter fome, só pra comer a torta de limão que ela gostava tanto só pra apreciar o sabor.
Sobretudo, Amélie estava triste por saber que não passava de uma bonequinha numa prateleira do quarto da menina, e que por mais que ela lhe dissesse todos os dias o quanto ela era sua preferida, e o quanto nenhuma outra bomeca jamais ocupou um lugar tão especial no seu coração, Amélie sentia uma pontada de ciúme ao ver a menina com os outros brinquedos. Um olhar desatento pesa que a pequena bonequinha não passava de uma egoísta mimada, mas é que para Amélie era difícil. A menina tinha todos os outros brinquedos, e a escola, e os passeios que ela fazia sempre depois de jantar pelos lugares legais da cidade, mas Amélie só tinha a menina, e quando a menina não estava, era a prateleira fria e solitária que restava.
Os outros brinquedos não gostavam muito de Amélie, então a solidão só aumentava. Viviam dizendo o quanto ela era chata, mimada e frágil, e ameaçavam o tempo todo jogá-la de cima do armário, e Amélie tinha medo realmente de quebrar a porcelana do seu rosto.
Então, ali sozinha e com medo de um atentado a qualquer minuto, ela começou a viajar no mundo das ideias enquanto contava as estrelas. A saudade da menina doia, doia muito. Ela sabia que a menina não ia voltar tão cedo, o que era pior pois demoraria mais para que ela pudesse remediar tudo que berrou pra ela antes dela sair. Todo aquele ciúme, medo e insegurança estouraram de uma vez e as coisas mais feias, coisas que ela nunca tinha dito, nem sabia que podia dizer, ela gritou desesperadamente (e injustamente). A menina saiu do quarto magoada, e quando Amélie tentou correr para alcançá-la e dizer que nada daquilo ela realmente quisera dizer, que ela a amava muito, e que tudo ia passar e pronto, foi impedida pelas suas penas plásticas de boneca (detestou a limitada tecnologia naquele momento).
Então Amélie, que não sabia o que fazer, foi dormir e esperar que amanhã fosse um dia melhor, que a menina voltasse e tudo voltasse a ser como sempre foi.
Pena que Amélie estava com medo de dormir e sonhar com as antigas bonecas malvadas.