28 de dezembro de 2009

Medo

Substantivo masculino singular.
1. Dor no peito, daquelas bem fortes, que fazem o coração parecer pequenininho.
2. Uma suadeira nas mãos, às vezes sem motivo, às vezes por antecipação, que fazem a gente passar noite sem dormir, dia sem comer, ou pior, sem sorrir.
3. Cisco que cai no olho e faz a gente chorar que nem menino pequeno que se perde da mãe.
4. Uma coisa que acontece com a gente e faz a gente perder um monte de coisa legal da vida, sem viver, só pelo medo de perder.

Esperança

Hoje eu não quero cantar.
Não vou louvar valores, não vou chorar dores, não vou fazer verso, nem rima, nem cena.
Hoje eu quero apenas parar.
Ficar aqui sentada, sem dores ou culpas, sem medos e sem esperanças.
Descobri ontem uma nova forma de sentir dor. Pensava que só o medo fazia a gente sofrer. Pensava que a angústia pelo incerto era o mais temível dos sentimentos.
Mas ontem me descobri sofrendo por ter esperança. Esperança, logo ela, tão verde, tão ingênua, se fez tão amarga em minha boca.
O verde-poesia virou verde-fel. Talvez não entendam como a "força da humanidade, o que move o mundo" possa fazer mal a alguém, mas em resumo, posso dizer que criar esperança em frente a uma impossibilidade pode ser uma tortura para o mais forte coração, uma vez que você agora deseja com todas as suas forças que o impossível seja real, e acredita de verdade que isso possa acontecer.
Mas existe um abismo infindável entre seu querer e o acontecer.
E foi na beira desse abismo que ontem eu sentei e chorei.
A esperança me fez chorar. Mais uma prova de que posso esperar tudo de todos. Até mesmo dela.
E uma lágrima de esperança, meus caros, dói bem mais que torrentes de lágrimas de medo, podem apostar.

O disco arranhou. A música parou. Estou com medo, e com medo eu costumo desafinar.

22 de dezembro de 2009

Sombras

Eu achava que eu ia sozinha. Sozinha mesmo, olhava para o lado e não via ninguém aqui. E caminhava com passo miúdo de quem se sabe esperada ansiosamente em lugar nenhum.
E era bom ir sozinha, porque é sempre mais fácil não dever nada a ninguém. Sem cobranças, atrasos e esquecimentos. O que eu devia era a mim mesma. A agenda estava com bastante espaço pra todas as coisas que eu queria fazer. E não havia ninguém também pra reclamar da música alta, da bagunça do meu quarto e da louça da noite anterior que eu ainda não lavara.
Sozinha.
Eu olhei em todos os cantos e não tinha visto ninguém.
Mas eu esquecera de olhar num canto, de olhar embaixo. Quando vi, lá estava ela. Morena, opaca, oposta, perseguidora. Uma sombra a me seguir. Do meu tamanho exato, com exatamente a minha roupa, exatamente a minha idade, exatamente eu do lado oposto. A sombra funcionou como um espelho, refletindo o que eu esquecera. A sombra negra refletindo os medos que tenho de mim mesmo. E que me afasta dos outros. A sombra negra me perguntando onde fica o depósito de sonhos perdidos. Eu não sabia.
Eu me esquecera. Porque um dia eu soubera. Mas não mais, hoje não mais.
E aquela imagem de mim refletindo o que eu esquecera me deu uma vontade imensa de vomitar. Uma angústia interna por me ver irrealizada numa sombra. A minha sombra.
Era a solidão de dentro de mim, empacotada em mim, que eu queria vomitar. Como a comida estragada que jantei noite passada. Mas desse prato eu vinha me alimentando por anos a fio. Um bolo de alimento estragado mal processado preso no meu estômago pedindo para sair.
O sol foi se pondo e a sombra crescendo. Foi ficando maior que eu. A calçada da rua já não lhe cabia mais. E esse enjoo a me consumir como o corpo de uma mulher grávida reagindo contra o feto parasita.
Eu queria cuspir no chão, mas a educação paramétrica não me permitia.
Eu queria gritar, e correr, e descolar aquela sombra dos meus pés. Mas eu não podia.
E o que eu podia?
Eu não estava mais só. A minha sombra me acompanhava. E me cobrava mais que qualquer outra companhia que eu pudesse conseguir.
Aquela sombra mesquinha refletindo minha feiúra. Ela parecia até mais bonita que eu. Mas como, se ela era eu?
Não, não era eu. Ela tinha o orgulho de se saber não desistente, e me passava isso na cara, rindo seu riso discreto com o canto da boca.
A minha sombra carrasca de mim agora me acompanhava. E me mentia, e me negava a vida que eu me impunha.
A minha sombra me torturava.
E o que eu fiz?
Me tranquei no quarto, apaguei a luz.
A vitória é do mais esperto, afinal. Fui dormir.

Sobre a arte de ser escritor

É preciso arte para sentar-se numa cadeira, e despejar sentimentos num papel, seja em forma de bilhete, de folhetim, de carta ou de página de blog na internet.
É preciso arte para assumir uma identidade que não é sua, para escrever sentimentos de outros, não sentidos, não vividos, não experimentados.
Quando não isso, é preciso arte para fazer exposição própria em forma de rimas e versos, devidamente camuflados sobre um codinome.
A arte de juntar palavras. Dar-lhes sentido, ou retirá-lo, ou deturpá-lo. Não importa. O escritor é quem molda o barro, quem joga com as palavras... O processo de criação é como gerar um filho, cada estrofe como uma semana de gestação, a dor do parto para o verso final, o ponto final. E depois o deleite de ver a obra completa, o filho com todos os membros, a correr pelo jardim.
Escritor é um angustiado, que tem que verter em letras o que sente, por não conhecer outra linguagem. O escritor é um subordinado às letras, rendido, entregue, miserável. Tirem-lhe tudo, menos o papel e a caneta. O que lhe sobra?
Escritores têm o direito de serem imorais, imortais, ilegais. De falarem sobre o que ninguém quer ouvir, ou ler, ou saber.
Escritores têm a liberdade que resta aos detidos em celas de prisão. Escritores têm a ousadia de criminosos que nos assaltam à luz do dia em frente a delegacia de polícia.
Escritores se reservam o direito de serem inúteis, fúteis, de falarem sobre o que bem entenderem.
Escritores podem se dar ao direito de nunca morrer. Porque as letras não tem prazo de validade. Escritores são sonhadores, ou realistas, ou ufanistas, ou cientistas; a formação não importa. Escritor é aquele que dá graça ao nosso viver, uma vez que morre um pouco de cada vez em cada texto que escreve.

Sonho

Era o sonho mais lindo que ela tinha em anos...
Aqueles sonhos com asinhas de algodão, que não sossegam em canto nenhum, sonho maroto, que faz a gente ir e vir, saltitando de felicidade.
Aqueles sonhos que aparecem quando já é quase hora de acordar, só pra durarem bem pouquinho...
E pra piorar, veio a irmã dela e a chamou. Na parte mais feliz do sonho. E quando ela abriu os olhos, o sonho pulou pra fora das pálpebras, como se estivesse esperando só a primeira oportunidade para fugir. Quem pode com esses sonhos de hoje em dia? Cada vez mais rebeldes...
Ela até fechou os olhos com força, botou a irmã pra fora do quarto, fez todo esforço do mundo, mas nada do sonho peralta voltar.
Então ela levantou e foi viver a vida, esperando ver o sonho andando em alguma rua por aí.

21 de dezembro de 2009

2 minutos

Eles se odiaram por exatos dois minutos. O tempo exato de respirar fundo e engolir seco. Ela esperava a resposta dele, ele esperava ela assumir sua infantilidade. Eles se esperavam.
Foram longos 120 segundos, suficientes para que os seus olhares orgulhosos se evitassem voluntariamente, e se reencontrassem várias vezes, e de novo se afastassem, numa luta contra eles mesmos, que não teve vencedor.
Ela ficou ali, estática, pensando como ele podia achar tão normal o que para ela era uma catástrofe. Porque briga de namorados é sempre uma coisa incrivelmente ridícula para uma das partes.
2 minutos eternos de reflexão.
Era uma certeza cruel, a de saber-se querendo o que não mais se podia ter. O não saber como agir, o que fazer. Ele dissera que estava acabado, e não seria ela a voltar atrás. Ela não iria implorar, não iria suplicar, não dessa vez... Afinal sempre era ela que se humilhava, sempre era ela que cedia, sempre ela.
Ela queria chorar, mas não ia. Engoliu as lágrimas que já marejavam os olhos. Não ia ser fraca na frente dele. Ele não ia ter o prazer de dizer aos amigos que ela estava sofrendo. Afinal ela era forte, sempre foi a cabeça racional do relacionamento.
Ele ficou olhando para ela, como tantas vezes fazia. Admirando mudo sua beleza. Porque uma pessoa tão linda tinha que ser tão cabeça-dura?
Ela queria gritar, e nunca mais olhar nos olhos daquele homem insensível, cruel, machista e orgulhoso.
Ele queria apenas resolver logo aquilo, sair dali e ir tomar um chopp com o pessoal que ele deixara esperando.
Eles se odiaram por exatos dois minutos. Então ela levantou, arrumou o cabelo, preso alto na cabeça, como sabia que ele gostava, colocou o batom, olhou para ele e virou as costas.
Ele não disse nada. Apenas olhou ela saindo do restaurante. Ela ligaria no dia seguinte. Ela sempre ligava.
Mas no dia seguinte ela não ligou. E ele foi orgulhoso o suficiente para não ligar no dia seguinte também. Nem na semana seguinte. E a saudade começou a doer forte, como uma dose de vodka que se toma pura num começo de festa, antes de qualquer nível de álcool no sangue.
Ela não ligara. Ele não iria ligar.
E aqueles dois minutos duraram bem mais que cento e vinte segundos.

20 de dezembro de 2009

Rabiscos de caderno

Pequeno gafanhoto,

Pra ser sincero, não sei mentir pra você, e mesmo quando tento, você sabe o que eu tento esconder.
Pra ser sincero, você sabe o que eu sinto, você sabe o meu quilate, você sabe mais que eu mesma sobre mim.
Pra ser sincero, nem sei o que me faz acreditar se temos algum lugar pra chegar.
Até onde iremos caminhar. Até onde iremos nos suportar.
Mas se há alguém que merece essa chance é você, sou eu, somos nós.
Enquanto tivermos o presente, não precisamos de futuro.

Um dia a gente pode até perder as chaves, esquecer a saída, mas então aí a gente resolve o que faz da vida.
Afinal amanhã ainda tá bem longe. E você está aqui tão perto hoje...

Pra ser sincero, eu que devia cuidar de ti, mas é você que cuida de mim.
Vou dormir agora, e sei que vou sonhar com você.
Então até mais.

19 de dezembro de 2009

Abrindo as janelas

A casa estava fechada há muito tempo. Mas não estava abandonada. Na verdade estava bem limpa, e pintada, o telhado era novo e o jardim estava bem cuidado. Era o jardim com as tulipas mais lindas de toda a cidade, e as borboletas gostavam de passear por lá. Era uma casa relativamente nova, não era grande nem pequena, era do tamanho certo das necessidades da única moradora. Era uma contrução em tons de azul, um azul claro cor de céu, daquelas cores que lembram poesia.
Era uma casa nova, mas parecia uma casa daquelas clássicas do meio do século. Desde nova, ela era antiga. Parecia que queria preservar classicidades em meio ao futurismo dos novos arquitetos. Ela definitivamente contrastava com a casas vizinhas.
A fachada era grande e costumava causar uma sensação de amedrontamento. Muita gente não chegava perto da casa, por medo ou preguiça de descobrir. Havia duas grandes janelas que viviam fechadas. Um desperdício, não havia como ver o lado de dentro. E o lado de dentro era bem bonito na verdade.
Mas um dia, pra surpresa de todos, a dona da casa abriu a janela. E a cidade toda parou pra ver. Todo mundo tentou espiar o que havia dentro da casa, qual o segredo tão bem guardado.
Depois de tanto tempo, as janelas foram escancaradas e a luz do sol entrou pela casa, tomando conta de cada canto, de cada brecha.
E todos viram quando ela abriu a porta da casa, e quando aquele moço entrou. Subiu as escadas devagarinho, como quem desconhece o caminho. Era uma tarde de finzinho de ano, o sol mais forte, os dias mais quentes, mais longos. E eles sentaram na sala, e conversaram como se se conhecessem desde sempre.
E ele passou a visitá-la todos os dias, na hora que a noite engole o dia.
E desde então, todos começaram a notar que a casa estava cada vez mais bonita, que a dona estava mais feliz também, por não estar mais sozinha.
E a janela não ficava mais fechada, e a porta estava sempre entreaberta no fim da tarde, esperando pela melhor hora do dia.
A hora em que a gente pode ser feliz sem se importar com as outras janelas.


"I'll tell you one thing, it's always better when we're together..."

15 de dezembro de 2009

Saudade

Os dedos distraídos roçando a mortalha esquecida num canto da sala. Porque estavam todos ali, mas ali não havia ninguém.
O balanço da velha cadeira da sala era o único rangindo em todos os ouvidos. Mas a cadeira nem existia mais. Não estávamos na mesma sala. Não éramos sequer os mesmos.
As brincadeiras mortas, as risadas mortas. A vida morta.
As lágrimas debulhadas como as contas de um terço. Singelas e gélidas como a matéria morta. A matéria morta onde estava toda a calma. A calma que nos foi roubada.
Não era dor. Não era desespero. Não era falta de crença, não era ausência de fé.
Nem ela mesma sabia o que era. Mas nada daquilo era. O que era, era o que faltava. E que vai continuar faltando depois. Num futuro do pretérito eternamente conjugado.
O batom vermelho desmanchou pelo calor que fez, derreteu, manchou a gola do vestido comprado ontem, ao qual o tempo negou a estréia. Morreu virgem de corpo, desconhecendo as festas para os quais fora escolhido.
Até os dentes te roubaram. Teus esmaltes tiraram. Tuz tez morena, teu sorriso fácil. Nada disso encontrei hoje ao te ver. Me levaram o te ver. Mas que direito tenho eu de exigir?
Mas era você. Será você. Enquanto formos nós, será você.
Porque não morre o que vive dentro da gente.

14 de dezembro de 2009

Palavras

Palavra?
Pra que palavras?
Me invente uma palavra que descreva realmente
assim, impunemente
o que teus olhos me dizem
quando olham pra mim.

Amor assim devagar e urgente
na pressa da demora da gente.

Um amor meio louco, meio lerdo
distraído como quem não tem ao certo
destino ou paradeiro
porto aonde se recostar.

Um amor que não sabe onde vai parar.

Talvez depois do tempo da incerteza
depois dos côncavos, dos desníveis e das refrações,
sejamos capazes de não dizer nada, seguir a trilha
lado a lado,
e quando eu der por mim, despercebido,
estarei perdido,
encontrado seguindo os passos seus.

12 de dezembro de 2009

Divisão

Ando pelo mundo
assistindo histórias que nem sei contar.
Como uma platéia vou cumprindo a sina.
Assisto a cena, aplaudo o ato, cuspo no prato, atiro tomates, mas não mudo o texto.

Ando pelo mundo sonhando sonhos que não sei realizar
Magoando corações que eu queria amar
Perdendo a cabeça em estratégias de guerra que não vou ganhar.

Eu podia ir para qualquer lugar do mundo, mas eu escolhi ficar.
Por quê?
Só para te olhar mais um pouco, descobrir o que você tem
que me deixa assim.

Transito entre opostos,
trânsito congestionado de pólos distintos
que no final são uma coisa só.

A tragédia vira trajetória
nesse caminho que eu nem sei aonde vai dar.
Seria a vida uma comédia?
Seria divina?

Os dezembros a se passar.
Os anos a se somar.
A paz que eu quis sentir.
É silêncio, quase escuto muito bem
o eco da minha própria respiração.

Sou egoísta.
Me devolva a metade que me falta.
Me dê a parte inteira de você.
Quero juntar tudo, ficar com os inteiros.
Não aceito te dividir com mais ninguém.

Nossa(bio)grafia

A gente era feliz, e nem precisávamos perceber isso. A gente ia devagar, devagarinho. Ficava olhando a cor do céu, ficava pintando estrela no chão.
Era a gente pendurado na janela aberta, fim de tarde, vento batendo do rosto. Não era não, sim era sim. Nem sabia o que era um talvez.
O passo da gente era miúdo, éramos pressa de coisa nenhuma.
Éramos demora. A gente se demorava em nós mesmos. Sem se importar demais E íamos vivendo nossos minutos de eternidade. O coração batendo no compasso da disritmia.
Até que um dia a gente errou a estrada, a gente perdeu o caminho. E foi se afastando devagarzinho, tão devagar como quando a gente chegou.
E a gente escreveu a última linha do livro numa tarde dessas aí, hoje perdida no tempo.
Nas entrelinhas nossos sorrisos, desbotados já, lembrando quem um dia foi feliz.

Solidão

Substantivo feminino singular.

1) Quando tudo que se tem ainda não é o que se quer.
2) Ato ou estado de sentir-se sozinho, mesmo cercado de gente por todos os lados.
3) Quando você já não basta a si mesmo.
4) Aperto no peito, angústia na alma, necessidade premente de dividir, de partilhar, de não ser mais um só, de não ser sozinho. Comumente, sua ação deriva no verbo juntar, somar, ou amar.
5) Relativo a sentir falta de alguém, de algo, ou de si mesmo.
6) Tem cura.

10 de dezembro de 2009

Considerações sobre pequenos escritores

Eu, escritor menor, reconheço publicamente a pequenez de minhas supostas obras literárias.
Venho declarar que não busco aplausos, nem vitórias em rankings de o Blog do Ano. Leitores sinceros e poucos me interessam muito mais. Leitores críticos, não amigos.
Eu, escritor menor, venho dizer que escrevo para relatar meus dias, as fotografias reveladas pelas lentes do meu humor vítreo.
Eu, escritor menor, venho assumir meus textos "bordados de versos e flores".
Eu, escritor menor, abdico do tempo, dos relógios. Quero ganhar a eternidade. A imortalidade.
Mas não a imortalidade de uma cadeira na Academia. Lá não há lugar para escritores menores.
Quero a imortalidade de meus versos recitados pela boca de um desconhecido.

9 de dezembro de 2009

Abre aspas

Adoro teu jeito impulsivo ensaiado de dizer as coisas. E da tua desordem, de como tudo vem aos barrancos, solavancos, cataclisma de palavras sobre mim.
Adoro teus olhos que não sabem disfarçar. E a falta de método, e os descompassos, e os desconexos.
Adoro teus excessos, e teus medos, e teus méritos. Adoro teus erros de cálculo. Teus (pre)conceitos, e preceitos, teus acertos.
Gosto de ver o que sabes sobre mim (vez em quando nada, vez em quando tudo), te gosto ver tentando adivinhar.
Gosto dos premeditados encontros casuais. E do sorriso que nunca sei o que quer dizer. E das suas pausas. Gosto de você tentando enxergar o que te escapa.

Gosto de você, oras.
Fecha aspas.

8 de dezembro de 2009

Curiosidade

E os pelos curiosos da minha pele
levantaram todos juntos
tentando decifrar o mistério
que existe nos teus dedos.

Vieram ouvir o sussuro
o murmúrio
de uma voz que chamava,
da tua voz que dizia.

Mas o que me dizias?

Querias me contar um segredo.
Mas do teu segredo eu já sabia.

Sujeito

Você, sujeito simples da minha oração.
Sujeito inexistente, paciente, inaparente
Quem pode adivinhar que nossas frases
aparentemente sem sujeito
carregam na verdade um período composto
por coordenação?

Enquanto procuramos nossos complementos
verbo-nominais
as desinências modo-temporais
nos colocam entre pausas, entre vírgulas.

Fiquemos com as reticências.
Três pontos são sempre melhores
que um ponto final.

Sem apostos, não precisamos de interrogações
Somos claros verbos reflexivos
derivados de um processo de justaposição
conjugados numa forma nominal de vir a ser.

Retórica

Se o cromossomo é Y, por que ele tem forma de X???

6 de dezembro de 2009

Eu e o tempo

A vida e suas formas de inexpressão. Quando ao não se dizer nada, se diz tudo que se precisa ouvir.
Engraçado quando tiramos as maiores lições dos lugares mais improváveis.
Quando encontramos um pedaço de nós mesmos perdido no caminho. Quando o deixamos ali? Desde quando não mais o temos? Quando o abandonamos? E agora que o vemos à nossa frente, temos o direito de recolhê-lo, e reintegrá-lo ao seu original lugar?

Saudades e esquecimentos. As maiores habilidades do TEMPO. Eu e o tempo. Ele, sacerdote das razões humanas... Eu, mísero aprendiz da vida.
Ele, construtor e destruidor. Pai da transitoriedade. Ele, que nos faz mutáveis. Ele, que nos faz nós mesmos. Num processo eterno de vir a ser.
Ele, que nos assola, que nos consome, que nos leva amores, que nos traz amáveis... Ele, o tempo, mestre das transições, nas suas cirandas intermináveis, cumprindo a metódica novidade de todos os dias, fazendo girar a ciranda das horas, escorrer as cinzas da ampulheta da vida. Vida, vida. Que vida?
Venho noticiar que a vida sobrevive, senhoras e senhores. A vida sobrevive a cada dia. Novos dias. O tempo se encarrega de separar nossas folhas de calendário. E assim, nossas penas parecem menos dolorosas. Como se pudéssemos separar o indivisível tempo em frações mais facilmente transportáveis. E tudo parece possível, e novas esperanças surgem, porque nasceu um novo dia após 31 de dezembro.

Caminhamos juntos, o tempo e eu, pela estrada de nossos anseios, percorrendo a trilha incerta dos nossos dias. Numa relação quase sacramentada sobre o altar profano da vida. Numa forma ilimitada de ser humano, numa forma limitada de se descobrir um pouco divino. Numa sacra liturgia pagã consagrando nossos dias.
Sonhando nossos sonhos em meio a terrenos alagados, submergíveis, traiçoeiros. O tempo que nos é dado de graça vem cobrando seu preço. Porque o de graça tem seu preço.
Onde encontramos as certezas?
Quem pode nos dar alguma coisa real o suficiente para tornar-se paupável, para tornar-se verdade?
Ando as estradas do mundo procurando... Mas o que procuro?
Para onde vamos?
Para onde nos leva o tempo? Tempo de plantar, e tempo de colher... Para recomeçar, tempo de amar... Hoje é um tempo. Que tempo? Como saber o que hoje viver?
A vida e seu movimento. Os ponteiros do tempo que nunca se calam. Às vezes me sinto mais lenta que eles... Quase sempre. E o descompasso cansa. O coração não é de acelerar. O coração vive seus dias no tempo do amor miúdo, no tempo das pequenas alegrias das pequenas coisas. Mas o corpo não sabe esperar. Mas como separar? Ou como conciliar?

A vida anda rápida demais... Quero ir mais devagar. Quero o direito de escolher a cronicidade dos meus dias. Sem atropelar meus próprios passos. Outonos e primaveras. Sorrisos e lágrimas. Versos e reversos. Direitos e esquerdos. Os contrários da vida. Paisagens, cores, luzes, flores.
Chamam-me de utópica. Ufanista. Sonhadora. Inocente. Isso me incomodava antes. Antes. Não mais agora. Não mais quando me descobri indivisível com a sacralidade da vida. Não me permito negar-me a mim mesma. Negar os sentimentos, negar o que pulsa. Onde a vida me pulsa. Onde eu me demoro. Onde plantei meus sonhos. Onde depositei minha liberdade de ser quem eu sou, de acreditar no que escolhi crer, de amar o que amo, de ser o avesso que nem sempre revelo, mas que faz parte de mim. Será que tu sabes até onde eu posso ir? Tu sabes o que há em mim? Talvez vejas melhor que eu... Mas as minhas horas sou eu que faço. Quem poderia sentar ao meu lado e esperar o meio-dia?

Descobrir a beleza de um amor que ainda não tinha encontrado. Um amor que nunca soube dar, um amor que desconhecia. Um amor que se revela em inutilidades. Amor sobre rosas e espinhos.
É fácil amar o que está no pódio. Amar o louvável. Amar o aplaudido. Mas amor só pode se dizer amor quando se chega perto o suficiente pra descobrir os avessos, os contrários. E ainda assim poder ficar junto. Amar um inútil, amar alguma coisa que não pode nos acrescentar algo que buscamos, mas que pode estar ao nosso lado, sendo amor em sua inutilidade.
Queria poder ser inútil assim para alguém. Poder enxergar e ser enxergada além do que os olhos e as concepções podem ver. Amores de rosas, com flores e espinhos que são um só, que não se podem dar em separado. Sem idealizações, sem altares, sem mistificações. Só direi que amo verdadeiramente quando esbarrar nas imperfeições, nas limitações, nas facetas mais sujas e mais repugnantes, e ainda assim reconhecer aquilo como parte que não posso renunciar. Por isso amor exige análise. Exige demora. Não há amor na pressa. Nem nas muitas palavras. Amor é feito de silêncios muitos.

Quero viver meus dias como um menino travesso que está descobrindo seus brinquedos. E que brinca até o entardecer, até a mãe chamar pra casa... Um menino que sabe o valor de cada hora exatamente por não se dar conta de hora nenhuma.
De que lhe vale o relógio, se ele precisa apenas saber que, à hora certa, a mãe virá lhe chamar, e somente esta hora lhe será importante conhecer durante todo o dia.
Não quero martírios antes da hora. Não quero as horas. Quero ser tudo que eu posso ser, entre o que aplaudes e o que abominas, ser amor em minha inutilidade.
Abrir as portas, esperar os próximos ônibus, cantar as canções. Ser o que de mim sei que posso ser. Eu sou assim, sem culpas. O que me faz ver a vida como vejo, o que me faz ser como sou é tudo uma parte só, uma coisa só. Se me separo, me perco. Me desconheço. O sublime mistério da minha paganidade.

Se eu tivesse sido outro, esse amor teria me encontrado?
Quero tentar.
Até onde as horas puderem nos levar. E que seja longe, que seja muito, até perder as horas.



"Quando com ele [o tempo] faço acordo
Sorrio com os motivos de suas alegrias
E poetizo as tristezas que de suas mãos se desprendem.
Mas quando com ele posso...
Ah, quando com ele posso, eu dele me esqueço
E vivo..."

4 de dezembro de 2009

Pedacinhos

De vez em quando a gente é guerra. De vez em quando, porque ninguém é sempre paz.
De vez em quando...
De vez em quando a gente se desconhece... Porque ninguém sabe tudo de si mesmo.
E eu, pequena criança descobridora do mundo, ando tentando colar os pedaços da vida. Engraçado a gente ganhar a vida assim desmontada... Abre o universo de possibilidades.
Sim, eu posso colocar as peças que me der vontade. E seria tudo fácil assim, se não fosse o fato de que não tenho todas as peças que quero, oras.
Afinal, ninguém disse que seria fácil...
Minha brincadeira é séria. Levo a vida como quem empina pipa, cada vez mais alto, cada vez mais longe... Mas empino pipa como quem quer ser o dono do céu...

2 de dezembro de 2009

Despojos de batalha

A gente anda correndo perigo.
Perdemos o medo que nos mantinha
a uma distância segura, a salvo de nós mesmos
e dos nossos desejos.


Perdemos o pudor, perdemos as ressalvas.
Nossos corpos que já não tem mais paz.
Um doce magnetismo lutando contra o infactível.


Sentes?
Queres?
Deves?
Podes?


Todas as cartas no jogo, não há mais nada na manga.
E as impossibilidades estão todas bem à nossa frente
A gentenão consegue ver, ou não queremos ver...


O que mais queres de mim? Se já expuseste todas as minhas veias?
Todo esse sangue jogado no chão...
Carnificina. Genocídio.
O que não sou de ti?!? O que não tens de mim?


Nosso encontro marcado,
está tudo arranjado
será daqui a dois dias,
será daqui a dois anos,
será no fim da vida
será quando?
Será?
Haverá pra nós um será?
O que haverá?


Perigoso te amar... Perigoso querer.
Quem de nós vai perder?
O que temos a perder?
O que eu farei sem você?
O que faremos desse quase a nos punir?


Quem de nós é o mais forte?
Quanta força há em nós?
Onde está o elo mais fraco?
Pra que precisamos de vencedor,
se no fim somos todos iguais?


Às vezes fica turvo, nossa vida louca vida
manchada com o sangue que temos perdido
marejada das lágrimas que temos chorado
e das dores que temos doído.
E eu não consigo enxergar.
Não consigo te enxergar.


"O que você me pede eu não posso fazer
Assim você me perde, eu perco você (...)
O que você não pode, eu não vou te pedir.
O que você não quer, eu não quero insistir.
Diga a verdade, doa a quem doer.
Doe sangue e me dê seu telefone."

Eu, que não amo você

Eu, que não amo você,
vim aqui apenas dizer
que não dá, que não vou me render,
que não vou me entregar.
O que há com você?
Eu não amo você.
Eu não quero você.
Eu não sou você.

Não tenho você.
Eu mal sinto você.
Não amo você.

Não sofro você.
Não desejo você.
Não há o que dizer
não sei nos entender.

Pra que insistir?
Até onde a gente pode cair?
Pra que vamos sonhar
se eu não amo você?

Não venha me tocar,
não me faça te desejar,
eu não quero te querer,
eu, que não amo você.

Eu, que não sei não tremer,
que não sei me afastar.
O que é que me dá?
Quando você chega,
Eu, que não amo você?

Eu não amo você
nãotequeronãotremonãodesejo,negroamor.
Estou te dizendo, não amo você.

O que parece saudade, não é.
O que parece desejo, não é.
O que parece vida, não é.
O que parece eu, não é.
E o que parece você, o que é?

Eu não sei o que é.
Eu não amo você.
Mas a quem eu quero convencer?
A mim ou a você?